«Autobiographie d’un chardon” de São Doyen – “Eu quis tudo esquecer, tornando-me francesa”

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Maria São Doyen demorou trinta anos a escrever «Autobiographie d’un chardon» (Éditions L’Harmattan), um livro que, tal como indicado no título, levou a autora, hoje a viver em Taverny (Val-d’Oise), a revisitar o seu passado. Um exercício catártico durante o qual São Doyen, por um lado, não perdoa o colonialismo português e, por outro, pelo contrário, revela toda a sua gratidão à França, o país que a acolheu.

Nascida em Quibala, não longe de Luanda, corria o ano de 1963, São Doyen, durante a infância, ouvia quimbundu e umbundu, esta última a língua da sua avó Lucinda, mas a sua língua materna é o português, idioma com o qual a autora, graças ao ato de ter escrito este livro em francês, admite ter “cortado relações”.

Eleita municipal de Taverny em 2008, primeiro, como Conselheira delegada para os projetos socias e, depois, como Vereadora da cultura, São Doyen concretizou o seu sonho de viver em França aos 24 anos de idade.

Antes, porém, a sua vida foi atribulada e a insegurança, como enfatiza, começou ainda “dentro do ventre” da mãe, uma adolescente de 17 anos. São Doyen, logo aos 11 anos, já no fim da guerra colonial, juntou-se à luta armada contra a opressão portuguesa.

A autora salienta no livro que a colonização a tornou naquela que é hoje. A colonização, salienta, teve uma grande responsabilidade em relação ao “percurso caótico” da sua família, mas é também um fardo enorme na memória coletiva do país, pois, sublinha, “70% dos escravos traficados para o Brasil eram oriundos de Angola”, tornando-se, assim, “um dos países mais despovoados pelo trato negreiro”. Ela salienta também que os portugueses, ao contrário das outras potências europeias apostados numa política de total segregacionismo, optaram pela estratégia de “se misturarem o mais possível com as populações africanas” de maneira a “libertá-las da sua cultura selvagem e a branqueá-las o mais possível”. A mestiçagem “visava a lenta erradicação de todas marcas culturais negras”. A autora denuncia sem misericórdia todos os crimes cometidos ao longo dos séculos de colonização portuguesa em Angola.

À independência seguiu-se a guerra civil. São Doyen parte para a Europa. Na Bélgica aprende francês e, aos 24 anos, chega a França, onde, diz ela, inicia “um percurso de reconstrução identitária”.

“Eu escrevi este livro em francês, mas esta não é a minha língua materna. Eu falava português, a língua dos pais, pois o quicongo era proibido. Eu cortei com esse passado, com a minha língua, eu quis tudo esquecer, tornando-me francesa”.

Em França, ao longo desse processo de afrancesamento, ela torna-se então hospedeira de bordo, comercial e, depois, retoma os estudos, tendo hoje três mestrados e um doutoramento em linguística. Passou anos a acompanhar pessoas sem-abrigo até que, em 2008, inicia uma carreira política.

 

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