LusoJornal / António Marrucho

Joaquim da Silva Ferreira e Adelino Araújo: os últimos vendedores de espigos em Roubaix

[pro_ad_display_adzone id=”46664″]

 

Em Portugal já se comem há umas semanas, por cá estamos no princípio: os espigos!

Quais preferem? De nabo ou de couve?

No mercado do quartier de L’Èpeule, em Roubaix, aos domingos de manhã, ainda se pode comprar aquilo que nos mata saudades: a saudade dos espigos, da rama de nabo, das couves, da abóbora…

Por quanto tempo? Os seus vendedores envelhecem, o repouso merecido deveria ter já chegado, contudo dois vendedores portugueses deste mercado teimam em continuar… talvez para darem razão ao ditado: “le travail c’est la santé…”

Mesmo os que vieram novos para França, aquilo que por lá havia em abundância – os pais, os avós, todos eles ou a maioria cultivavam espigos, nabos, favas… – passaram a fazer parte das nossas delícias por cá.

Comer umas batatas com espigos alagados em azeite de oliveira regozijam as papilas gustativas, o azeite escorrendo desenvergonhadamente das extremidades da boca. Desculpem, desculpem os leitores talvez bem mais novos se não ressentirem este nosso prazer, esta nossa saudade…

Em Roubaix os teimosos que perpetuam a tradição no mercado de l’Èpeule chamam-se Joaquim da Silva Ferreira e Adelino Araújo. O stand de um é quase em frente do outro, contudo não se consideram concorrentes.

Terrível aqui pelo Norte de França também no início do ano 2021, o frio, o gelo, a neve, fez com que neste último dia de fevereiro os espigos sejam ainda raros, contudo já havia com que matar a saudade. Cada molho custava 3 euros.

 

Joaquim da Silva Ferreira é natural de Guimarães. Chegou a França no dia 25 de março de 1972. Veio trabalhar para a mais importante fábrica na capital mundial da lã, a Lainière de Roubaix, ali chegaram a trabalhar 8 mil operários. O LusoJornal publicou um artigo sobre o livro de Vincent Di Martino, um romance entre realidade e ficção com o título «Le couloir de l’Horloge» que se passa precisamente na Lainière e no qual um dos personagens principais é um sindicalista português (ler AQUI).

De recordar também que o fotógrafo Gérald Bloncourt realizou a sua última exposição, antes de falecer, nas antigas instalações da Lainière (ler AQUI).

Cinco anos depois de chegar a França, como se dizia «pour arrondir les fins de mois», já Joaquim da Silva Ferreira vendia hortaliças ao domingo em Roubaix. «Sacrée mobylette» que muito transportou nos primeiros anos. Já lá vão 44 anos que mata saudades a quantos lhe vêm comprar hortaliças portuguesas.

O Sr Joaquim já o conhecemos há anos. Já há anos que se queixa e que sofre de dores de costas, contudo lá vai cultivando as hortaliças quase na fronteira da Bélgica, em Neuville-en-Ferrain.

Equipado de ferramenta, lá está ele, quando tempo antes de a arrumar? Joaquim da Silva Ferreira diz que “talvez para breve, já fiz 75 anos”. A esposa sempre ajudou, mas os filhos não estão dispostos a continuar.

Joaquim da Silva Ferreira está inscrito para poder fazer vendas ainda em cinco mercados por semana. É agricultor/comerciante em França, mas também em Portugal, onde possui 3 hectares de terra com vinha, onde produz Vinho Verde branco e tinto, vinho que acaba, em parte, por fazer quase 2 mil quilómetros para matar saudades, e/ou, matar a sede por estes lados de França.

 

A história do Adelino Araújo em muito se compara à do vizinho de mercado. Também é nortenho, originário da cidade considerada, este ano, como a número um a visitar na Europa: Braga.

Chegou a França em 1967, onde veio para trabalhar na construção civil. Já lá vão 40 anos que vende hortaliças em Roubaix. Sempre se limitou ao mercado dominical.

Nesta manhã de domingo, ele que ali tinha ajuda, em tempos, do irmão Manuel, não tinha mãos a medir. Clientes de diversas nacionalidades ali deixavam 1 euro por um molho de acelgas (“bettes” em francês), ou 1,5 euros por dois molhos, 1 euro por uma couve de repolho, 1,50 euros por um quilo de abóbora, 1 euro por 4 ramos de salsa.

O jornalista lá lhe conseguiu fazer uma ou outra pergunta entre dois trocos.

Adelino Araújo já começou a abandonar algumas terras que cultivava, é exemplo disso o terreno que ocupava perto da capela du Crochet na qual se honra Notre Dame de la Délivrance, em Hem, e que vê atualmente aí crescerem residências de luxo, bem perto de habitações da família Mulliez, fundadores do Auchan, Decathlon…

Adelino Araújo também fala em abandonar a venda a curto prazo. Ninguém da família vai continuar a cultivar e a vender no mercado.

Já lá vão os tempos em que se respondia aos vizinhos franceses que perguntavam: “para que cultivais tantas couves?”. Havia como que vergonha de se dizer que, em grande parte, era para consumo próprio. A resposta dada ao vizinho francês, que acreditava dubitativo, era: “as couve são para os coelhos comerem”.

Couves, nabos, são, no tempo presente, postos em evidência por nutricionistas e médicos que aconselham a consumir, porque as virtudes para a saúde são, segundo estes, imensas. Será isto motivo suficiente para não terminarem as vendas em Roubaix, mas também pelos mercados de França dos nabos, espigos e couves? Será que conseguimos perpetuar junto dos nossos filhos o gosto por estas, que poderemos quase chamar, iguarias à moda lá de baixo?

Mercados há de espacialidades estrangeiras em que se começa a ver à venda estes produtos. Parece-nos, contudo, que não têm o mesmo gosto… talvez seja ilusão, talvez seja a saudade que não nos permite de bem julgar.

 

Já na nossa tese de geografia, em 1982, tese que se debruçou sobre a imigração portuguesa de Roubaix, escrevíamos que “nos domingos de manhã, o tradicional mercado é muito frequentado pelos Portugueses que vêm de Roubaix, mas igualmente de Tourcoing, Wattrelos, Roncq, etc. Vêm para comprar, mas também para se distraírem. O mercado é igualmente um lugar de encontros, de conversas”.

Ilustramos este texto com duas fotos a preto e branco, gravadas na película a 23 de maio de 1982. Numa das fotos vemos um compatriota na rua des Tuileries com uma couve na mão para vender. Na segunda foto, na Place des Martyrs de la Résistance, vemos gaiolas com pombos cujo destino seria mudar de mão ou de residência.

O tempo não volta para trás. Temos ainda algumas semanas para comprarmos espigos ao Ti Joaquim e ao Ti Adelino no mercado de Roubaix e a todos quantos perpetuam por esta França fora a tradição do “jardim à beira mar plantado” no extremo ocidental da Europa.

E que depois dos espigos… venham as favas, a comer sem moderação, em salada, em grão, em…

Saudades… quanto nos fazes dizer, quanto nos fazes escrever!

 

[pro_ad_display_adzone id=”37510″]