Nuno Gomes Garcia conversa com Rita Baleiro: “O turismo literário tem um potencial enorme”

“Literatura e turismo literário: Memórias e Diáspora” é uma coletânea organizada por Rita Baleiro, professora na Universidade do Algarve, e composta por dez trabalhos de investigadores portugueses, brasileiros, espanhóis e franceses que abordam o Turismo Literário, uma realidade que tem ganhado muitos praticantes nos últimos anos, embora se esteja ainda numa fase sem dados estatísticos precisos. É deste mundo de “turismo massificado de pronto-a-servir”, como diz Rita Baleiro, do género viagem de cruzeiro, um tipo de turismo que impossibilita aos turistas o mergulhar pleno numa cultura diferente da sua, que nasce a necessidade deste turismo cultural, um produto turístico capaz de proporcionar novas experiências ao viajante, experiências mais próximas da verdade cultural de um dado território. É então graças aos escritores e aos seus textos literários, elementos fulcrais deste novo tipo de turismo cultural, que os viajantes, cansados da “McDonaldização” das suas experiências turísticas, têm a oportunidade de contextualizar as realidades histórico-culturais e geográficas que visitam.

Este livro é, portanto, uma espécie de estado da arte do turismo literário, uma ponderação sobre a sua atual situação, que leva o leitor, por exemplo, a aventurar-se com o Abade Faria, português nascido em Goa, professor de Filosofia e pioneiro do estudo do hipnotismo, que se tornou imortal ao servir de inspiração para o célebre personagem Abade Faria do romance de Alexandre Dumas, “O Conde de Monte Cristo”, ou a analisar as derivas pós-coloniais na literatura de viagens ou, ainda, a viajar por diversos lugares graças às obras de Camilo Castelo Branco, Branquinho da Fonseca, José Saramago ou Jorge Amado.

 

Rita, esta área que associa turismo e literatura é relativamente recente?

É, sim, é recente. Os primeiros estudos mais profundos apareceram em finais do século XX e, agora, já no princípio do século XXI, é que houve um aumento considerável desta área, que é interdisciplinar, o que tem sempre os seus desafios particulares. É, por um lado, muito motivante e, por outro, às vezes, assusta porque estamos a juntar uma área fundamentalmente económica, o turismo, com a literatura, essa arte tão sensível que trata os sentimentos, a alma humana. Por isso é preciso tratá-la com pinças, é preciso ter cuidado. E é precisamente por ser recente, e isso vai ao encontro do que o Nuno disse na introdução desta conversa, que ainda há poucos estudos que tragam dados concretos sobre o tipo de turista literário, quem são estas pessoas. São raríssimas as pessoas, é essa a perspetiva que eu tenho, que viajam apenas para consumir um produto de turismo literário. Ou seja, é frequente encontrar alguém que viaja, por exemplo, até Lisboa e durante a sua estadia, por acaso, vai visitar a casa do Fernando Pessoa quando percebe que ela existe, esse é um produto de turismo literário. Isto para dizer que há ainda muito para estudar sobre o perfil deste tipo de turista porque até agora nós temos apenas um conhecimento que se baseia nas perceções e é necessário aprofundá-lo mais, ter mais dados, mais entrevistas, mais estudos quantitativos para desenhar o perfil deste turista.

 

E no terreno, qual o seu nível de desenvolvimento em Portugal e, já agora, em França? Existem por exemplo empresas que se dedicam a este nicho de negócio?

Em Portugal existem, pelo menos, duas agências de viagens às quais nos podemos dirigir dizendo que estamos interessados de fazer uma viagem de turismo literário e elas organizam. Creio que, inclusivamente, os guias destas viagens literárias são escritores. Se não estou enganada, o José Luís Peixoto servia de guia turístico de uma dessas viagens, salvo erro à Transilvânia e ao castelo do Drácula.

 

Assim de repente, eu lembro-me de viagens organizadas com base no romance “O último cabalista de Lisboa”, da autoria de Richard Zimler, em que se fazem uns percursos pela Lisboa judaica daqueles inícios do século XVI. Este caso enquadra-se no turismo literário?

Enquadra-se de certeza. Turismo literário, já agora passemos à definição, consiste em todas as formas de viagem, passeio ou lazer durante os quais se visitem lugares associados à literatura. No caso dessa visita de que me fala, alguém pegou nesse livro, talvez o próprio escritor, e fez uma espécie de mapeamento. Há um enredo que decorre sempre num espaço, daí deriva essa possibilidade de entender a literatura como um mapeamento e oferece descrições de lugares, mesmo sendo ficcionais, porque a partir do momento em que estão no texto literário têm uma aura de ficcionalidade, mas caso eles tenham uma referência real podemos organizar uma visita a esses lugares. Há muitos passeios em Lisboa. Passeios pessoanos, queirosianos… Os passeios literários são os produtos turísticos mais frequentes, tal como as visitas às casas dos autores. Em França visitar a casa do Victor Hugo, em Inglaterra visitar a casa do Charles Dickens…

 

Passo muitas vezes perto do Château de Monte-Cristo onde vivia o Dumas…

No romance “O Conde de Monte-Cristo” há até uma personagem, como o Nuno já referiu antes, o Abade Faria, que é tema de um dos ensaios deste livro “Literatura e Turismo Literário. Por exemplo, temos a casa do Sherlock Holmes, que é uma personagem, nem sequer um autor evidentemente, é um ser irreal, e o turismo literário em Londres aproveita.

 

Eu até já a visitei…

Já a visitou (risos), está a ver! E então o visitante entra naquele espaço e faz ali um jogo de imaginação que na minha opinião é muito engraçado. Porque estamos num espaço que é a coisa mais concreta que nós temos, temos fisicalidade, e estamos ali a associá-lo a uma personagem que foi criada na cabeça de um escritor. Quase que decidimos entrar naquele universo.

 

Ou seja, esse mapeamento de que fala não precisa de ter base real…

Não, muitas vezes não tem. No caso do romance do Richard Zimler de que falou, será real e corresponde ao estudo histórico que está na base do romance, mas há outros lugares que são completamente fantasiosos. Olhe, por exemplo, visitar o Parque Popeye, ou o Parque da Pipi das Meias Altas. Esses são parques literários onde há diversões para crianças e adultos.

 

O Parque Astérix que fica aqui perto…

Sim, o Parque Astérix também. São todos referentes literários que o ser humano.

 

A Disneyland também é um parque literário?

Também, se considerarmos a Disney literatura. Não sei se podemos ir tão longe. São textos, não sei se são textos literários.

 

No livro há um texto que refere o caso do festival literário de Óbidos. Visitar o festival pode ser considerado turismo literário?

Sim, claro. Pode e deve. É uma forma de turismo literário. Em Óbidos existe um hotel literário, o único do país, o “The Literary Man”, é um misto entre hotel e biblioteca, lindíssima, e quem ficar lá, ou for apenas visitá-lo, ver a arquitetura, por exemplo, está a fazer turismo literário. O turismo literário tem um potencial enorme e a indústria do turismo começa a ficar atenta.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próxima convidada: Adriana Brandão, autora de “Les Brésiliens à Paris, au fil des siècles et des arrondissements”

Quarta-feira, 11 de novembro, 9h30

Domingo, 15 de novembro, 14h25

 

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