Opinião: O que liga o 25 de Abril a Fernão de Magalhães (ou vice-versa)?

Esta semana, falemos do Tempo. Do Tempo que passou ou do que se passou no Tempo. E veremos como esse Tempo histórico é uma medida incerta onde passado, presente e futuro se recombinam, se sobrepõem sem uma ordem exata ou necessária. Falemos de duas datas que trazem e têm em si muitas outras datas.

Comemoramos o 25 de Abril de 1974 que passou de Golpe militar a Revolução política e social e acabou em normalização democrática e parlamentar, percebendo a data como fim simbólico de um Império que agonizava, louvando a integração dos colonos regressados, continuando solidários com as questões que se colocam aos países tornados independentes e discutindo os êxitos e os erros do processo de integração do país numa Europa que agora a si mesma se questiona.

Mas dia 25, às 15 horas de Portugal continental (16 horas de França), se estivermos à janela (como o fazemos todas as noites para aplaudir os que nos hospitais franceses lutam contra a pandemia), mesmo estando sozinhos num prédio e numa rua onde poucos saberão porque cantamos, estaremos orgulhosamente juntos a cantar a Grândola, ligando os fios do passado de resistência (que a canção de Zeca Afonso evoca), à alegria do fim da ditadura, às lutas presentes contra todos os novos tipos de autoritarismo que nos ameaçam, ao desejo de um futuro que continue livre.

Dia 27 assinalamos (não sei se faz sentido falar em comemoração) a morte de Fernão de Magalhães, caído em combate numa ilha obscura do arquipélago das Filipinas. Só a menção do seu nome e história de vida levanta um oceano pouco pacífico de questões.

O centenário da viagem de circum-navegação agitou, no presente (devemos sublinhar a palavra, presente), as águas das relações entre Portugal e Espanha (e do mundo erudito) quer no domínio da metodologia histórica e científica, quer da vida política e diplomática. Como se o Tratado de Tordesilhas (que dividia o mundo entre Portugal e Espanha) estivesse ainda em vigor, como se Magalhães acabasse de oferecer os seus serviços mercenários e saberes práticos aos reis de Espanha (de modo a encontrar um caminho alternativo ao acesso às especiarias que os portugueses dominavam) e, como se pudéssemos continuar a olhar a história como propriedade ocidental e nos importasse pouco saber se, a povos tão desenvolvidos como eram os daquela parte da Ásia, a chegada de uma armada desfalcada de navios, com uma tripulação esgotada e mal equipada, terá causado alguma especial emoção.

Sob e sobre o tema em questão levantam-se interrogações relativas ao papel de Portugal na História do Mundo, seu envolvimento nas várias globalizações – as do tempo e as que viemos agora. É assim que passamos naturalmente pelo tema do 25 de Abril e podemos de novo perguntar o que queremos fazer no presente e no futuro com todas as complexas heranças recebidas – porque, o que recebemos do passado, é algo que vivemos no presente e que projetamos no futuro.

Boas escolhas culturais e até para a semana.

 

Esta crónica é difundida todas as semanas, à segunda-feira, na rádio Alfa, com difusão antes das 7h00, 9h00, 11h00, 15h00, 17h00 e 19h00.

 

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