Nasci em casa da avó
e muito cedo
conheci o viver só
(tempo em que sentada na manta
via através do portão
de tábuas desiguais
passar algum vizinho
enquanto o avô não chegava
morava meia dúzia de casas mais além).
O meu vale era paraíso
e saudade nasceu
quando ainda mal
sabia falar e já dizia
“não, eu não vou para Lisboa
fico com a avó”.
Pensava eu que Lisboa
era o nome dum terreno
que iam cultivar.
Mas também eu conheci Lisboa
e depois a alegria de voltar
à minha aldeia
símbolo de liberdade.
Ir só para a rua correr pelos campos
que felicidade
Quinze anos
e Paris passou a ser o meu segundo país
e conheci racismo
em menina
pensava apenas ser palavra no dicionário
sentimento
que os homens há muito tinham banido
e esquecido.
E o tempo semeou em mim penas
e raízes de cá e de lá.
Lá o cantinho que chorei
os avós que deixei morrer sós.
Cá uma vida feita
de cimento e alcatrão.
Lá criança sonho, ilusão.
Cá amigo que se vai.
Lá amizades que a distância apaga.
Cá realidade fria e crua.
Lá, como ainda é bela a primavera.
Cá quando o sol aperta é abafador
cá também nascem lágrimas de amor.
Lá, lá no cemitério brota a dor.
Sou passagem e passageiro
de cá e de lá
emigrante que colhe
o amor e a dor
de lá e de cá.