Nuno Gomes Garcia conversa com Cristina Torrão: «Dona Teresa sentiu-se limitada por ser mulher»

«Memórias de Dona Teresa» é o novíssimo romance histórico de Cristina Torrão, um regresso às origens, tanto às de Portugal como às da carreira literária da escritora.

Cristina Torrão lançou-se na literatura em 2007 quando venceu o Concurso Literário «O meu 1º Best-Seller» com uma obra sobre a conquista de Lisboa de 1147, «A Moura e o Cruzado», romance mais tarde reeditado com o título «A Cruz de Esmeraldas».

Logo no ano seguinte, publicou outro romance sobre o primeiro rei de Portugal intitulado «Afonso Henriques – o Homem» e, em 2010, lançou «D. Dinis – A quem chamaram o lavrador». Em 2014, publicou um outro romance passado no século XII – «Os segredos de Jacinta».

Em 2016, fez uma pausa nas suas andanças medievais com «Tu és a única pessoa», um romance que retrata o período do 25 de Abril.

Neste «Memórias de Dona Teresa», Cristina Torrão explora as últimas semanas de vida da mãe de D. Afonso Henriques, passadas no mosteiro galego de Montederramo, marcadas pela angústia que lhe provoca a morte iminente. Dona Teresa revisita toda a sua vida, numa ânsia de preservar o que inevitavelmente lhe escapa. Sendo uma mulher resoluta e fiel a si própria, ela insiste na justeza de todos os seus atos, mesmo os mais polémicos.

 

Cristina, este teu livro parte de uma premissa quase provocadora, mas que não é de todo descabida. E essa premissa é a seguinte: «Terá sido Portugal fundado por uma mulher?» Isto faz uma grande confusão.

Sim, isto faz uma grande confusão. O D. Afonso Henriques é um símbolo da nossa nacionalidade. É o fundador e há quase mil anos que se pensa assim. Eu, na verdade, não lhe quero tirar esse estatuto. Ele foi o primeiro rei de Portugal e o primeiro a pensar Portugal como um reino. Ora, dito isto, eu vim a descobrir que Dona Teresa contribuiu muito para as ações do seu filho. Ela foi a primeira a tentar dividir a herança do pai, o imperador Afonso VI, com a meia-irmã Urraca. A Urraca era filha legítima e Teresa era ilegítima. Mesmo assim, ela achava que tinha também direito e queria ser rainha da Galiza, anexando-lhe o Condado Portucalense. Ela chegou mesmo a intitular-se de rainha depois de ficar viúva. E como ela teve uma vida algo polémica, mesmo do ponto de vista intimo…

 

Sim, andava lá envolvida com um Nobre galego.

Exatamente. Mas essa ligação aos galegos já fazia parte da sua estratégia de se tornar rainha da Galiza, que, antes, já tinha sido um reino. Ao contrário do Condado Portucalense que era governado por um Conde.

 

Um desses condes portucalenses, D. Henrique de Borgonha, o marido de Dona Teresa e o pai de D. Afonso Henriques, era francês.

Sim, o pai de Dona Teresa tinha muitos interesses na Borgonha. Mas nessa altura, a França não era bem o que nós conhecemos hoje.

 

Sim, claro, temos de ter em mente que o mapa geopolítico da Europa do século XII, durante o feudalismo, não tinha nada a ver com o do nosso tempo.

Claro, existiam até Duques ou Condes franceses que tinham mais poder do que o próprio Rei de França. Situação que mais tarde se modificou.

 

Mas voltando à Dona Teresa…

Por certas opções da sua vida, a História acabou por ser muito severa para com ela. A sua ação foi anulada pelo facto de ela ser mulher, de ter levado, apesar de todos os exageros historiográficos, uma vida um bocadinho polémica. Mas tentaram realmente apagar a figura dela. A verdade, é que ela teve um papel muito importante na fundação de Portugal.

 

Bem, de facto, quando, na escola, estudamos a fundação de Portugal, saímos todos convencidos de que Dona Teresa foi a vilã da História, que fez a guerra ao próprio filho, o D. Afonso Henriques, de maneira a travar a sua luta pela independência de Portugal. A teu ver, então essa abordagem já não faz sentido?

Ora bem, eu acho que está um bocadinho mal interpretada. Temos de ter em conta que a mentalidade medieval é muito diferente da nossa, mas eu acho que ela se sentiu limitada por ser mulher. Quando ela ficou viúva o filho, o D. Afonso Henriques, era ainda muito pequeno, teria entre 3 e 6 anos, pois não sabemos ao certo quando é que ele nasceu. E os barões portucalenses, a nobreza de Entre-Douro-e-Minho, aceitaram-na porque não tinham outra hipótese. A ideia deles foi sempre a de assim que o filho atingisse a maioridade, que por essa altura era aos 14 ou 15 anos, a Dona Teresa se afastasse e ele ocupasse o seu lugar. Ora, ela não se conformou com esse destino. Enquanto o filho era pequeno e ela governou o reino, fazendo um bom trabalho, aceitaram-na muito bem… Mas depois, com a ligação à família galega e com o filho mais crescido, ela não permitiu que a pusessem de lado. Foi esse o grande drama da sua vida. Ela insistiu na sua posição e as coisas tomaram proporções drásticas, a guerra entre ela e o filho.

 

Cristina, além dos romances que escreves, que retratam os séculos XII e XIII, sempre focados na génese da nação portuguesa, tu também geres um blogue, o «Andanças Medievais», onde, por exemplo, sugeres livros que tratem a Idade Média. De onde vem esse teu fascínio?

Nem te sei explicar bem. Na altura em que acabei o Liceu, interessava-me muito por línguas e enveredei por Línguas e Literaturas. A História… quando andamos no Liceu, achamos a História aborrecida. Mas não, a História é uma coisa fabulosa, eu tenho muita pena de não a ter descoberto antes. Houve uma altura em que ganhei uma fascinação pela Idade Média. Um fascínio que vinha, vou ser sincera, de filmes um bocado estilizados e que não eram muito fiéis… mas que me ajudaram a aguçar a curiosidade. Depois, comecei a ler romances históricos… E cheguei à conclusão que queria saber mais sobre esta época.

 

Bem, Cristina, chegamos ao fim. Para terminarmos, sugere-nos um romance português que aborde a Idade Média.

Temos o José Saramago que também escreveu romances históricos. Um sobre o cerco de Lisboa, por exemplo. Também gostei do teu romance, «O Dia Em Que o Sol Se Apagou»…

 

O meu livro retrata uma época um pouco posterior e não é bem um romance histórico…

Sim, o teu livro contém muita fantasia.

 

Mas sugere-nos um romance que seja mais parecido com os teus, mais fidedignos à História tal qual ela se passou…

Assim de repente, vem-me à memória o Eça de Queirós e a «Ilustre Casa de Ramirez».

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próximo convidado: Nuno Nepomuceno, autor do romance «Pecados Santos»

Quarta-feira, 13 de junho, 8h30

Domingo, 16 de junho, 14h25