Nossa Senhora das Trincheiras de Neuve Chapelle

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O livro de André Brun “A Malta das Trincheiras” lê-se como um romance, um romance feito de crónicas. Da extensa literatura escrita sobre as mais variadas formas, “A Malta das Trincheiras” é o livro de que o autor prefere (ler AQUI).

André Brun dirá desta sua obra que “é apenas uma documentação pitoresca, livro de crónicas e anedotas… olhos da minha cara, mortos da minha pátria…”.

Vem a este propósito a descrição que o autor faz no seu livro, cuja primeira edição saiu logo depois do fim da guerra, da Nossa Senhora das Trincheiras, páginas 58, 59 e 60.

Destas páginas transcrevemos algumas frases: “do que fora a igreja trouxeram Nossa Senhora, intacta como o Cristo e quando ali entramos, nós os Portugueses, fomos encontrá-la de pé sobre uma campa humilde marcada por uma cruz por este dístico encantador: ‘To an unknowned soldier’, a um soldado desconhecido. E ali está, a algumas centenas de metros de seu filho crucificado, aquela imagem sobre cujos dourados pesaram três invernos de neve, três verões de sol, tremendo a toda a violência dos bombardeamentos… E a imagem ali fica. A seus pés, em latas de comestíveis vazias, em frascos de Pickles abandonados, mãos rudes de soldados põem cada dia essas flores de trincheira, cujas raízes crescem na terra adubada pelo corpo decomposto dos heróis que não houve tempo de enterrar com uma cruz e um dístico… O seu sorriso de bondade, aquele sorriso que alumiava a capela onde outrora estava repousada e acolhia as súplicas dos corações seus devotos, vai desaparecendo da sua face carcomida onde há salpicos de lama. Só fica o gesto protetor dos seus braços abertos estendendo-se sobre a campa do ‘unknowned soldier’ e também sobre nós, soldados desconhecidos da Grande Guerra”.

André Brun descreve, romantiza os acontecimentos, contudo sem sempre os localizar.

A descrição que nos faz da Nossa Senhora das Trinchas podemos provavelmente localizá-la ao meio da linha de defesa portuguesa que ia de Fauquissart a Festubert, mais precisamente em Neuve Chapelle.

Neste setor estavam presentes, no início da Guerra, tropas inglesas que os Portugueses substituíram a partir de 1917.

Em março de 1915 desencadeia-se ali uma batalha terrível, que ficará conhecida como a Batalha de Neuve Chapelle. A aldeia é completamente destruída.

Estamos em 1918, André Brun escreve sobre a Nossa Senhora das Trincheiras: “aquela imagem sobre cujos dourados pesaram três invernos de neve, três verões de sol”.

Nossas Senhoras das Trincheiras terá havido várias, contudo, coincidência ou não, a história tem destas coisas, historia que reaparece 90 anos depois, acontecimento que fica para a história de família, famílias, de um lugar, a Igreja de Neuve Chapelle.

Transcrevemos carta enviada em 2008 por Julien Moreau a Bernadette Lieven, esposa do Maire e animadora leiga da Pastoral da localidade. Aqui se fala de cidadão inglês cujo nome muito tem de português, D’Lima Damian: “Chamo-me Julien Moreau, sou francês e resido na Bélgica. Tomo a liberdade de vos transmitir o presente correio, Madame Lieven, para vos testemunhar uma bela história contada por um amigo que me pediu de ser o elo de transmissão. Este amigo inglês, trabalha comigo na OTAN, chama-se Damian D’Lima”.

Transcrevemos para português: “Na minha terra natal, na Inglaterra, vivia um idoso chamado Sydney Calver. Fez parte da 2ª Brigada de Fuzileiros durante a Primeira Guerra Mundial. Contou-me que em março de 1915, como soldado de infantaria, entrou na aldeia de Neuve Chapelle durante um grande ataque contra os Alemães que controlavam a aldeia. Na aldeia completamente destruída encontrou refúgio nas ruínas da igreja. Descreve uma visão de uma violência terrível, com os antigos túmulos completamente destruídos, cujos ossos se misturaram aos dos soldados mortos durante a batalha. Quando tentava proteger-se deparou-se na capela com uma imagem em mármore da Virgem Maria, quebrada. Conseguiu sobreviver naquela manhã graças à dita Santíssima Virgem que o havia protegido, ele que era católico. Recolheu todos os bocadinhos partidos da imagem que meteu no bolso antes de deixar a aldeia”.

“Sydney Calver sobreviveu à guerra e voltou para a Inglaterra em 1918, levando a Virgem Maria consigo. Reuniu todos os pedaços e jurou devolver a relíquia a Neuve Chapelle. Como muitos homens de sua idade, nunca mais saiu da Inglaterra, faleceu em 1973. O seu neto está casado com a minha irmã, o que explica a nossa ligação! Arrumou recentemente a casa do seu falecido pai, e a história da Virgem Maria ressurgiu, o da família desejar cumprir aquilo que o avô não conseguiu, devolver a imagem a Neuve Chapelle, o que explica o meu pedido de sua ajuda” diz a carta. “Pesquisei na internet, a vila foi completamente destruída em 1915, mas uma nova igreja foi construída e um Jesus na cruz foi salvo e colocado no interior da igreja. Gostaríamos muito de encontrar alguém, o padre ou alguém da Mairie, que aceite recuperar este artefacto, passados que são mais de 93 anos. Pode marcar um contato? A minha irmã e o seu marido, Geoff Calver, vêm-me visitar no fim de semana de 10 e 11 de maio. Gostaríamos de ir a Neuve Chapelle no sábado, se possível. Como você compreendeu, o meu francês é muito mau, razão pela qual preciso que traduza esta história, para que faça sentido para a pessoa que nos vai receber”.

A carta trazia em anexo uma foto da Virgem. “No verso está inscrito: ‘recuperado em Neuve Chapelle na manhã de uma grande batalha. TS Calver’. Tem 25 cm de altura, não tem valor monetário, mas claro que tem uma grande história por trás. Além disso, acho que você concorda que algo que pertence à França deve voltar para a França”. O correio foi assinado por Damian D’Lima.

Uma cerimónia foi organizada no sábado 10 de maio de 2008 por Bernadette Lieven, animadora do Doyenneté du Béthunois e pela sua equipa. A municipalidade de Neuve Chapelle ofereceu o copo de honra. O Padre que presidiu à cerimónia, Bienaimé, e que recebeu oficialmente a relíquia, disse do significado do gesto: “trata-se de um acontecimento testemunha da esperança de uma Europa unida, fraterna… e uma lembrança concreta dos nossos antepassados que há 90 anos colocaram fim a uma guerra sanguinária que jamais devemos esquecer”.

O jornal local, La Voix du Nord, do 13 de maio de 2008 escreve em título: “Um descendente ‘poilu’ traz de volta o talismã do seu avô” (ler AQUI)

Em 1918 termina a Grande Guerra e a lenda do Cristo das Trincheiras é por todos evocada, como recordação pessoal, na literatura dos combatentes do Corpo Expedicionário Português (CEP). Quarenta anos depois parte de avião, a 4 de abril de 1958 o Cristo das Trincheiras de Neuve Chapelle com destino à Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha, onde permanece.

Cinquenta anos depois, a 10 de maio de 2008, é restituída a Neuve Chapelle, vinda da Inglaterra, a imagem de Nossa Senhora das Trincheiras trazida por um neto de soldado inglês de nome Damian D’Lima.

A história é construída por factos reais e por lendas. Onde começa um? Onde termina o outro?

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