LusoJornal | Carlos Pereira

Presidente da Cruz Vermelha francesa: Philippe da Costa diz que cada vez há mais crises no mundo e muitas são invisíveis

O Presidente da Cruz Vermelha francesa, Philippe da Costa, participou ontem ao fim da tarde numa “Conversa” no Consulado-Geral de Portugal em Paris, moderada por Manuel Antunes da Cunha, onde falou do seu percurso desde a aldeia de Cortes do Meio, no concelho da Covilhã, onde nasceu, até Poligny, no Jura, para onde a família se mudou em 1963. Mas falou também do livro “Nous sommes nés pour agir” que publicou recentemente e onde diz que cada vez há mais crises no mundo, que se repetem cada vez mais, “mas o mais preocupante são as crises invisíveis”.

O cenário mudou. Os salões Eça de Queirós deixaram de ter uma mesa central e foram colocadas duas poltronas. A Cônsul-Geral de Portugal em Paris fez o habitual discurso de boas-vindas e salientou que na sala estavam diplomatas de outros países. Também havia muitos jovens, alguns eram estudantes em ciências políticas na Universidade de Paris Nanterre.

Philippe da Costa começou por agradecer o acolhimento em língua portuguesa, que fala sem qualquer problema, mas depressa transitou para o francês, para que o debate fosse compreendido por todos.

.

Da Covilhã até Poligny

Respondendo às perguntas do Professor da Universidade Católica Portuguesa Manuel Antunes da Cunha, mas também do público, Philippe da Costa começou por evocar as origens modestas dos pais – o pai, Luís, era pedreiro e a mãe, Isilda, era empregada de limpeza -, disse que se lembrava da viagem de comboio desde a Covilhã até Poligny. “Éramos a única família portuguesa nesta terra”.

“É um exemplo de imigração e de integração”, sublinhou Manuel Antunes da Cunha.

Ora, é com base nestas raízes portuguesas e sobretudo na importância do amor, que Philippe da Costa encontra a justificação da sua implicação. “A implicação associativa é um trabalho sobre si próprio, aumenta a nossa estima pessoal, mas hoje há menos implicação e por isso haverá menos autoestima e menos confiança” explicou o Presidente da Cruz Vermelha Francesa, para onde entrou com apenas 17 anos enquanto socorrista.

.

Cada vez há mais crises no mundo

Membro do Conseil économique, social et environnemental (CESE) há 20 anos, Philippe da Costa diz que vivemos num mundo “de rutura e de mudança”, cada vez com mais crises, como a crise climática, a crise económica, a crise humanitária, a crise jurídica… “e todas estas crises estão interligadas” disse, explicando que uma pandemia vinda da China, alastra a todo o mundo, uma guerra na Ucrânia provoca inflação e uma crise económica… “Estamos a assistir a uma aceleração das crises”.

Mas considera que as “crises invisíveis” são “mais graves ainda”, referindo-se à epidemia da solidão, aos ataques cibernéticos, à destabilização geopolítica…

“Temos de desenvolver a cultura da antecipação, temos de preparar as populações para os riscos, preparar para os riscos sísmicos em Nice ou para os riscos dos incêndios em Portugal” assumiu.

.

Hospitalizado com Covid

Manuel Antunes da Cunha interrogou-o sobre a pandemia de Covid. Philippe da Costa foi um dos primeiros a ser hospitalizado em França. “Estive 5 semanas hospitalizado e posso dizer que passei ao lado da morte. Lembro que morreram mais de 15.000 pessoas em França. Eu tive a sorte de não ter ficado com consequências” explicou. “A força da mente é importante e eu agarrava-me às coisas boas, temos de estar conscientes que a nossa capacidade de reação em França foi boa”.

Interrogado por um jovem da sala sobre o impacto das políticas de Donald Trump na ajuda humanitária internacional, Philippe da Costa lembrou que 22% do financiamento da Cruz Vermelha internacional vinha dos Estados Unidos e 44% da ajuda humanitária no mundo em 2024 era norte-americana. “As consequências humanitárias destes cortes são terríveis” confirmou, mas lembrou que a França também diminuiu a ajuda humanitária de 2 mil milhões de euros. “Não atiremos todas as pedras contra os Estados Unidos, olhamos também para o que se passa em França”.

Mas Philippe da Costa destacou a “incrível” participação da sociedade e de muitas empresas, que ajudam a financiar os projetos da Cruz Vermelha francesa.

Há frente de uma instituição com cerca de 20 mil colaboradores assalariados, Philippe da Costa destacou também fortemente a adesão de jovens voluntários. “Temos mais jovens voluntários do que voluntários seniores” garantiu.

“O maior desafio em França é o da educação. E quando digo educação, não me refiro apenas à escola” concluiu Philippe da Costa.

Manuel Antunes da Cunha considerou que “este diálogo foi muito inspirador”, a Cônsul-Geral Mónica Lisboa agradeceu a presença de todos e estava visivelmente emocionada com a qualidade do evento. Já Philippe da Costa deixou no ar a sugestão de voltar a repetir a conversa… mas em língua portuguesa!