“Negra não canta no Municipal!”: a vida de Maria d’Apparecida, um livro de Mazé Torquato Chotil

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“Negra não canta no Municipal!” Poderia ser este o cartão de visita de Maria d’Apparecida, a grande cantora lírica brasileira, admirada por Jorge Amado e Carlos Drummond. Ela ouviu essa frase no início da carreira antes de encontrar o merecido reconhecimento internacional em Paris. É então a vida de Maria d’Apparecida que a jornalista e escritora brasileira Mazé Torquato Chotil conta no seu mais recente livro “Maria d’Apparecida negroluminosa voz”.

A vida de Maria d’Apparecida começou periclitante – a sua mãe engravidou do patrão, sendo de imediato despachada para outra casa – e, depois de atingir o estrelato, terminou em 2017, aos 91 anos de idade, sozinha, morta na banheira do seu apartamento parisiense.

Uma vida dedicada à música, mas também ao cinema e à rádio, tendo sido igualmente musa do pintor francês Félix Labisse que a retratou em pelo menos 14 quadros.

Maria d’Apparecida perdeu a mãe ainda criança, tornando-se órfã. Apesar disso, continuou a viver na casa do “patrão” carioca e teve as mesmas prerrogativas das suas filhas, brancas, claro está, estudando francês e piano. Mazé Torquato Chotil considera que se ela tivesse sido enviada para o orfanato, hoje não estaríamos aqui a falar dela. “Se o Brasil de hoje é ainda muito racista, desigual, naqueles anos a situação era muito pior”, constata a escritora.

Em 1948, Maria d’Apparecida ganhou um concurso chamado “Rainha das Mulatas”, algo que hoje nos parece um arcaísmo do passado, mas que na época fazia todo o sentido. Perante a pergunta se considera que esse concurso de beleza foi essencial para a sua carreira posterior, Mazé Torquato Chotil responde negativamente: “acho que não. Quando ganhou o concurso, ela já era locutora de rádio, já estava no Conservatório, trilhando o futuro que gostaria de ter com a música. Ela era bonita e tinha um tanto de provocadora. Ganhar o concurso vejo como uma brincadeira, mas deve ter tirado proveito face a pretendentes. Em todo o caso, a sua madrinha, Dinda, que a criou depois da morte de sua mãe, não ficou nada contente”.

Como acontece tantas vezes, apenas o reconhecimento no estrangeiro obrigou o status quo brasileiro a admitir estar perante uma artista incomparável. Mas era demasiado tarde, Maria d’Apparecida, que nunca pediu a nacionalidade francesa, morrendo brasileira, preferiu ficar em França, talvez nunca perdoando ao Brasil a forma como foi tratada.

Mazé Chotil explica. “O seu sonho era fazer carreira no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a capital do Brasil na época, o grande teatro brasileiro, mas lhe disseram que negra não cantava ali. Ela tinha terminado o Conservatório de Música, ganhou um prémio na Itália. Perante esse preconceito racial, ela decidiu se expatriar para fazer carreira. Chegou em Paris numa turnê com o pianista e compositor Waldemar Henrique, passando antes por Lisboa e Madrid. Uma vez na capital francesa, fez aperfeiçoamento no Conservatoire National Supérieur de Musique et Danse de Paris e começou a trabalhar para chegar lá”.

E as “Marias d’Apparecidas” dos nossos dias, os afro-brasileiros e as afro-brasileiras de talento, continuam a enfrentar os mesmos problemas, os mesmos preconceitos raciais, dos anos 1950?

Mazé Chotil tem sentimentos ambivalentes. “A sociedade brasileira ainda é muito racista e desigual. Entretanto, nestes últimos tempos, depois da instalação da lei de cotas que garante vagas em escolas públicas e universidades para pretos, pardos e indígenas, temos visto uma pequena mudança que me deixa com muitas esperanças. Negros em todas as áreas do conhecimento começam a reivindicar sua parte na sociedade. Eles são a maioria na sociedade brasileira, estão forçando a sociedade a enxergar o quanto é racista e a mudar”.

 

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