Lusa / Miguel Pereira da Silva

Atravessaram a França e a Espanha: Agente de Vilar Formoso impediu família portuguesa assistir a funeral em Portugal

Quando Ernestina Gaião faleceu, no passado dia 25 de abril, não imaginava a história rocambolesca que a família residente em França iria encontrar, dois dias depois, na fronteira de Vilar Formoso.

Ernestina Gaião tinha três filhos, seis netos e dois bisnetos, mas a situação atual de pandemia de Covid-19 impõe que apenas 10 membros da família possam participar no funeral.

Ernestina Gaião faleceu no sábado passado, dia 25 de abril, por volta das 21h00. O marido encontrou-a sem vida, na cama, com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima nas mãos.

Depois do impacto da notícia da morte, foi necessário organizar a viagem para que pelo menos uma parte da família pudesse prestar uma última homenagem à decana da família.

“Antes de partir, tomámos todas as precauções, junto da Embaixada de Portugal, junto da Agência funerária e junto da GNR de Alcanena. Todos foram formais: munidos de uma certidão de óbito, podíamos assistir ao funeral. A única restrição é que a cerimónia estava limitada a 10 pessoas, e para a viagem, só podiam ir duas pessoas em cada carro, com máscaras de proteção e solução de base alcoólica” explicou José dos Santos ao LusoJornal.

Para respeitar as regras de duas pessoas por carro, a família decidiu seguir de viagem em quatro viaturas, com duas pessoas em cada uma delas. Quando no dia 27 de abril, às 6h00 da manhã, a “caravana” chegou à fronteira de Vilar Formoso “pensávamos que o mais difícil tinha passado” diz José dos Santos. “Neste período de confinamento, atravessar a França e a Espanha, não é tarefa fácil”.

“Eu sempre pensei que a França e Portugal eram países próximos, muito próximos, como primos, como primos direitos…” desabafa José dos Santos. Mas um agente da autoridade “estragou” o fim da viagem a esta família enlutada. “Um funcionário demasiado zeloso? Ultrapassado pela situação? Querendo mostrar autoridade? Para impressionar os colegas?” questiona-se José dos Santos, genro de Ernestina Gaião, que seguia num dos carros.

O agente recusou a entrada em Portugal aos quatro carros porque… não tinham consigo os documentos de identificação portugueses. “Os três filhos da Senhora Gaião têm a dupla nacionalidade, somos todos gente da emigração, somos franco-portugueses, lusodescendentes. O nosso coração está partilhado em dois, mas hoje, a metade portuguesa está completamente destruída” garante José dos Santos.

Primeiro, ninguém queria acreditar na situação que estavam a viver. Os seis membros da família explicaram que se informaram antes da viagem, que sabiam que apenas 10 pessoas podiam assistir ao funeral, que tinham as certidões de óbito com eles, mas… do alto da sua autoridade, o funcionário recusou todas as justificações.

A “negociação” durou uma hora, com “explicações, argumentações, incompreensões, choros e súplicas”…

E no fim de uma hora, o funcionário em questão decidiu que apenas poderia entrar em Portugal um carro, com duas pessoas. “Com que critério?” interroga-se José dos Santos. Ernestina Girão tinha 3 filhos, como escolher um deles e não os dois outros? “Se o problema era o risco de estarmos contaminados com Covid-19, como garantir que a pessoa escolhida não estaria contaminada? Esta decisão não faz nenhum sentido, é completamente arbitrária”.

De regresso a França, a família traz uma amarga recordação desta viagem de ida e volta até à fronteira de Vilar Formoso. “Este funcionário roubou-nos um momento sagrado, único. Não nos foi possível prestar uma última homenagem à decana da nossa família. Ela iria festejar 85 anos no dia 22 de maio. O funcionário acrescentou uma imensa dor ao meu sogro por não ter os três filhos juntos no funeral” diz José dos Santos em declarações ao LusoJornal. “Reenviando três carros para trás, este funcionário multiplicou o risco de acidente de viação que tantas vidas já custaram à nossa emigração portuguesa na Europa quando, todos os anos, vão a Portugal”.

E José dos Santos conclui: “Esta segunda-feira, 27 de abril de 2020, às 6h00 da manhã, na fronteira de Vilar Formoso, Portugal voltou a ser um pequeno país mesquinho e fechado sobre si próprio, como eu pensei nunca mais voltar a ver”.

 

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