Maison Bleue

Maison Bleue: Obra de Euclides da Costa Ferreira no Inventário do Património Francês mas desconhecida de Portugal

O estranho jardim construído pelo Português Euclides da Costa Ferreira, em Dives-sur-Mer (14), próximo de Cabourg, está inscrito no Inventário Suplementar dos Monumentos Históricos franceses desde 1991. “Mas até hoje, nenhuma autoridade portuguesa visitou a obra” queixa-se Eliane Després, a Presidente da associação Maison Bleue. No entanto, não há guia turístico da região que não sugira uma passagem obrigatória por esta casa insólita.

A “Maison Bleue de Da Costa” deu origem a artigos em revistas de várias línguas, foi assunto de reportagem para uma televisão alemã e para o Canal+, em França, recentemente foi igualmente difundida uma reportagem no programa “Hora dos Portugueses” da RTP, a historiadora Claude Lechopier foi investigar a Portugal e escreveu um livro intitulado “Une mosaïque à ciel ouvert” nas Editions Cahiers du Temps.

Mas o único contacto que Eliane Després tentou estabelecer “foi um fracasso”. Conta que tentou à fala com José Stuart, Cônsul Honorário de Portugal em Rouen, que lhe entregou documentação, mas até hoje, de Portugal não surgiu nenhum interesse pela obra.

 

Quem foi Euclides da Costa Ferreira

Euclides da Costa Ferreira nasceu em 1902, em Vilarinho, Vila do Conde. A historiadora Claude Lechopier tentou encontrar familiares, rastos da sua juventude em Portugal. Mas regressou a França apenas com fotografias da região.

O jovem Euclides veio para França com 22 anos, logo depois do fim da primeira Guerra mundial. Veio com passaporte, de comboio, via Barca d’Alva. Trabalhava nas obras em Portugal e foi para trabalhar nas obras que veio para a Somme. Foi aí que conheceu uma francesa, Marie-Louise Duval, com quem casou. “Ele era analfabeto e ela era iletrada” conta Eliane Després. “Durante a II Guerra Mundial, Euclides foi requisitado pelas tropas alemãs e foi trabalhar para os Estaleiros Navais de Saint Nazaire”.

Depois da Guerra, Euclides da Costa Ferreira foi recrutado pela fábrica metalúrgica Tréfimétaux e o casal instalou-se definitivamente em Dives-sur-Mer.

Instalaram-se numa casa simples, sem água, sem luz, num terreno que comprou próximo da fábrica e contíguo à linha de caminho de ferro.

Euclides da Costa Ferreira nunca mais voltou a Portugal e obteve a nacionalidade francesa em 1947. Era homem de poucas falas – “hoje seria diagnosticado de uma certa forma de autismo” refere Eliane Després – e era a mulher quem estabelecia a relação com a vizinhança.

Sobretudo desde que, em 1954, lhe foi diagnosticada uma tuberculose, que lhe valeu a “invalidade” para trabalhar.

O casal não teve filhos.

 

Como nasceu a obra?

Em 1957, Euclides da Costa Ferreira e Marie-Louise ouvem na rádio que os Soviéticos enviaram uma cadela – Laïka – para o espaço, no foguetão Spoutnik. “A morte da cadela, sacrificada para a descoberta espacial, chocou tremendamente Euclides da Costa Ferreira. Aquele homem teve um choque tremendo. Ficou indignado” conta Eliane Després ao LusoJornal.

Decidiu então, no jardim da casa, construir um Mausoléu de homenagem à Laïka. Construiu a estrutura em cimento e depois começou a decorá-la com pedaços de mosaico. Em cima, colocou uma espécie de foguetão. Foi a primeira obra de Euclides da Costa Ferreira. Só parou 20 anos depois, porque já não tinha mais nenhum espaço disponível para construção no jardim, e porque a morte o ceifou em 1984.

Todos os dias, com um reboque que atrelou à bicicleta, Euclides da Costa Ferreira pedalava pelas redondezas à procura de mosaicos e de louça partida que servissem de decoração para a sua obra. Sem qualquer plano, sem projeto, o “artista” foi criando, segundo a sua inspiração, uma dezena de monumentos e decorou muros e chão da totalidade dos cerca de 300 metros quadrados do jardim. “São edifícios essencialmente religiosos, onde não faltou Nossa Senhora de Fátima, Notre Dame de Lourdes, Notre Dame de la Délivrance, o Sacré Coeur,…” explica a Presidente da associação Maison Bleue. “Mas mesmo se temos uma bonita igreja em Dives-sur-Mer, o casal não frequentava a igreja. É curioso este interesse pela religião na sua obra, mas este desinteresse pela missa na igreja. Dizem que o casal ouvia a missa pela rádio, em casa”.

Pouco a pouco, a obra torna-se mais “organizada”, as formas são mais trabalhadas, tem recurso a “modelos” para reproduzir animais ou flores.

A Maison Bleue é um exemplar único de “Arte Bruta” na Normandie.

 

Uma obra classificada

A obra de Euclides da Costa Ferreira foi construída para seu prazer pessoal, certamente com a cumplicidade da mulher. Passava os dias no jardim, a fumar (apesar da tuberculose), a contemplar a obra e certamente a lamentar não ter mais espaço e mais forças para continuar.

“Dizem que o casal tinha meios suficientes para comprar um carro e até para ir de férias a Portugal. Mas nunca foi” explica Eliane Després. “Esta obra foi certamente uma forma de se manter ligado a Portugal. Porque aqui há uma inspiração clara nos azulejos portugueses”.

Pouco a pouco as visitas começaram a intensificar-se. Para além da gente da terra, começaram a chegar turistas do mundo inteiro. Dives-sur-Mer é conhecida pelo Port Guillaume, de onde saiu Guillaume-le-Conquérant, à conquista do trono inglês.

Marie-Louise percebeu que podia angariar meios para a compra de sacos de cimento para a obra do marido. Numa guarita à entrada do jardim, tinha um cestinho onde os visitantes eram “convidados” a deixar “o que bem achassem”. Conta-se na rua que quando alguém deixava uns míseros francos, Marie-Louise deitava o dinheiro à rua, na cara dos visitantes e dizia, alto e bom som, que não necessitava de esmolas.

Euclides da Costa Ferreira não ligava a estas coisas. Quando em 1979 uma equipa alemã de televisão veio fazer uma reportagem sobre a “Maison Bleue”, o artista disse que não estava disponível e mandou a mulher falar aos jornalistas.

Marie-Louise morreu em 1989, cinco anos depois do marido, mas antes de morrer, a Mairie de Dives-sur-Mer comprou-lhe a casa e o jardim. “Mas a metalurgia que fazia viver a cidade, fechou completamente, e a Mairie ficou sem meios para salvaguardar a obra de Da Costa. Isto ficou abandonado durante vários anos” conta Eliane Després ao LusoJornal. Até que Claude Lechopier se interessou pela obra, foi a Portugal investigar sobre as origens de Euclides da Costa Ferreira e fundou a associação Maison Bleue que presidiu durante um ano, antes de passar a presidência a Eliane Després.

Em 1991 o monumento passou a integrar o Inventário suplementar dos Monumentos históricos franceses e a associação conseguiu mandar construir uma estrutura para preservar a obra das intempéries. “O monumento necessita de uma grande intervenção, porque está a degradar-se” lamenta Eliane Després. “Segundo as nossas estimações, seria necessário mais de um milhão de euros para preservar a obra. E a Mairie de Dives-sur-Mer, não dispõe deste orçamento”.

Por isso, a associação gere as visitas do jardim, organiza visitas comentadas e tenta convencer mecenas para contribuírem para a preservação desta obra original e estranha de um Português em França.

 

Maison Bleue

13 rue des Frères Bisson

14160 Dives-sur-Mer

 

 

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