“Le roman de Lula”, um documentário de José Bourgarel a ver no canal LCP

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Pouco depois da eleição de Lula da Silva (1945) para um terceiro mandato como Presidente do Brasil, após a travessia do inferno judicial brasileiro, este documentário realizado por José Bourgarel para o canal francês LCP-Assemblée Nationale traça, com recurso a belas imagens de arquivo e a excelentes testemunhos, o caminho deste nordestino filho de uma família pobre que virou sindicalista e eterno derrotado em eleições até se transformar no mais influente político de toda a América Latina.

Admirado por grande parte da população europeia, Lula da Silva é um homem que desperta paixões antagónicas no seu país: idolatrado pelos mais pobres e reprimidos, que lhe atribuem a responsabilidade por uma certa ascensão social, e odiado pela elite que apoiou maciçamente o anterior presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. Um percurso que o levou de uma casa delapidada de terra batida do Nordeste até aos mármores do Palácio do Planalto.

O filme, que pode ser visto em replay em várias plataformas francesas, incluindo a do LCP (https://lcp.fr/programmes/le-roman-de-lula-159621), acompanha de modo cronológico a vida de Lula da Silva que, analisa Mathias Alencastro, do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planeamento), “nasceu num mundo onde não era certo que viveria até aos doze anos de idade”.

Sétimo de oito irmãos, Lula viu, como grande parte dos nordestinos, a morte e a pobreza aliadas (dois dos seus irmãos morreram ainda muito jovens). A sua família, impossibilitada de trabalhar a terra devido à escassez de água, migrou em direção ao sul em 1952, tinha Lula da Silva sete anos de idade. Apenas uma família por entre os milhões de brasileiros que trocaram uma vida miserável no campo por uma vida miserável nos arrabaldes das grandes cidades. Um êxodo rural que deu origem às gigantes favelas que hoje cinturam cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro.

Ainda criança, Lula da Silva começou como engraxador de sapatos até conseguir um trabalho na fábrica da Wolkswagen, onde, devido às péssimas condições de trabalho e à opressão laboral, perdeu um dedo e se tornou em sindicalista proeminente. Diz-se ter sido a sua popularidade que o salvou, apesar das detenções e dos julgamentos frequentes, das mais atrozes violências perpetradas pela Ditadura Militar de extrema-direita que governou o Brasil com mão de ferro entre 1964 a 1985. Foi essa proteção popular que o terá poupado à mesma tortura que vitimou a antiga presidenta Dilma Roussef. Popularidade, todavia, insuficiente para preservar a sua vida privada: Lula perde a primeira esposa e o primeiro filho durante o parto.

Com a instauração da democracia e a fundação do PT (Partido dos Trabalhadores), Lula encetou uma luta eleitoral que, após três derrotas nas Presidenciais, o levou enfim, em 2002, ao Planalto. Uma lendária obstinação que lhe será bem útil entre 2018 e 2019.

Os dois primeiros mandatos de Lula resultaram no acordar do gigante brasileiro. À cabeça de um país rico e desenvolvido, mas com uma desigualdade social digna de um país de terceiro mundo (em 2002, trinta milhões de brasileiros passavam fome), o Governo Lula, aproveitando um contexto económico favorável, redistribui a riqueza pelas classes mais pobres (Bolsa Família, Fome Zero, Habitação Popular), democratiza o acesso ao ensino superior (duplicação das vagas nas universidades atribuídas segundo quotas socio-raciais) e atribui ao Brasil um desconhecido relevo geopolítico e diplomático ao seio dos BRIC’s.

Apesar desta honrosa ideologia de justiça social, de “matar a fome a quem a tem”, e de arrancar 40 milhões de cidadão à pobreza, ele, negociador nato e homem carismático, foi, porém, incapaz de impedir que a corrupção generalizada que corrói a elitista e injusta sociedade brasileira gangrenasse o seu próprio partido.

Com a operação anticorrupção Lava Jato, lançado pela sua sucessora Dilma Roussef no seu segundo mandato, o sistema partidário brasileiro, incluindo o PT, cai em desgraça. Como represália, um golpe de Estado institucional derruba o governo Roussef e o (tornado) célebre juiz Sérgio Moro, futuro Ministro da Justiça de Bolsonaro, dá ordem de prisão a Lula da Silva, novamente viúvo, agora da segunda esposa, que passará 580 dias na prisão após um processo judicial hipermediatizado por uma comunicação social que lhe era hostil.

Quase dois anos depois, o tribunal decidiu que a sua prisão fora ilegal e ordenou a sua libertação.

Homem infatigável, Lula, ao prometer um governo de coesão nacional, de luta à ameaça ecológica e à pobreza, foi reeleito pela terceira vez no final de outubro de 2022 com apenas 51%.

Um bom documentário que desenha um retrato realista deste sobrevivente que é, citando Barak Obama, antigo presidente do EUA, “o político mais popular da Terra”. Um homem que nem a miséria, a morte dos próximos ou a prisão injusta conseguiram derrotar e que tem como difícil missão fazer renascer o Brasil da política de terra queimada desenvolvida pela extrema-direita bolsonarista no poder entre 2018/2022.

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