Na senda do bisavó Francisco do Rosário Fernandes

O Homem

Francisco do Rosário Fernandes nasceu no dia 1 de outubro de 1895, às cinco horas da manhã, na paróquia de Palaçoulo, Concelho de Miranda do Douro. Filho legítimo de António Fernandes, natural de Palaçoulo e de Isabel Maria Esteves, natural de Travanca, concelho de Mogadouro, lavradores, recebidos e moradores na rua das Eiras, neto paterno de Dionísio Fernandes e Isabel Martins, e materno de José Esteves e Maria Theresa Martins. Foi batizado no dia seis de mês e ano referido acima, ou seja, seis dias depois de ter nascido. Foram seus padrinhos José Fernandes, viúvo, lavrador e Theresa Fernandes, solteira. Foi batizado pelo pároco Manuel António Fernandes Quintanilha.

Francisco do Rosário recebeu assim o primeiro sacramento dos católicos e recebeu ainda o nome da Nossa Senhora do Rosário, padroeira de Palaçoulo, talvez a mãe o quisesse proteger…

Em 1895 a freguesia de Palaçoulo vivia sobretudo da agricultura. Francisco do Rosário, filho de lavradores com algumas propriedades, perde o pai com 12 anos, teve de crescer rapidamente e cedo aprendeu a faina agrícola. Andava com as vacas, semeava, podava a vinha, lavrava as terras, plantava as batatas, escavava as oliveiras, fazia carros de lenha, e ia a algumas feiras, nomeadamente, vender os produtos agrícolas que a família produzia.

Os rituais religiosos eram seguidos a preceito, frequentava a missa aos domingos, confessava-se, desobrigava-se, participava nas festas religiosas da freguesia e ajudava no peditório com o padre na Páscoa.

Francisco do Rosário possivelmente teria imaginado toda a sua vida em Palaçoulo.

Porém, a 10 de agosto de 1915 é alistado, com 20 anos, como recrutado para servir até aos 45 anos de idade, pertencendo ao contingente de 1915 a cargo do distrito de Bragança. Foi presente a 15 de maio de 1916, tendo sido incorporado no Regimento de Infantaria 10 (Bragança), com o número 227, como indica a sua Folha de Matrícula.

Antes do serviço militar, consta na referida folha, que já sabia ler, escrever e contar (3º grupo).

Pronto da Instrução de Recruta em 28 de agosto de 1916 e frequentou o Curso de Habilitação para 1º Cabo, das escolas regimentais, em 28 de julho de 1916, ficando aprovado (4º Grupo).

A 4 de outubro de 1916 passou ao 1º Batalhão, como 1º Cabo, da 2ª Companhia, com o nº 336. Segundo a Folha de matrícula tinha aptidões especiais para sinaleiro, Chefe de grupo, No entanto, não sabemos se desempenhou este cargo na Grande Guerra.

Como muitos jovens da época, Francisco do Rosário foi convocado para fazer parte do Corpo Expedicionário Português (CEP), coube-lhe o número cinco, “nas sortes”, e que grande sorte! Com ele foram mais oito camaradas da aldeia e freguesia. Não sabia o que o esperava, mas tinha sido convocado para combater pela Pátria, nada sabia sobre o que se passava nas trincheiras da Flandres. Iria de cabeça erguida e orando a Nossa Senhora do Rosário para um dia regressar à sua terra. Foi mobilizado pelo Regimento de Infantaria 10, 1º Batalhão, 2ª Companhia e detendo o posto de 1º Cabo (nº336). Embarcou em Lisboa no dia 21 de abril de 1917.

 

Factos da Guerra – Preparativos

A 7 de abril de 1917, o Regimento de Infantaria 10 de Bragança recebeu ordem de mobilização de um Batalhão. A 16 de abril apresentam-se todas as praças licenciadas, sem haver uma única falta. Deste modo, a esta data Francisco do Rosário e os seus colegas encontravam-se em Bragança, prontos para a sua missão. Sob o comando do Comandante interino do Regimento, Major Carlos António Leitão Bandeira, tudo foi ultimado ao pormenor.

Mal se dormiu nesses dias, a atividade foi intensa para todos os militares. No dia 19 de abril o Comandante mandou publicar na ordem de serviço desse dia o seguinte despacho dirigido aos militares que partiam (1): “Neste momento solene que, em cumprimento do vosso dever ides partir para França, lutar pela defesa do Direito e da Liberdade, crede, soldados, vosso Comandante até hoje, é com bastante pesar que deixo o vosso comando, certo de que em breve regressareis à vossa terra, ao seio das vossas famílias, com a satisfação do dever cumprido e depois de terdes mostrado ao mundo inteiro o quanto valem os soldados de Portugal. E é nesse momento de comoção que, usam da competência que me confere o artigo nº 134 do Regulamento Disciplinar, vos louvo a todos pelo espírito de disciplina manifestado, correção e compostura mantida durante o período de concentração de que toda a cidade foi testemunha…”. Com estas palavras de apreço e reconhecimento pela disciplina já demonstrada pelos militares e encorajando-os que a missão pelas terras de França seria breve, o contingente e o 1º Cabo Francisco do Rosário Fernandes foram incentivados a cumprir com lealdade a sua missão.

No dia seguinte a este comunicado, 20 de abril, o Contingente do Batalhão de Infantaria 10 deixou Bragança e embarcou em dois comboios a caminho de Lisboa.

O primeiro comboio saiu da estação às seis da manhã, com a 1ª e 4ª Companhias. O outro comboio saiu ao fim da tarde, com a 2ª e 3ª Companhias. Francisco do Rosário integrava a 2ª Companhia e iniciava deste modo uma aventura com final feliz. Aventurava-se a fazer uma viagem longa, numa Europa desconhecida, num contexto de guerra, novidade a descobrir e a conhecer para sobreviver às adversidades.

Chegado a Lisboa, nem teve tempo de ver as novidades da capital! foi logo enfiado no barco… E que barco… nunca tinha visto tal coisa, muitos soldados, algumas despedidas, muita dor e incerteza.

O Regimento de Infantaria 10 era constituído por 30 Oficiais, 61 Sargentos e 1.138 Cabos e Praças, num total de 1.229 homens. Os dois comboios chegaram a Lisboa no dia 22 de abril e as tropas começaram a embarcar no Vapor D – Bohemien, navio britânico, que os aguardava. Os transportes das tropas portuguesas para França só eram viáveis por mar e a Inglaterra pôs à disposição alguns navios que os transportavam até ao porto de Brest. No entanto, estes navios não tinham sido concebidos para viagens de longo curso, eram utilizados para viagens de três horas entre Inglaterra e França e não três dias, como demorava o trajeto de Lisboa-Brest, ou seja, estes navios não tinham estruturas para as tropas dormirem, nem para refeições. Consequentemente, poderemos imaginar em que condições iam as nossas tropas.

A maioria dos militares enjoava durante toda a viagem, Francisco do Rosário e os colegas provavelmente também não teriam passado muito bem e cada vez mais longe da sua terra natal, o seu coração deveria ir bem apertadinho.

Na manhã do dia 26 a algumas milhas de Brest foram atacados por um torpedo (2), naturalmente pensaram que iriam ao fundo, os superiores seguramente mandaram-nos apertar a cortiça ao peito e como católicos terão rezado muito baixinho.

Desembarcam no porto interior de Brest às 16h30, partindo às 18h00 no comboio para o Norte de França, uma viagem que durava três dias.

As primeiras tropas do CEP já tinham partido em janeiro, já se encontravam instalados no setor britânico.

 

A realidade da Flandres

Quando o Batalhão de Infantaria 10 desembarcou em Brest a cada grupo de oito homens era dada uma ração diária composta por meia lata de carne em conserva (“corned beef”), meia lata de compota, três de soja, um pedaço de queijo e uma lata de bolachas, foi o primeiro contacto com as rações britânicas. Imaginamos Francisco do Rosário e os colegas com este farnel, habituados a outro tipo de alimentos como presunto e salpicão, couves e batatas não teria sido fácil a adaptação, mas “em tempo de guerra não se limpam armas” e como provavelmente levavam fome, não se fizeram rogados.

Em abril de 1917 ainda se fazia sentir um inverno rigoroso em França e as fardas que os portugueses levavam eram inadequadas. O Comando do CEP aboliu o uso de atacadores, o cachecol, as luvas de lã e as palmilhas. E escolheu um fardamento para o inverno e outro para o verão. Contudo, nas duas estações os Expedicionários carregavam consigo um par de alpergatas, um barrete de mescla, um barrete de bivaque, dois pares de botas, um calção de cotim, um calção de mescla, duas camisas cinzentas, uma camisola de lã, um capote, duas ceroulas, um dólman em cotim, um par de grevas, três lenços, três pares de meias, um par de polainas, um saco, duas toalhas e polainas (3). Este era o “enxoval” que cada Expedicionário obtinha, Francisco do Rosário também recebeu o seu, com 1m62 ia carregado até às orelhas! Mochila às costas e fazer muitos quilómetros a pé, iniciava a sua peregrinação.

Dia 28 de abril de 1917 o Batalhão acantonou em Becourt, onde chegou às 21h15, passando a receber instrução.

A 2 de junho Francisco do Rosário concluiu a instrução na Escola de emprego de Baioneta do CEP.

Em 28 de junho, pelas 10h00, o Batalhão aproximava-se da guerra, em Ecques. Nesta data o Batalhão sofre os seus primeiros dois mortos por acidente. Encontrava-se em Aire, recebendo instrução de preparação para entrar nas trincheiras.

A 1 de setembro de 1917, Francisco é promovido a 2º Sargento, com o número 694.

Entre 14 e 17 de setembro de 1917 o Batalhão entra nas linhas, permanecendo em Essars e Le Tourret, posteriormente seguiu para o setor de La Bassée e para os sub-setores de Festubert e Givanchy. Durante este período permaneceu nas trincheiras, sem responsabilidade de comando, desenvolvendo a aprendizagem com os ingleses nos serviços de patrulha, rondas e trincheiras.

O Batalhão retira-se deste setor, seguindo para Paradis N. em 23 do mesmo mês. A 29 de setembro inicia marcha para Sailly-sur-La-Lys. Ocupa o setor de Fleurbaix, o sub-setor de La Boutillerie, regressando por Sailly-sur-La-Lys ao seu acantonamento em Paradis N.

Em 18 de outubro o Batalhão parte para Erquinghem, às 16h00, e entra no setor de Bois Grenier, ocupando o sub-setor de La Chapelle, às 11h00.

Dão-se as primeiras baixas em combate no dia 25 de outubro. O Batalhão encontrava-se em instrução junto das tropas inglesas, no sub-setor de Bois Grenier.

No momento em que a 1ª e 2ª Companhias eram rendidas respetivamente pela 3ª e 4ª, e estas se preparavam para entrar no sub-setor Bois Grenier, sofreram um bombardeamento alemão, resultando 4 soldados mortos.

Ainda no dia 28 de outubro, pelas 15h00, os morteiros alemães atacaram as linhas onde se encontravam a 1ª e 2ª Companhias fazendo um Soldado morto e quatro feridos, dois 2º Sargentos e dois Soldados. Em sinal de reconhecimento e apreço do valor do Batalhão de Infantaria 10, a Brigada Inglesa determinou que a sua charanga acompanhasse os bravos Soldados de Infantaria 10 ao seu acampamento em Erquinghem, onde o Batalhão permaneceu até ao dia 1 de novembro (Martins, D.,1995).

Cinco meses já tinham passado e o Regimento de Infantaria 10 já contava com alguns mortos, Francisco do Rosário continuava responsável às suas tarefas, comandava uma equipa, havia que motivá-los para acreditar que em breve regressariam a casa, não era fácil, pois desobedeciam facilmente às ordens.

O Batalhão entre o dia 3 e 9 de novembro, durante 6 dias, ocupou com responsabilidades de defesa o setor de Bois Grenier, atribuído à 113ª Brigada Inglesa.

De 6 a 15 de dezembro guarnecimento do setor de Fleurbaix, no sub-setor de Butillerie. No dia 15 do mesmo mês houve embates de patrulhas em toda a frente. Distinguiu-se um Cabo, comandante de um posto que, convidado pelo Comandante inglês a abandonar o posto, por estarem prestes a ser atacados por fortes contingentes inimigos, resistiu ao embate do adversário, não o deixando penetrar nas linhas. Também se distinguiu um Sargento que, com a sua prudência evitou o fuzilamento de um Oficial e onze Praças do B.I.4 que se haviam desnorteado na noite escura e se aproximaram das linhas do B.I.10, onde as metralhadoras estiveram prestes a fazer-lhes fogo (Martins, D.,1995).

Dia 21 de dezembro o Batalhão recebeu ordem para ocupar o sub-setor 2 de Fauquissart, no S.S.2. No dia de Natal uma ordem do Comando britânico, fez enviar aos alemães “um cartão de boas festas” de canhão. O inimigo não respondeu à nossa Artilharia, mas arremessou sobre a 1ª linha algumas dezenas de morteiros, morreram dois Soldados. Dia 25 de dezembro segundo o relatório do Major António José Teixeira, Comandante do Batalhão da Infantaria 10 relatou sobre o Natal de 1917:

 

“Chegou o Natal 1917!… Dia tétrico esse passado sob a inclemência do frio, com uma noite escura como breu.

A guerra parecia mais feroz.

Havia dois anos que os Ingleses tinham fraternizado com o inimigo, nesse dia de Paz Universal (…) Uma ordem do Comando britânico, transmitida pelos Comandos das brigadas, fez enviar aos Alemães um cartão de boas festas…

Partiram toneladas de granadas de todos os calibres, rajadas de metralhadoras e ainda granadas de espingarda e morteiros, às 17 horas e vinte minutos, produzindo o seu ribombar um formidável abalo em todas as edificações e um ruído ensurdecedor! Os canhões abrem as suas fauces deixando-nos ouvir esses sons anunciadores da ruína e da destruição!

Enterrados na lama, fatigados, os nossos Serranos viam passar, ébria de sangue e ódio, essa avalanche de metralha, contemplando, ao mesmo tempo, estupefactos, os fantásticos clarões dessas dezenas de bocas-de-fogo, que pareciam entoar sarcástica e demoniacamente, uma nova canção do Natal, sinistra e cheia de imprecações.

Horrível Natal! Todos, neste dia, cismaram na família, no seu país…

O jantar é triste… nem luzes, nem acepipes, a recordar vagamente a lenda do Natal!…

A neve cai nos campos e nas nossas almas. A bruma da noite envolve-nos, e as sentinelas embuçam-se, transidas, ao longo da linha que, serpenteando, segue pela nossa frente (…)

Era o Natal nas trincheiras. Triste Natal este de 1917 para os que ouviam o estrondear dos porteiros, os estalidos secos dos snipers, os estilhaços enervantes da metralha e o chac-chac estrídulo da Maxim!…

Os Batalhões de apoio e reserva formavam pelos campos, à espera da terrível resposta…

Nos Quartéis-generais de Brigada, a todo o momento, se esperava pelo “merci”…

O inimigo, porém, não respondeu à nossa artilharia, mas arremessou sobre a 1ª linha algumas dezenas de morteiros, mantendo as guarnições numa contínua agitação”.

 

Este foi o primeiro Natal de Francisco do Rosário fora da sua querida pátria, e que Natal este! Nunca mais se iria esquecer desta sinistra melodia de metralhadoras, granadas, morteiros. Pensou na sua família que estaria reunida à lareira, naquela noite tão fria, depois da ceia melhorada, provavelmente também a sua mãe estaria triste e preocupada com o seu filho. Como foi difícil aquela noite gélida, sob o fogo inimigo, uma lágrima teimou em cair, tinha saudades…

No dia de Ano Novo de 1918 o inimigo bombardeou o setor de Chapinhy, com perdas para a Infantaria 10. No dia 4 Francisco do Rosário é punido pelo Comandante do Batalhão, com 2 dias de detenção, “por responder menos inconvenientemente a uma Praça que se lhe dirigiu, infringindo o nº28 do art. 4º do R.D.E” (4).

A 13 de janeiro de 1918 o Batalhão é rendido e marcha para o apoio, em Pont du Hem. Durante 2 dias, 17 e 18 de janeiro, o inimigo bombardeou continuamente com artilharia e morteiros, de todos os calibres, toda a frente da Divisão portuguesa, em especial no setor defendido pelo B.I.10. No dia 19 o Batalhão colaborou com a artilharia, morteiros médios e ligeiros, num bombardeamento de retaliação ao bombardeamento realizado pelo inimigo.

Em 31 de janeiro o Batalhão vai acantonar em La Gorgue.

No dia 11 de fevereiro, Francisco do Rosário baixa ao hospital de Sangue nº1, teve alta no dia 14 do mesmo mês.

No dia 2 de março das 5h00 às 8h00, o Batalhão encontrava-se em Chapinhy, o inimigo bombardeou fortemente a frente defendida pelo B.I.4, causando-lhe elevadas baixas, 3 Oficiais e 60 Praças. Um Pelotão da 2ª Companhia do B.I.10, que se encontrava na extremidade do flanco esquerdo, em ligação com o B.I.4, combateu com decisão e coragem.

De 17 a 31 de março o Batalhão encontrava-se em Riez Bailleul. Foi o período auge dos bombardeamentos dos Quarteis-generais, Comandos de Brigada e Batalhão. Começava-se a preparar o plano que se havia de pôr em prática a 9 de abril. O B.I.10 sofre duas baixas, vitimados por granadas.

A 31 de março o Batalhão retira-se para La Gorgue, para descanso.

 

A Batalha de La Lys – 9 de abril de 1918

De 6 a 9 de abril de 1918 o CEP conta apenas com a 2ª Divisão, porque no dia 6 do mesmo mês a 1ª Divisão se tinha retirado após um ano em operações. A 2ª Divisão, comandada pelo General Gomes da Costa desde 21 de março, assume temporariamente toda a frente do setor, com 11 km, ficando sob o comando tático do XI Corpo Britânico.

Como se pode visualizar no desenho acima, a norte ficava o setor da 4ª Brigada em Fauquissart, constituído pelos BI20 e BI8 conhecida pela Brigada do Minho, o BI 29 em apoio e o BI3 em reserva. Foi na união entre a 4ª Brigada portuguesa e a 40ª Divisão britânica a norte que teve lugar o ataque principal, a 9 de abril.

No setor central estava a 6ª Brigada em Neuve-Chapelle, constituída pelo BI1 e BI2, o BI11 em apoio e o BI5 em reserva.

No setor a sul estava a 5ª Brigada em Ferme-du-Bois, constituída pelos BI10, BI17, BI4 e em reserva o BI13. Esta Brigada tinha estado como reserva da Divisão até ao dia 6 de abril, estando apenas há dois dias naquelas posições. Neste setor sul teve lugar um ataque secundário, no entanto a 1ª Divisão inimiga que atacou era das melhores divisões alemãs.

De acordo com o plano de rendição, o BI10 seria o primeiro a ser substituído, pelo que esta unidade tinha começado a arrumar algum armamento e munições durante a noite de 8 de abril, o que não favoreceu a sua resposta perante o ataque na manhã de 9 de abril (Sousa, Pedro, 2018). “À noite o Batalhão recebeu a informação de que seria rendido no dia seguinte… é nesta confusão e com as malas preparadas para se sair do setor, que rebentam as primeiras granadas de 38mm de calibre, a anunciar a grande ofensiva sobre o front português, a dar início à grande batalha do Lys»” (Martins, D., 1995). Assim se dá o início da terrível batalha que marcou o fim do CEP.

Segundo informações de Dorbalino Martins transcrevemos as passagens referentes ao desempenho do BI10 (5): “Pelas 8h00, o inimigo penetrou na 1ª linha, onde se travou luta à baioneta, enquanto o mesmo sucedia à direita, na linha inglesa. A luta, nas linhas portuguesas, apenas terminou cerca das 10h00”.

Pelas 9h00 (Reportório do Comando do Batalhão): “Continua o bombardeamento sobre o Batalhão e sobre as linhas (…) com muita violência. Estou isolado delas e da artilharia, tendo empregado todos os meios para pedir S.O.S., incluindo os pombos correios. As ordenanças que vão às linhas não têm voltado (…) O inimigo está na 2ª linha, segundo informa uma ordenança”.

Pelas 9h30 (3ªCompanhia): às 9h30 a Companhia estava reduzida a 1/3 do seu efetivo inicial, «…apesar dos mortos serem poucos, relativamente aos muitos feridos.». A esta hora o inimigo tomou a 2ª linha, caindo os sobreviventes da companhia em poder do inimigo, como prisioneiros. É de assinalar o enorme sacrifício feito pela Companhia, já que apenas terminou o combate às 9h30, enquanto as tropas inglesas colocadas no seu flanco direito tinham abandonado a 1ª linha às 8h00.

Pelas 9h40, Retirada do Comando do Batalhão: “Em virtude de terem sido tomadas a 1ª e 2ª linhas, aparecendo junto do comando algumas praças da 3ª e 2ª Companhias e um Oficial destes garantindo-me que os alemães os perseguiam de perto, retirei-me com o Comando do batalhão…”

Pelas 11h00 (4ªCompanhia): O Comandante de Companhia, percebendo que o avanço do inimigo era certo, reuniu as suas ordenanças e, de abrigo em abrigo, retirou até Touret.

Baixas: 1ª Companhia: de um total de 85 homens, morreram 1 Sargento e 23 praças. Ficaram prisioneiros, o Comandante da Companhia, 2 Alferes, 4 Sargentos e os Soldados sobreviventes.

2ª Companhia: Prisioneiros “…entre outros…” 1 Tenente, 2 Alferes e 4 Sargentos, não existem números relativamente a mortos e feridos.

3ª Companhia: mortos e feridos – 1/3 do seu efetivo, prisioneiros – os sobreviventes.

4ª Companhia: mortos – 15 homens, prisioneiros «…Oficiais e Sargentos…».

A 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria 10 foi condecorada com a Cruz de Guerra de 1ª Classe pela bravura que demonstrou por ocasião da Batalha de 9 de abril de 1918, guarnecendo a extrema direita do setor português em ligação com as tropas britânicas, mantendo-se com a maior firmeza nas suas posições, opondo tenaz resistência ao avanço do inimigo até ser envolvida por forças extraordinariamente superiores, demonstrando coragem, patriotismo e alta compreensão do dever.

Estes Transmontanos “lutaram como uns Diabos” (6), lutaram até não poderem mais, Francisco do Rosário, tal como todo o contingente do CEP, estava destroçado, perdera muitos camaradas, lutara até ao seu limite, conseguiu sobreviver, graças à Senhora do Rosário a quem tanto rezou… mas perdeu amigos da terra… olhou para os destroços e só via destruição, sofrimento, dor, que miséria! Era hora de cuidar dos feridos e enterrar os mortos… Porém a Guerra ainda não tinha terminado…Nunca mais iria esquecer esta noite trágica, de um nevoeiro denso, a tentar dominar um ‘Adamastor’ que avançou sobre eles, sem dó nem piedade!

Francisco do Rosário não sabia que esta batalha do dia 9 de abril iria ficar para a história, como a Batalha mais sangrenta para o CEP.

 

A reorganização do CEP

Da organização do CEP, a 6ª Brigada foi a primeiro a ser extinta. Foi organizada uma 5ª Brigada nova com os sobreviventes da 6ª Brigada e formando 3 Batalhões. No 1º Batalhão estava reunido o BI17 com o BI11; no 2º Batalhão estava reunido o BI4 com o BI2 e no 3º Batalhão estava reunido o BI13 com o BI10. Mais tarde, a 11 de junho de 1918, foi extinta esta 5ª Brigada para se reorganizar uma nova 4ª Brigada, também com 3 Batalhões. Deste modo, o 1º Batalhão da 4ª Brigada reunia o BI3 com pessoal do BI10 e BI20; o 2º Batalhão reunia o BI8 com pessoal do BI13 e BI29; o 3º Batalhão reunia o BI11 com os BI2 e BI5. Francisco do Rosário a 12 de junho de 1918 foi colocado na 4ª Brigada (BI).

A 20 de julho a 4ª Brigada avançou de Ambleteuse para a região de Herbelles. A contraofensiva dos aliados teve início a 18 de julho, um mês antes da mudança do comando do CEP, que a 24 de agosto passou a ser comandado pelo General Tomaz Garcia Rosado. Esta Brigada seguiu posteriormente para a floresta de Nieppe, passando a operar na região de Merville como reserva de uma Divisão Britânica. A 20 de setembro o comando do V Exército britânico sugere uma nova reorganização para que a força portuguesa fosse uma Divisão Operacional. No entanto, o Comandante do CEP reorganiza-o com critérios mais humildes e realistas, reconhecendo o estado físico e moral das tropas portuguesas, pelo que em vez de querer ter uma Divisão operacional, resolveu criar nove Batalhões de Infantaria (Sousa, Pedro, 2018).

Quando Francisco do Rosário regressa a Portugal faz parte o 6º Batalhão. Traz consigo um mapa militar de 1916, onde escreveu que encontrou aquele mapa em Levantie depois da retirada dos Alemães.

A guerra termina a 11 de novembro de 1918 com a assinatura do Armistício. No entanto, Francisco do Rosário só regressou a Portugal no dia 15 de abril de 1919, com o 6º Batalhão, a bordo do “Miller”. Chegou a Lisboa dia 19 de abril.

Não temos nenhuma notícia do dia em que chegou à Palaçoulo, imaginamos que tenha seguido logo para Bragança e dali seguiu para a sua terra natal. Conjeturamos ainda que tenha sido recebido de braços aberto pela sua querida mãe, pelos seus irmãos e todos os seus amigos de Palaçoulo. Sabemos sim, que a sua mãe fez uma promessa à Padroeira de Portugal, Nossa Senhora da Conceição, que se ele voltasse da guerra vivo, ofereceria uma imagem da Padroeira à Igreja Matriz. Isabel Maria, mãe de Francisco do Rosário, cumpriu a sua promessa, ainda hoje a imagem de Nossa Senhora da Conceição encontra-se no Altar-mor da Igreja de Palaçoulo, aguardando um restauro urgente.

Francisco do Rosário retomou a sua vida em Palaçoulo e casou com Maria Ignácia Martins no dia 25 de fevereiro de 1922. Tiveram 4 filhos, 9 netos, 14 bisnetos e 12 trinetos.

Ao longo da sua vida foi respeitado pelos seus conterrâneos, visto como uma pessoa sábia e inteligente, pois era das poucas pessoas na aldeia que no início do século XX sabia ler e escrever. As pessoas mais velhas da aldeia caracterizam-no como uma pessoa reservada, não gostava de falar sobre a guerra, sabia falar francês porque tinha aprendido na Guerra, era a única pessoa da aldeia que recebia e lia o jornal. Em 1930 escreveu numa agenda, precisamente no dia 11 de novembro o seguinte: “faz hoje anos que foi assinado o Armistício”.

Em 1923 é eleito Tesoureiro da Junta de Paróquia da Freguesia de Palaçoulo, que tem de servir o triénio. No entanto, em 1924 passa a Secretário da Junta, função que ainda exerceu no ano seguinte (1925). Dia 3 de março de 1929 assina a ata da Junta como Secretário, mas o seu nome não consta dos membros da Junta, dia 21 de julho volta a assinar a ata e 15 de setembro, dia 6 de outubro. Em 2 de março de 1930 redige e assina a ata. Nesse ano só volta a assinar na ata do dia 21 de dezembro. Na ata de 4 de janeiro de 1931 fica deliberado que o cidadão Francisco do Rosário Fernandes ficasse novamente exercendo o cargo de Secretário da dita Comissão com o vencimento anual de 50 escudos. Na ata de 21 de setembro de 1931 Francisco do Rosário recusa servir de Secretário da Junta é então nomeado um outro cidadão para esta função.

Sabemos que desempenhou, durante vários anos, as funções de agente do Governador Civil.

Francisco do Rosário foi, sem dúvida, um cidadão de mérito que foi honrado em vida por todos os concidadãos, competente e responsável, soube entregar-se à causa pública e exercer funções relevantes, ao serviço das gentes da sua aldeia, na freguesia de Palaçoulo. Estamos gratos à sua memória, à sua História de vida.

 

Notas:

(1) http://5l-henrique.blogspot.pt/2017/09/o-batalhao-de-infantaria-10-na-grande.html, consulta em linha 1 de abril de 2018

(2) Teixeira, Major António J. – Regimento de Infantaria 10 – Breve resumo dos seus factos mais notáveis. Bragança, TIp. Académica, 1929.

(3) Oliveira, Maria José – Prisioneiros portugueses da primeira Guerra Mundial. Porto Salvo, Saída de emergência, 2017.

(4) Ficha de CEP de Francisco do Rosário

(5) Martins, Dorbalino (coord.) – Estudo de pesquisa sobre a intervenção portuguesa na 1ª Guerra mundial (1914-1918) na Flandres. 1995.

(6) De onde vem esta expressão.