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Ministro João Gomes Cravinho: “Os cemitérios degradam-se se não se tiver a devida atenção”

Durante a visita ao Cemitério militar português de Richebourg, no sábado passado, depois de ter passado por Boulogne-sur-Mer e por Ambleteuse, o Ministro português da Defesa nacional, João Gomes Cravinho, concedeu uma entrevista ao LusoJornal.

 

O que sente neste dia ao visitar e ao reinaugurar o Memorial português de Boulogne-sur-Mer e ao estar aqui no Cemitério Militar Português de Richebourg, lugar único e singular da Memória de Portugal?

É um sentimento de enorme emoção. Faz mais de um século que morreram milhares e milhares de militares de diversos países, incluindo muitos Portugueses, que morreram numa guerra que ainda hoje muito está presente na nossa sociedade. Eu tive um tio-bisavô que esteve aqui, mas que sobreviveu. Este meu caso é um entre outros que marca presença na vida das famílias. É também a primeira guerra da modernidade e ao mesmo tempo uma guerra que não podemos imaginar que ela possa vir assim ser novamente praticada. Os tantos e tantos mortos que o mundo teve nessa guerra, foi por razão de falhanço da resolução de divergências políticas. Tenho também um sentimento de enorme responsabilidade, ligada às decisões que nós políticos temos que ter. Temos de ter consciência que a guerra resultou da incapacidade política, o que conduziu a estas mortes todas, à morte de jovens que deram o seu tudo, que deram a vida, pela Pátria, em circunstâncias que nunca deveriam ter acontecido.

 

Tenho 60 anos e lembro-me que nos livros escolares da altura, o tema da participação portuguesa na I Guerra mundial não era abordado. Acha que o tema atualmente é mais bem tratado nos manuais escolares?

Eu creio que de algum modo, o Centenário em 2018 ajudou a que a sociedade portuguesa ganhasse uma nova consciência em relação ao que foi o extraordinário sacrifício e em relação ao significado da guerra. Penso que temos que fazer um esforço constante para que cada nova geração venha a aprender essas lições. Lições terríveis da história, repetindo-se por vezes os mesmos erros do passado. A única forma de isto não voltar a acontecer é de se cultivar a memória, dever de memória em relação a quantos aqui tombaram pela Pátria em terras muito longínquas das terras onde nasceram. Penso que a juventude de hoje tem uma consciência superior à minha e à que a juventude do seu tempo tinha, contudo há um trabalho constante que é preciso fazer.

 

O Cemitério militar português de Richebourg, assim como outros locais aqui da região, é candidato a Património Mundial da Unesco. Qual a importância desta candidatura e a importância para estes locais de memória?

Eu penso que o Cemitério de Richebourg, mais outros lugares ao longo de 150 a 200 quilómetros, já fazem parte do Património da Humanidade. Ainda não é reconhecido como tal, mas penso que a candidatura à Unesco vai ajudar ao reconhecimento formal e à devida publicitação. Independentemente disso, já fazem parte do nosso património individual e coletivo e nós temos de saber cultivar em lugar próprio que os cemitérios o merecem. Uma das maneiras de o fazermos, é precisamente através da Unesco. O Governo português apoia esta candidatura nomeadamente a nível diplomático e com todos os meios que puder, porque temos aqui uma parte importante da nossa história.

 

Pode-nos dizer-nos precisamente o porquê da sua vinda hoje aqui?

Eu vim este dia 10 de outubro a Boulogne-sur-Mer, para a reinauguração do monumento português no Cemitério de Boulogne Est. Foi um momento muito emocionante. Não poderia vir a esta parte do mundo sem vir ao Cemitério português de Richebourg e prestar homenagem aos 1.831 militares portugueses que estão aqui sepultados, alguns dos quais vindos da zona de Boulogne e de Ambleteuse. Como Ministro da Defesa, é uma das minhas maiores obrigações, o cultivo do Dever de Memória. Faço-o enquanto Ministro da Defesa e Ministro do Governo português. Procuro com isso ter uma atitude pedagógica para com a sociedade portuguesa. Venho acompanhado pela Senhora Secretária de Estado dos recursos humanos e antigos combatentes. Temos a honra de termos uma Secretária de Estado que se dedica precisamente aos antigos combatentes. Já não temos connosco os antigos combatentes da I Guerra Mundial. Muitos deles não tiveram o reconhecimento devido pela sociedade portuguesa. É nosso dever que os antigos combatentes das guerras em África e outros mais recentes, das missões de paz, tenham o devido reconhecimento, seja do ponto de vista afetivo como do ponto de vista material.

 

Em que estado se encontra o Cemitério Militar Português de Richebourg. Será que há algo a fazer?

É preciso permanentemente cuidar dos cemitérios. Os cemitérios, como quaisquer outros lugares, degradam-se se não se tiver a devida atenção. Há um trabalho permanente que é sempre preciso fazer, é verdade que quando cá venho, as pessoas dizem-me: “é preciso fazer isto, é preciso fazer aquilo”. Com certeza que têm razão. Por outro lado, vendo aqui à volta, vejo que nós temos aqui um cemitério de grande respeitabilidade. Com certeza tem que haver um investimento para que os pequenos arranjos sejam consertados, mas estou orgulhoso pela maneira como tem sido possível manter o cemitério. Sabemos que em 2018 houve um grande investimento de reparação e terá de continuar.

 

Há necessidade de despender aqui algum dinheiro. Mas será que a população portuguesa verá isso com bons olhos? Não vai dizer que vale mais se ocuparem dos vivos do que dos mortos?

Faz parte da nossa sociedade a consciência sobre o nosso passado. É muito importante termos a consciência sobre o passado. É verdade que há necessidade de encontrar equilíbrio, temos de responder a tantas e tantas necessidades do presente e dos vivos, contudo faz parte também do nosso humanismo ter um olhar atento ao passado, até porque se não nos lembrarmos do passado tão facilmente corremos o risco de repetirmos os erros desse mesmo passado. Esse investimento não só é um investimento na memória como é um investimento no futuro.

 

Quer aqui deixar uma mensagem para os familiares dos que aqui têm ascendentes e para quantos queiram aqui vir visitar o cemitério?

Devem fazê-lo, devem vir visitar, vejo aqui algumas marcas de familiares que aqui têm vindo visitar. Isso vem sublinhar a presença destes soldados mortos na nossa sociedade de hoje. Penso que no nosso dia-a-dia, nas famílias, ainda há esta recordação e fico satisfeito que alguns possam vir aqui visitar. Espero que logo que a pandemia nos permita, que haja um fluxo mais intenso de pessoas a visitar aqui os seus antepassados.

 

O turismo de memória é algo que se vai desenvolver nos próximos anos?

Eu penso que sim. As pessoas têm cada vez mais consciência destes locais para a nossa sociedade de hoje, logo ganha uma pertinência diferente, que talvez as pessoas não tenham registado há cinquenta anos atrás. É muito positivo, o facto de termos hoje mais consciência do que há cinquenta anos atrás.

 

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