Antigo jornalista do Le Monde, José Rebelo prestou homenagem ao avô anarcossindicalista no Camp de Gurs

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José Rebelo, antigo jornalista do Le Monde, esteve em Oloron Sainte Marie (64) este fim de semana, para prestar homenagem ao avô, Jaime Rebelo, um dos 349 Portugueses que passaram pelo Camp de Gurs.

O Camp de Gurs acolheu refugiados da Guerra civil espanhola, e em particular os estrangeiros que combateram no exército republicano. Este domingo foi ali inaugurada uma placa, por iniciativa do Comité Aristides de Sousa Mendes e em particular do seu Vice-Presidente, Manuel Dias. Na inauguração esteve a Secretária de Estado dos Antigos Combatentes, Catarina Sarmento Castro, o Embaixador de Portugal em França, Jorge Torres Pereira e o Cônsul-Geral de Portugal em Bordeaux, Mário Gomes.

“Jaime Rebelo é um dos nomes mais sonantes do anarquismo nos anos 30” explica a historiadora Cristina Clímaco. “Exilou-se em Espanha e teve um percurso político em Espanha, na Federação Anarquista dos Portugueses em Espanha (FAPE) e quando acabou a Guerra, acompanha o êxodo, é internado nos campos em França. A singularidade dele é o facto de ter integrado a Companhia 184 de trabalhadores espanhóis e sai do Campo no verão de 1939 para ir trabalhar, não se sabe bem onde, mas certamente na agricultura ou numa fábrica” conta ao LusoJornal.

“É um dever para mim estar aqui hoje a guardar a memória do meu avô” afirma por seu lado José Rebelo, com as insígnias da Ordem da Liberdade ao peito. É doutorado e agregado em Sociologia, área da Comunicação e Cultura, e coordenou diversas investigações no campo dos media. Foi jornalista do jornal República, em Lisboa, e do Le Monde em Paris e depois foi correspondente deste mesmo jornal em Portugal, de 1975 a 1991. Também foi membro, até há bem pouco tempo, do Conselho de Opinião da RTP, eleito pela Assembleia da República.

“Eu tinha conhecimento da existência deste campo, mas nunca cá tinha vindo. Foi uma surpresa para mim, cheguei na sexta-feira, vim de Lisboa, e esta é uma viagem que vem acrescentar-se a toda a carga de recordações que eu transporto comigo e que transportarei a vida toda”.

O avô, Jaime Rebelo, nasceu em dezembro de 1900, em Setúbal, onde aliás tem uma rua com o seu nome. Foi militante anarquista e antifascista, tanto em Portugal como em Espanha, ativo sindical, foi perseguido e torturado pela ditadura fascista do Estado Novo. Esteve preso em várias prisões portuguesas, foi deportado para os Açores e depois para Angola, e foi torturado pela Pide, tendo chegado a cortar a língua para evitar falar.

Em 1931 foi para Espanha onde se juntou às milícias da CNT, a confederação operária anarcossindicalista, e aí comandou uma unidade que combateu na frente meridional na Guerra civil espanhola. “Acabou por ficar em Barcelona, com muitos outros Portugueses, como Jaime Cortesão e muitos outros” lembra José Rebelo ao LusoJornal.

Aliás Jaime Cortesão dedicou-lhe um poema intitulado “Romance do Homem da Boca Fechada, homenageando a sua atitude durante os interrogatórios a que foi submetido pela polícia política. O poema circulou clandestinamente nos anos 30 do século XX, durante o Estado Novo, tendo sido publicado, em 1937, no jornal “Avante!”, órgão clandestino do Partido Comunista Português.

“Quando as tropas franquistas chegaram a Barcelona, o meu avô passou a fronteira, primeiro foi para um campo em Argelès-sur-mer, depois foi transferido para Gurs. Aqui em Gurs, entrou nos grupos de trabalho ditos voluntários – que não eram voluntários coisíssima nenhuma – e apanhou uma tuberculose” explica José Rebelo depois da inauguração da placa de Gurs.

Foi recambiado doente para Portugal, nos anos 40, e foi apanhado de novo pela polícia política portuguesa. “Como estava tuberculoso, as prisões foram substituídas pelos sanatórios, onde ficou mais de 10 anos, até ser dado por curado em 1953”.

Jaime Rebelo teve 5 netos, mas José Rebelo era o mais velho. “Era comigo que o meu avô falava muito, ele dava-me aquelas leituras habituais dos anarcossindicalistas da época, Emile Zola, Victor Hugo, Maxime Gorky. O início da minha idade adulta foi com estas leituras que o meu avô me ia dando e sobre as quais eu depois discutia com ele”. Aliás, Jaime Rebelo deu o nome a um dos filhos de Emilio Zola…

Jovem jornalista no República, José Rebelo conseguiu que o avô fosse contratado para revisor de textos do jornal. “Foi, creio eu, o único trabalho fixo que teve na sua vida. Com 20 anos era pescador em Setúbal, mas depois quando começou a ser preso, com a Guerra civil, Gurs e tudo isso… foram mais de 20 anos de vida e o primeiro lugar que teve fixo foi como revisor do República até à sua morte em janeiro de 1975”.

“Um dia, o meu avô veio a minha casa e trouxe-me todas as cartas que ele tinha mandado para a minha avó, que a minha avó tinha enviado para ele e o correio que ele também tinha trocado com uma senhora espanhola que ele conheceu quando estava em Barcelona” conta numa entrevista ao LusoJornal. “Ela era refugiada do País Basco, com quem se veio a casar depois de enviuvar. Casou com 75 anos de idade para pagar aquilo que ele considerava ser uma ‘dívida de gratidão’ em relação a esta senhora”.

Quando Jaime Rebelo veio para França, atravessou a fronteira com a amiga espanhola, mas perderam-se de vista nos campos de refugiados. “Até 1962 ninguém em Portugal sabia desta história, quando se recebeu uma carta daquele que é hoje meu tio, que também se chama Jaime Rebelo, a dizer que queria conhecer a família de Lisboa”. Aliás esta história foi objeto de uma peça de teatro chamada “Viva La Vida” do grupo de teatro A Barraca em Lisboa.

“Não quer dizer que eu partilhe as ideias anarcossindicalistas do meu avô. Com certeza há muitos aspetos com as quais eu estou em desacordo, o contexto político em que eu vivo é completamente diferente daquele onde viveu o meu avô, mas ele foi, digamos, a entidade que esteve na base da minha formação política, literária e tudo isso” resume José Rebelo. “E como sou herdeiro de toda essa parte documental que tem a ver com o meu avô, eu considerei que era um dever estar aqui presente nesta cerimónia no Camp de Gurs”.

 

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