Quatro Presépios do Português Raphaël Poirier em Mulhouse

O Presépio de Raphaël Poirier esteve mais uma vez patente ao público na cidade de Landser, nos arredores de Mulhouse. Mas este ano, este Português que chegou a França nos anos 60, decidiu criar quatro Presépios em vez de um. Os dois primeiros estiveram patentes ao público na Igreja de Saint François d’Assise de Mulhouse. O terceiro começou por ser exposto em Landser e depois juntou-se aos dois primeiros. E o quarto vai ser exposto na Igreja de Schlierbach no próximo domingo, dia 6 de janeiro.

Raphaël Poirier já deve ter fabricado mais de 50 Presépios, integrados num evento que se realiza em Landser, chamado “Noël autrement”.

Explicou ao LusoJornal que “no meu tempo, em Portugal, em Macedo de Cavaleiros, nós não tínhamos Pinheiros de Natal, mas tínhamos um Presépio”. E é nos Presépios da sua infância que se inspira. “Não tenho um dom espetacular das mãos, mas digamos que tenho mãos habilidosas e consigo fazer coisas bem feitas, pequeninas, tenho muita paciência”. Por isso os Presépios de Raphaël Poirier têm movimentos, quedas de água, muitos figurinos e réplicas de casas, caminhos, pontes e monumentos.

Tudo serve a Raphaël Poirier para fazer os seus Presépios, sobretudo material reciclado, ao qual dá vida nova. Quando chegou a França foi para Epinal e depois trabalhou muitos anos na fábrica da Peugeot em Mulhouse. “A fábrica chegou a ter cerca de 16 mil trabalhadores e mais de 4 mil eram Portugueses. Numa altura, os Portugueses que aqui chegassem eram logo empregados, porque trabalhavam bem e sem se colocarem muitas perguntas” explica. Hoje está aposentado, e por isso, dedica vários meses do ano ao fabrico dos seus Presépios. “Faço-o a pensar nos outros. Fico maravilhado com o olhar das pessoas” confessa.

Mas os Presépios de Raphaël Poirier têm um significado ainda maior. São um elo de ligação com um Portugal que deixou e que… praticamente nunca mais recuperou.

 

Uma surpreendente história de vida.

A história de Raphaël Poirier merece ser contada. Ele próprio já a contou milhares de vezes. Nos anos 60 era militar escriturário no Quartel militar de Chaves. Era jovem e costumava sair à noite para… namorar. “Um dia, com um amigo, vimos que estava uma mota estacionada à entrada do quartel, que pertencia a um sargento. Nessa altura os sargentos não tinham direito a entrar no quartel com as motorizadas porque apenas os veículos dos oficiais podiam entrar. Pegámos na motoreta e decidimos ir dar uma volta” conta ao LusoJornal. “Por volta da meia noite, falhámos um stop e fomos contra um carro. Naquela altura não havia muitos carros, sobretudo a circularem à meia noite. Mas naquele dia passou um e tivemos um acidente que teve uma testemunha. Com o barulho, um sargento veio à janela e reconheceu-nos”.

O futuro do soldado Pereira – na altura chama-se assim – mudou completamente. Se regressasse ao quartel seria punido e certamente seria enviado para a guerra colonial. “Eu tinha 23 anos, se fosse para o Ultramar era por mais três anos, se tivesse a sorte de regressar – a maior parte deles, felizmente, voltavam – qual seria o meu futuro quando chegasse a Portugal? Apesar de todos os trabalhos por onde já tinha passado, nenhum deles me permitia viver”.

Foi buscar a namorada, convenceu-a a acompanhá-lo e poucas horas depois estavam em Espanha. “Ele disse-me para eu vir com ele para França, que me pagava a viagem, e cada um ficava pelo seu lado, mas… aconteceu o que havia de acontecer” riu a esposa. Maria Júlia da Silva – agora Marivonne Poirier – engravidou e teve de ser hospitalizada durante algumas semanas. “Quando me disseram que já podia sair, comecei a chorar, porque não tinha nada para vestir ao bebé. Era a minha sogra que estava a fazer o enxoval, mas a criança chegou com 7 meses” explicou ao LusoJornal. Foi uma voluntária da Cruz Vermelha que veio ao socorro para vestir o bebé e dar apoio ao jovem casal. Casou-os, batizou-lhes o filho e encontrou trabalho para o marido.

Seguiram-se mais duas crianças, mas algo faltava ao casal. “Eu gostava tanto de ir mostrar os meus filhos aos avôs, mas não podia ir a Portugal. Se fosse, ia logo preso por ter desertado” diz Raphaël Poirier.

Até que um advogado, amigo da família, encontrou a solução: iam mudar de nome e pedir a nacionalidade francesa. Os Pereira passaram a chamar-se Poirier… para poderem ir a Portugal sem serem incomodados e para poderem mostrar os filhos à família que tinha ficado em Macedo de Cavaleiros.

Tudo correu como previsto. Mas, alguns dias depois de terem recebido os documentos com a nova nacionalidade francesa, teve lugar em Portugal a Revolução de Abril. Quer isto dizer que, por poucos dias, não necessitavam de ter mudado de nome, de identidade, e de nacionalidade. Mas já estava feito!

 

Uma eterna procura de identidade

Raphaël Poirier vive mal esta mudança de nacionalidade e de nome. “Tinha de o fazer, era a única solução que tinha pela frente” confessa ao LusoJornal. Fê-lo por amor a Portugal. “Deixar um país, uma família, os amigos, o trabalho, a juventude, assim em poucos minutos é muito difícil”. Cinquenta anos depois ainda lhe custa. “Hoje sou francês, mas não sou bem francês, mas também já não sou bem português. A bem dizer, já não sei de que terra sou. Há alturas em que é extremamente difícil de procurar uma identidade, por vezes não sei qual é a minha identidade” afirma resignado.

“Nunca tivemos casa em Portugal, nem nada, porque sabíamos que não podíamos voltar mais ao país. Sabíamos que estávamos condenados a este exílio” conta Raphaël Poirier. “Esta solução era, para nós, naquela altura, uma forma de, pelo menos, restabelecer contacto com a nossa família”.

Hoje, Raphaël Poirier pode regressar a Portugal, sem qualquer problema, mas continua em França… porque é aqui que vivem os filhos e os netos. Dedica-se à filatelia – tem milhares de selos – mas também se dedica à realização anual dos Presépios que, inconscientemente, o transportam para Portugal.

Teve uma experiência política de um mandato, enquanto Maire-Adjoint de Landser, mas não repetiu. “Não passou de uma experiência” confessa desanimado. Também esteve bastante ligado ao movimento associativo e federativo português da região. Chegou mesmo a aprender a tocar cavaquinho, sozinho, em casa, para integrar um grupo folclórico em Guebwiller. Mas também parece desanimado com o mundo das associações…

Vale-lhe um azulejo por cima da porta de entrada de casa, com a figura do Santo Ambrósio, o santo mais conhecido de Trás-os-Montes, tantas vezes evocado por um outro Transmontano: Roberto Leal.

 

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