Livros: “Rua de Paris em Dia de Chuva” de Isabel Rio Novo

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O nome Gustave Caillebotte (1848/1894) não dirá grande coisa à maioria das pessoas que lê este texto. Pelo contrário, se falarmos em Claude Monet, Camille Pissarro ou Auguste Renoir, o leitor logo será transportado para a segunda metade do século XIX e mergulhará nas telas dos grandes impressionistas. Recordará talvez a visita aos jardins da casa de Claude Monet em Giverny ou o pequeno quadro de Renoir, mostrando duas pequenas leitoras, que viu no Louvre.

Ora Gustave Caillebotte, o protagonista do mais recente romance de Isabel Rio Novo, “Rua de Paris em Dia de Chuva” – que é também o título do mais famoso quadro de Caillebotte – foi não só mecenas de grandes pintores (os três referidos acima beneficiaram da sua ajuda) como foi um dos mais audaciosos artistas do seu tempo, “um dos mais precisos e mais originais”, segundo Joris-Karl Huysmans, um crítico de arte seu contemporâneo.

Então por que razão o nome Caillebotte não fez soar o sininho impressionista no cérebro de quem nos lê?

Para a escritora e professora universitária Isabel Rio Novo, em declarações à Rádio Alfa e ao LusoJornal, a razão é muito simples: “Caillebotte ficou sempre associado ao legado, ao facto de ter deixado ao Estado francês uma coleção de quadros que viria a constituir o núcleo impressionista do Museu d’Orsay, mas eu penso que a sua dimensão como pintor começou a ser remetida para o esquecimento, quase logo a seguir à sua morte, devido fundamentalmente a duas questões. Uma foi a sua própria faceta de colecionador e de mecenas, que, por algum tempo, escondeu a sua faceta de artista; e, a outra, foi o preconceito, que talvez não seja tão raro quanto isso, em relação ao facto de ele ter sido rico e, ao contrário da maioria dos seus amigos, não precisar de vender quadros para sobreviver”.

Ora cá está algo que a maioria de nós não sabia: em pleno século XIX, o século da expansão industrial selvagem, do trabalho, nomeadamente o infantil, sem direitos, da miséria popular absoluta, seja urbana ou rural, que Zola descreve em “Germinal” e Victor Hugo denuncia em “os Miseráveis”, Gustave Caillebotte foi discriminado pelos seus pares por ser milionário. E, quem sabe, por ser boa pessoa, ao ponto de ter oferecido material de pintura e alugado um apartamento junto da Gare Saint Lazare para que Claude Monet pudesse viver e pintar, ou de ter sido a sua coleção privada a base de um dos mais importantes museus públicos da Europa. Ou seja, é graças a Gustave Caillebotte que hoje podemos apreciar os nenúfares dos jardins de Giverny ou ficar embebecidos com os quadros exibidos em Orsay.

Neste romance publicado há pouco em Portugal pela editora D. Quixote, Isabel Rio Novo cruza então ficção com biografia, mas também cruza épocas, tanto explorando a França de Napoleão III e a sua traumática derrota na guerra contra a Prússia de Bismark, como a vida de duas personagens do nosso tempo, uma simplesmente chamada Autora (a própria autora?), a viver em pleno processo de escrita, e outra, Helena, uma historiadora de arte especialista da obra de Caillebotte.

“Rua de Paris em Dia de Chuva” dá vida a uma Paris fervilhante, em plena transformação urbanística levada a cabo pelo barão Haussmann, anos em que se optou pela destruição da pitoresca cidade com os seus petits hôtels particuliers, cheia de belos recantos, mas que, por outro lado, era suja, congestionada, insalubre e, claro, perfeita para ações subversivas e revoluções. Não há nada como largas e retilíneas avenidas para colocar umas baterias de artilharia em marcha e matar no ovo fogachos revolucionários.

A esta convulsão urbanística junta-se uma outra: o impressionismo. Uma corrente de rutura desacreditada pela École des Beaux-Arts que recusava todos os quadros que não se inserissem no cânone tradicional, ao ponto de Napoleão III ter criado o Salon des Refusés composto pelos quadros declinados pela Academia.

É nesta atmosfera de combate entre o antigo e o moderno, de destruição e reconstrução, de Paris umbigo do mundo, que circula Caillebotte, um privilegiado rodeado de amigos homens – a ausência de mulheres na sua vida é marcante – e que Isabel Rio Novo, recorrendo a uma certa forma de fantástico, entrelaça com as vidas de duas mulheres portuguesas do nosso tempo.

“Rua de Paris em Dia de Chuva” não é um romance convencional, apresenta até momentos de escrita “impressionista”, e, para quem vive na região parisiense, não deixa de ser intrigante ver uma autora lusófona escrever tão bem sobre as ruas e os lugares que atravessamos todos os dias. Um romance que, esperamos, seja rapidamente traduzido para francês para que os leitores deste idioma possam também resgatar Gustave Caillebotte, o “milionário discriminado”, da prisão do esquecimento.

 

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