Livros: Uma viagem de morte ao Portugal profundo

“Maintenant et à l’heure de notre mort”, publicada pelas Éditions Do no mês passado e traduzida por Elisabeth Monteiro Rodrigues, é a obra de estreia de Susana Moreira Marques, jornalista nascida no Porto em 1976. Com este livro, que anda ali entre a ficção e o jornalismo, um género a que muitos chamam romance de não-ficção, publicado em Portugal com o título “Agora e na hora da nossa morte” em 2012, Susana Moreira Marques trata o tema da morte e do isolamento, evitando com sucesso as lamechices que tantas vezes inquinam quem se aventura por estes assuntos, tentando com elas fazer um descarado aproveitamento da comoçãozinha emocional do tipo programa televisivo matinal.

Em “Agora e na hora da nossa morte” a autora resiste a essa tentação et pour cause! escreveu um belo livro.

Num misto de reportagem, caderno de viagem e diário, Susana Moreira Marques partiu para o planalto mirandês em junho de 2011 para acompanhar um projeto-piloto de cuidados paliativos ao domicílio financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian com o objetivo de fazer uma reportagem sobre o fim de vida, sobre o que pensam as pessoas às portas da morte. A essa viagem seguiram-se mais duas até outubro desse ano, permitindo à autora mergulhar naquele fim de mundo português onde, para quem vive na pequeníssima escala portuguesa, as distâncias parecem enormes e a paisagem inultrapassável.

Com fotografias de André Cepeda, este livro divide-se em duas partes essenciais que se complementam perfeitamente. Se em “notas de viagem sobre a morte”, a autora nos presenteia com as suas reflexões – “Depois de muitos, muitos quilómetros, as aldeias são uma só” -, instantâneos do que vai encontrando – “Está acamado há tantos anos que a morte deixou de ser novidade” – e uma espécie de manual – “PALIATIVO: I. Que serve para paliar. 2. Remédio que não cura mas mitiga a doença”; já em “Retratos”, a segunda parte, ela apresenta-nos as pessoas que povoam aquelas histórias. Algumas dessas histórias pertencem a um casal de idosos. Aos 80 anos já bem entrados, João e Maria, ele canceroso e algaliado, do alto da sua sabedoria de anciãos, lá nos ensinam que para falar da morte que se aproxima têm de falar da vida que viveram, tal qual dois arqueólogos que não conseguem explicar a superfície sem a contextualizar com o estudo das profundezas.

Entrevistas que a jornalista/escritora conduziu com o pudor devido e a obrigatória humanidade, fugindo com coragem aos sensacionalismos voyeuristas que tanto fazem salivar outros jornalistas que há muito varreram a deontologia para debaixo do tapete e que se comportam como bárbaros vivendo numa grande e infinita rede social. Um livro que nos faz ver com clareza o oposto do mundo hedonista em que vivemos e que nos força a encarar uma realidade que, ao contrário das gerações que nos precederam, deixou de ser banal e passou a ser quase invisível: a morte.

 

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