“Le Brésil et ses élites”, de Jessé Souza – Um ensaio iconoclasta

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Ser considerado iconoclasta nos tempos que correm é um elogio perigoso, principalmente quando a temática tratada é a responsabilidade das elites brasileiras no estado caótico em que se encontra aquele imenso país-continente. O sociólogo brasileiro Jessé Souza (Natal, 1960) tornou-se, nos últimos anos, uma das principais vozes de resistência intelectual contra o anterior Presidente de extrema-direita.

“Le Brésil et ses élites: l’esclavage en héritage”, traduzido por Jean-Luc Pelletier e publicado pela L’Harmattan há uns dias, é um ensaio no qual o autor advoga que a causa do atraso brasileiro vai além da simples corrupção política, velha explicação monocausal incapaz de abarcar a complexidade da estrutura. Jessé Souza aponta como culpada desse atraso a ação da pequena elite que, no Brasil, detém um poder absoluto que se enraíza na ética escravocrata da era colonial. Uma ética racista que ainda estrutura a sociedade brasileira dos nossos dias, tendo-se tornado simplesmente mais sofisticada.

Publicado no Brasil como “A elite do atraso”, este ensaio começa por desafiar “Raízes do Brasil”, publicado por Sérgio Buarque de Holanda em 1936. Obra que é, ainda hoje, uma das grandes referências da análise histórica das origens do Brasil. Uma outra obra dos anos 1930, “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, é também utilizada por muitos, nomeadamente em Portugal, como prova de um mítico “excecionalismo colonial português”, que, ao contrário dos outros povos colonizadores, seria uma potência mais humana, tolerante e promotora de uma certa mestiçagem.

Essa teoria de Freyre, o “Lusotropicalismo”, que foi utilizada até à exaustão pelo poder salazarista para explicar a justeza da guerra colonial, encontra-se hoje, graças aos avanços da historiografia, totalmente desacreditada e serve apenas os discursos nacionalistas e racistas de ambos os lados do Atlântico. Em relação a “Raízes do Brasil”, Jessé Souza considera que a “enorme influência deste livro no pensamento das pessoas faz de nós idiotas”. Sérgio Buarque de Holanda aponta as diferenças entre os vários de tipos de colonização europeia das Américas, tirando da cartola que o sucesso de colonização do Brasil se deveu à adaptabilidade dos portugueses aos povos do hemisfério sul e à ausência de mulheres europeias nos primeiros tempos de colonização, o que levou a uma miscigenação imparável (e forçada), primeiro com as mulheres ameríndias e, depois, com as mulheres africanas escravizadas.

Jessé Souza, que é professor da Universidade ABC em São Paulo e estudou na Alemanha e nos EUA, analisa, em simultâneo, as especificidades do sistema de dominação das classes herdeiras da ética colonialista e racista e a evolução das desigualdades no Brasil, chegando à conclusão que a política social de Lula da Silva e Dilma Rousseff entre 2003 e 2016 desafiou o status quo. Perante essa pequena revolução em que a prioridade passou a ser as condições de vida dos mais pobres e não os interesses de classe da elite, esta última sentiu que o poder lhe poderia escapar. O autor, grande critico da “Operação Lava Jato” que conduziu à prisão de Lula da Silva, considera que a elite armou uma cilada jurídico-política que terminou com a eleição, em 2018. para o Palácio do Planalto do populista de extrema-direita Jair Bolsonaro, homem de mão de uma desesperada elite que lá conseguiu repôr o status quo anterior a 2003.

A eleição de Lula da Silva para a Presidência da República em outubro de 2022, com uma vantagem muito pequena nas votações, confirma que a luta pela “verdade histórica” sobre as raízes do Brasil continua bem viva. “Le Brésil et ses élites”, de Jessé Souza, é um tijolo mais nesse complexo edifício.

 

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