Nathalie de Oliveira espera ser novamente candidata a Deputada mas assume que… “o percurso é violento”


A atual Deputada eleita pelo Partido Socialista no círculo eleitoral da Europa, Nathalie de Oliveira, espera voltar a ser candidata às eleições Legislativas de 10 de março, desta vez enquanto cabeça de lista.

Já na última eleição, a Secretária Coordenadora da Secção Socialista de Metz mostrou vontade em ser cabeça de lista, mas o Partido decidiu que deveria voltar a ser Paulo Pisco.

Nathalie de Oliveira apoiou Pedro Nuno Santos para a liderança do partido, agora mostra-se confiante quanto à escolha.

Agora que a decisão do partido está para ser anunciada, o LusoJornal publica uma entrevista com a Deputada, não ainda para fazer o balanço do seu mandato, mas para falar do longo percurso que a levou de Maire-Adjointe de Metz aos bancos do Parlamento português.
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Qual foi o primeiro sinal para entrar em política?

Foram as eleições europeias de 2004. Mas na verdade isto já vem desde a infância. Relembro as festas das associações portuguesas, e em particular a de Metz, com as bandeiras. Já em miúda me interrogava sobre a presença da bandeira portuguesa, da francesa e da europeia. Tenho memórias de debates de pessoas que defendiam sempre a ideia da Europa. Penso sempre no meu pai e noutras pessoas dessa primeira geração do ‘salto’, que atravessaram fronteiras, com o perigo que isso implica, e da incógnita do que iam encontrar. Nessas conversas havia sempre a ideia de que as fronteiras não deviam existir.

Ainda era pequena…

Com 5 ou 6 anos, lembro-me de conversas muito animadas – porque nem todos concordavam – sobre a decisão de Mário Soares levar Portugal a entrar na então Comunidade Económica Europeia. Antes de tudo para escaparem ao estatuto de estrangeiro, porque sendo europeus já não éramos estrangeiros. Mas na prática, esta ideia forte de pertença europeia levou-me a participar na campanha das eleições europeias de 2004 do Partido Socialista, ao qual ainda não tinha aderido. Aliás o debate sobre a Constituição europeia, mesmo dentro do PS, foi de uma grande violência.

Foi nessa altura que aderiu ao Partido Socialista?

Ainda aguardei um pouco, mas depois aderi quando a Ségolène Royal se candidatou às Presidenciais de 2006.

Nessa altura era importante levar a bandeira portuguesa para esta campanha? Isto é, sentia-se portuguesa?

Eu tenho de lembrar algo importante, é que o meu pai já tinha vivido quase 30 anos em França sem ter o direito do voto. O acompanhado na sua cidadania pelas autoridades públicas, pelo Governo do país do acolhimento, foi escasso ou inexistente, até à altura em que os Europeus residentes em França tiveram a oportunidade de votar e serem eleitos para as eleições municipais e para as europeias. Lembro que isso só foi possível em 2001, quando as pessoas já cá estavam desde os anos 60 e 70. Ou seja, numa grande parte do percurso de vida dos Portugueses de França, não tiveram possibilidade de voto. Para além de terem nascido e crescido num país onde também não podiam ter pensamento político, quanto mais ir votar! Após 2001, as estatísticas não desmentem que houve um aumento significativo de participação cada vez que há facilitação da participação cívica e política.

Mas o arranque foi muito tímido, não foi?

Foi muito tímido, muito lento, mas atualmente não é pior em comparação com outras Comunidades europeias, e estou a pensar na italiana, com muitos descendentes em França, e em particular na minha região do Leste. Há também que dizer que em França não há estatística étnica. Não podemos ter acesso. Existe, mas não podemos ter acesso nem pode ser publicada, nem pode ser comentada. Mas na prática, com as provas que temos, o povo português, comparado com outras nacionalidades europeias em França, não vota menos.

Mesmo assim, os Europeus não podem ser Maires nem Maires-Adjoints em França…

Efetivamente, em França, os Portugueses mononacionais têm direito de voto, podem ser eleitos, mas não podem entrar na equipa executiva. Não podem ser Maires nem Maires-Adjoints, a não ser que tenham a nacionalidade francesa ou seja a dupla nacionalidade, como é o meu caso. Isso é uma incoerência, é um desgaste. Porque existem aqui muitos talentos mononacionais, da primeira geração ou até de uma emigração mais recente, que aprendeu o francês muito mais rapidamente do que aconteceu com a primeira emigração, e com muita capacidade de servir o país. É uma incoerência. Quem defende a paz e a construção da União Europeia de direitos suplementares para cada cidadão deste continente, claro que um português a residir há mais de 5 anos em França – porque é o critério que está a ser debatido – devia ser possível, mas ainda há travões.

Como interpreta isso?

É contraditório. Existe um grande respeito pela imigração portuguesa, pelo contributo dos portugueses, mas depois, de forma muito contraditória, também não querem que se suba muito…

E se falássemos da participação das mulheres na política?

A conquista da capacidade política pelas mulheres nunca foi evidente, e não foi só travada apenas pelos homens. São séculos de uma história, que atribuiu muitas qualidades às mulheres, mas nas chefias, na vida política, nas empresas, ainda hoje há alguns restos da história dos séculos atrás. E eu tenho de lembrar, mais uma vez, a geração dos meus pais, em que as próprias mulheres também não quiseram ficar em casa, foram trabalhar. Uma esmagadora maioria das portuguesas foram fazer limpeza ou tudo o que pudessem encontrar, mas queriam participar na edificação do lar. Tinham agendas de trabalho repletas… Efetivamente, eu também cresci com estas mulheres que trabalhavam. A vida de uma mulher não pode ser em casa.

A Lei da paridade levou muitas mulheres ao poder. Sentiu isso quando foi eleita Maire-Adjointe de Metz?

Claro que levou. Mas nem sempre é evidente. Quando eu fui Maire-Adjointe de Metz, o Maire fazia ume reunião política bastante fechada, onde estavam só homens, desde os autarcas, ao Chefe de Gabinete, ao Chefe de Gabinete Adjunto, aos Diretores de alguns serviços… e à segunda-feira à tarde, reunia com todos os Maires-Adjoints, com um número equilibrado de homens e mulheres, só que as principais decisões já tinham sido tomadas. Ou seja, a Lei da paridade era necessária, nunca defendi as cotas de forma muito vigorosa, mas acho que foi um progresso.

Apesar de tudo isto que descreveu, a Nathalie de Oliveira tem esta particularidade de militar ao mesmo tempo no PS português e no PS francês. Foi fácil alcançar o poder e chegar onde chegou?

No partido socialista francês – e finalmente no português também – costuma-se dizer que é uma escola de dor e de esperança. É claro que eu já tinha uma larga experiência com os meus pais, no movimento associativo, eu já tinha essa matriz de solidariedade, de convívio, mas sempre se dizia que a política e os partidos não eram para nós, não era o nosso país, não devemos dar muito nas vistas…

Mas isso não a desmotivou…

Não. Quando chegou a Ségolène Royal, foi um apelo, os debates com o Nicolas Sarkozy, a representar uma linha mais dura… Naquela altura surgiram várias ideias que acabaram por dar os seus frutos, da democracia participativa, de uma cogestão mais horizontal do poder,… Eu já tinha pensado no PS várias vezes, diziam que era o partido da classe operária, o partido da conquista da igualdade, o partido do François Mitterrand…

Como foi feita essa adesão?

Inscrevi-me pela internet, comecei a aparecer em reuniões… o caminho foi longo, foi duríssimo, foi violento, não digo que foi bárbaro, mas na consciência que eu tinha, e nos ideais que eram os meus, achei que entrei de forma muito ingénua. É claro que eu sabia o que eram lutas políticas, o que era o narcisismo, claro que sabia o que era impôr-se com caracter e para defender aquilo em que nós acreditamos… Mas nunca pensei que fosse assim tão… Foi o que os “meus” me disseram, enquanto angariava militantes, enquanto distribuía folhetos, enquanto fazia o trabalho muito duro, adoraram-me, mas no dia em que comecei a ter muita gente à minha volta, que começaram a aderir, isto começava a ser muito “incontrolável”, incontrolável, imaginem… Aí comecei a sentir… até me faltam as palavras… comecei a sentir rejeição. Foi mais de uma década para ser evidente que eu devia ser candidata às legislativas de 2017.

Entretanto já era Maire-Adjointe de Metz…

Em 2007, pela primeira vez na história da cidade depois de 200 anos, a Esquerda ganhou e eu assumi uma vereação, de forma muito simbólica, na Mairie. Ainda estou muito comovida ao pensar nisto, foi uma emoção enorme, porque aquilo ‘não era para nós’.

Foi o alcançar de um objetivo, não?

Sim, mas foi um percurso muito difícil. Levei pancada psicológica, claro que nunca senti receio de ser ameaçada de forma física, mas não sei se foi tanto por ser portuguesa, por ser filha de imigrantes ou mais por ser mulher. Eles achavam que não era o meu destino, que não era o meu lugar. E eu sempre disse – e isso sempre foi uma constante na minha vida – era o meu lugar.

E agora, em Portugal, como compara os dois países?

Se falarmos de misoginia, eu acho que em França a sociedade é muito mais conservadora e patriarcal do que em Portugal. Eu acho que em Portugal, apesar do que se pensa fora, é um país mais matriarcal.

Mas em relação à sua candidatura nas Legislativas portuguesas foi mais fácil?

A situação não foi bem igual, nem com o mesmo grau de violência. Mas quando chegou a altura de muita gente da rede associativa e até simples cidadãos começarem a sugerir que eu fosse cabeça-de-lista, aí o partido ficou muito mais frio. O António Costa acabou por delegar no Secretário Geral Adjunto daquela altura, o José Luís Carneiro, de decidir quem seria o cabeça-de-lista e, naquela altura, apesar da onda dinâmica que vinha da base, ficou decidido que permanecia como candidato o histórico Paulo Pisco. Afinal a história foi mais bela, tive que fazer campanha de outra forma…

De que forma?

Num almoço de Natal, o meu pai disse-me, se queres ser eleita, vai procurar a tua geração e a seguinte, é melhor teres alguma atividade nas redes sociais. Tivemos pouco tempo, mas não faltaram pessoas que nos ajudaram, que nos ajudam há 20 anos. Lá foram para o TikTok, para o Instagram e aquele vídeo de um minuto acho que foi essencial. Quero aproveitar para agradecer à comunicação social, e em particular ao LusoJornal, por divulgar a informação, por explicar as modalidades de voto, assim chegou mais facilmente aos lares de quem tinha que votar. Não se pode dizer que os Portugueses não votam. Temos de dizer que a informação do direito de voto e como se vota, ainda não chegou aos eleitores.

Está otimista para o futuro?

Há momentos em que se leva décadas a defender direitos, mas depois acabam por chegar. O sentido de uma vida é ir além das nossas próprias capacidades e quem decidiu servir a causa pública, é também levar o país ao máximo das suas capacidades e dos seus talentos. E é nisto no qual estou competida. Quando me dizem, porquê a política se há tantas coisas que podias fazer e estar em paz… Porque é a vida, e quem gosta da vida de forma muito profunda só pode servi-la. Não foi sem violência, não foi sem dúvidas, não foi sem pausas (mesmo se curtas), mas é uma vocação, mais nada. É uma vocação.