LusoJornal | Carlos Pereira

Lusodescendente Philippe Mendes restaura quadro de Jean-Joseph Ansiaux

O quadro «L’Annonciation» pintado em 1823 por Jean-Joseph Ansiaux, propriedade da Diocese de Paris, e conservado na Capela da Maison Marie-Thérèse, da Résidence Chateaubriand, em Paris 14, foi restaurado pela Galeria Mendes, onde está excecionalmente exposto durante este mês de junho.

Há 5 anos que Philippe Esteves Mendes, o proprietário da Galeria Mendes, tem utilizado a lei francesa do mecenato, para restaurar quadros de museus franceses.

«Há quase dois anos, um amigo levou-me para visitar uma capela privada de Paris e queria mostrar-me este quadro que necessitava de restauro. Ele sabia que eu já tinha uma política de mecenato dirigida para os museus e instituições culturais francesas e pensou que este poderia ser um quadro eleito para isso» explicou Philippe Mendes ao LusoJornal.

Mas o especialista de arte descobriu, na mesma capela, um outro tesouro, um quadro de Domenico Piola, um genovês do século 17, o melhor pintor daquele período. «O quadro estava muito escuro, muito sujo e eu fiquei louco por aquele quadro completamente desconhecido, inédito, e decidi restaurá-lo». Restaurou com a contrapartida de poder expor a obra na Galeria e de publicar o famoso quadro. «Teve um sucesso imenso. Os historiadores de arte italianos vieram todos ver o quadro, porque era mesmo muito importante».

Mas Philippe Mendes não se esqueceu de «L’Annonciation» de Jean-Joseph Ansiaux, um dos mais importantes representantes dos finais do neoclassissismo francês. «É um quadro com uma grande beleza, já com alguns toques de romantismo e também acaba por ser uma descoberta importante para a história da arte francesa do século 19» explica o galerista.

Quando o quadro começou a ser restaurado, acabou por ser imediatamente classificado Monumento histórico. «Esta decisão fazia com que não podia expor aqui na Galeria, tratando-se de um quadro inscrito na lista do património histórico, mas apesar de difícil, conseguimos excecionalmente, porque perceberam que era a contrapartida do mecenato».

O quadro pode ser visto na Galerie Mendes até fim de junho e depois vai regressar à capela de origem, onde foi colocado em 1823 e de onde nunca tinha saído.

A capela está anexa à Résidence Chateaubriand, uma casa do casal Chateaubriand, o grande escritor do romancismo francês. Quando a senhora Chateaubriand morreu, ela tinha legado a casa e tudo o que nela estava, a capela e o jardim, à Diocese de Paris para acolher padres reformados, e ainda hoje tem essa função. Dentro da capela estão vários quadros que foram encomendados por Madame de Chateaubriand aos melhores pintores daquele período.

A capela sempre esteve fechada ao público e contém obras de valor incalculável. A Diocese de Paris estuda agora a possibilidade de abrir aquele espaço ao público.

 

Lei francesa do mecenato

O restauro desta obra só foi possível graças a um dispositivo fiscal francês que permite à sociedade civil, empresas ou particulares, ter uma ação direta sobre o património nacional.

«Há 5 anos que temos uma política de mecenato na Galeria. Já restaurámos vários quadros em vários museus em França. Pela primeira vez, no ano passado e agora este ano, restaurámos obras de uma entidade religiosa» afirma Philippe Mendes numa entrevista ao LusoJornal.

Foi também no quadro da Lei do mecenato que Philippe Mendes comprou um quadro da pintora portuguesa Josepha d’Óbidos, que está agora exposto no Museu do Louvre, em Paris. «Consegui isso porque a Lei de mecenato francesa permitiu de o fazer, ter uma desfiscalização bastante importante para que o custo não seja tão pesado».

«Já ajudei a restaurar obras em museus portugueses e doei aliás duas obras para museus em Portugal, porque a Lei de mecenato francesa permite-me doar a entidades europeias e desfiscalizar aqui».

Philippe Mendes acha que Portugal devia dotar-se de dispositivos idênticos. «Na última viagem que fiz a Portugal, parei no Mosteiro de São João de Tarouca e vi aquilo num estado assustador. Está cheio de humidade, o chão está verde, a humidade começa a subir pelos muros para os altares, a atingir os quadros primitivos portugueses, renascentistas, e está mesmo num estado assustador. É longe do percurso turístico, mas também parei na Igreja de Santa Catarina, em Lisboa, e vi que vários quadros estão muito sujos, algumas vezes estragados e também necessitavam de ser restaurados, para que turisticamente sejam mais agradáveis ao público, mas porque também é necessário restaurar o património português para o deixar nas melhores condições às futuras gerações» diz o galerista. «Esta Lei de mecenato francês, se tivéssemos a mesma em Portugal, permitiria a privados de ter esta mesma ação direta, de escolher um quadro e propor o restauro do quadro. Tenho a certeza absoluta que várias entidades o fariam com grande gosto, e esta lei agora é mesmo necessário estudá-la para ser o mais eficiente possível para a valorização e a proteção do património português».

Para Philippe Mendes, o Estado, «em vez de desempenhar aquele papel da avestruz que esconde a cabeça na areia quando está a passar o comboio por cima, ou de tirar aqui para pôr ali, nas caixas das finanças, para sarar as feridas mais urgentes, era necessário que Portugal tivesse outro sistema, outras alternativas fiscais que permitissem aos privados ter uma ação, que ajude onde o Estado não consegue. Isto acaba por ser um caso de vontade política».

A Galeria Mendes vai festejar no próximo ano uma década de existências e é especializada em pintura do século 16 até ao século 19, francesa, italiana, espanhola e portuguesa, «quando é possível».

Os próximos desafios de Philippe Mendes são pois o de melhorar a Lei de mecenato em Portugal e abrir finalmente uma sala de pintura portuguesa no Museu do Louvre.

 

Galerie Mendes

45 rue de Penthièvre

75008 Paris

Infos: 01.42.89.16.71

www.galeriemendes.com