Saúde: Os sistemas digitais e os nossos olhos


Há cerca de três a quatro décadas iniciou-se a transformação digital, quer profissional quer lúdica e não somente dos jovens, fortemente acelerada pela mudança dos hábitos laborais impostos recentemente pela pandemia assim como pelo aumento dos hábitos lúdicos, videojogos, nomeadamente dos adultos, e, como previsível surgiriam as manifestações sintomatológicas e com as consequentes necessidades de se tomarem comportamentos compensatórios ergonómicos e clínicos.

Hoje, admite-se que em termos médios cerca de 70 a 80% da população está mais de 3 a 4 horas em frente a um qualquer sistema digital.

Assim, vários estudos realizados, em Espanha, Estados Unidos, Brasil ou Portugal, constataram um aumento significativo de manifestações oculares e do foro músculo-esqueléticas em utilizadores com maior exposição e duração aos diferentes sistemas digitais. Pelo que a incidência da astenopia digital e o síndrome de olho seco tem tido um notável aumento com todo um conjunto de manifestações perturbadoras da rotina diária e capacidades pessoais.

A astenopia digital é caracterizada por um desconforto visual decorrente do uso de dispositivos digitais. Isso deve-se ao elevado esforço da região ocular, devido ao brilho, disfunção de acomodação, disparidade de fixação, secura, fadiga e desconforto. Contudo e neste tipo de cenário, associado à astenopia digital surge a síndrome de olho seco, importante fator agravante para os utilizadores de sistemas digitais. Mas não se fica só pelos olhos, também o sistema músculo-esquelético apresenta manifestações.

Os sintomas oculares mais frequentes são o lacrimejo, a vista cansada ou visão turva, por vezes mesmo diplopia (dupla visão), ardor ou vermelhidão dos olhos. Já com relação aos sintomas músculo-esqueléticos saliente-se, a possibilidade de torcicolo, fadiga generalizada, cefaleia e lombalgia.

Neste processo, estão em causa, fenómenos de acomodação (capacidade de focar a diferentes distâncias), vergência (convergência para focar um ponto próximo, torsão dos olhos para dentro de forma simétrica) que conjuntamente com a acomodação e miose são uma tríade essencial no trabalho de perto e perturbação de superfície ocular, ou lubrificação do olho e que estudos recentes demonstraram a sua forte influência nos sintomas oculares.

Assim, e, sem diferenciar o tipo de esforço que está em causa, telemóvel, tablet, monitores, livro, ou as condições ambientais de trabalho ou lúdicas, há algumas sugestões para obviar a que estas manifestações oculares e músculo-esqueléticas possam ser motivo perturbador das rotinas diárias, assim algumas sugestões:
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1. Monitor e meio ambiente. A resolução do monitor, o contraste do mesmo assim como a iluminação e a humidade do ambiente de trabalho ou lúdico devem ser ajustados para um maior conforto. Uma opção útil é o acerto das condições do monitor ou uso de filtros à frente do monitor, com redução da reflexão da luz ambiente na tela ou óculos com filtros adequados e melhoria o contraste da imagem, facilitando assim a focagem.

2. Posição ergonómica do utilizador. Distância e posicionamento do monitor, dependente da dimensão do mesmo e a sua posição em relação ao plano dos olhos, ligeiramente inferior o seu centro ao plano ocular são fatores importantes a considerar. Aqui as manifestações, para além de refletirem nível ocular também surgirão no plano músculo-esquelético.

3. Sistema de lubrificação ocular ou filme lacrimal. A aplicação periódica na superfície ocular de uma lágrima artificial, adquiriu uma maior importância significativa pela sua capacidade em contribuir para reduzir os sintomas oculares. Assim, como o controlo das condições do meio ambiente de trabalho, temperatura, luminosidade e humidade, são fatores influentes na perturbação do filme lacrimal.

4. Duração do período de trabalho com pausas intercalares de curta e longa duração devem ser ponderadas obrigatoriamente e efetuadas de forma regular.

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Assim, as medidas ergonómicas como posição corporal, tipo de monitor, condições de leitura e ambiente, pausas, são significativamente importantes, mas a lubrificação ocular desempenha também um importante contributo no tratamento da astenopia digital e olho seco.

A importância desta abordagem advém do incremento dos múltiplos sistemas digitais na área profissional, mas também do notável aumento do número de adultos na área dos videojogos.

Em suma, a síndrome de astenopia digital e a síndrome de olho seco devem ser abordados nas suas diferentes variáveis pelo que é recomendável proceder á correção dos erros refrativos e acomodativos, assim como das condições posturais no trabalho ou nas atividades lúdicas, videojogos, e, por último as condições ambientais do local de trabalho. É essencial nunca esquecer a inclusão nesta resposta global, as pausas e a lubrificação ocular periódica com recurso á lágrima artificial, gestos simples, mas essenciais à saúde ocular.

Cuidar da forma como nos comportamos e lidamos com os múltiplos sistemas digitais é um princípio preventivo essencial na saúde ocular.

Professor Doutor Eugénio Leite

Oftalmologista

Diretor das Clínicas Leite em Lisboa e Coimbra