Notre Dame/João Heitor: “O meu refúgio nas tardes cálidas de verão”

Cerca de 48h após o incêndio, o Governo francês bem como instituições e empresas privadas estão a fazer planos para a reconstrução de Notre Dame. João Heitor, livreiro-editor e que teve uma livraria perto de Notre Dame, recordou os seus ‘momentos’ com a ‘velha senhora’ e admitiu que não conseguiu conter as lágrimas perante o incêndio.

Qual é o sentimento após o incêndio?

O meu sentimento é de uma profunda tristeza e ao mesmo tempo de uma reflexão profunda: o incêndio não será um aviso à falta de fé dos valores humanistas veiculados pelos Evangelhos, à falta da autenticidade da Igreja embaralhada nas histórias de pedofilia, à propagação da ganância no homem de hoje? Tudo é efémero nesta vida, tudo pode cair como um pináculo da catedral, tudo da nossa vida se pode reduzir a cinzas.

Quando soube do ocorrido, o que fez? Foi até ao local?

Estava a trabalhar em casa da minha filha que está a 15/20 minutos a pé da catedral Notre Dame. Coxeando fui até à Notre Dame. Vi as labaredas e o fumo, não consegui conter as lágrimas. Fiquei até de madrugada na margem do Sena. Paris estava embrulhado numa beleza surrealista, uma beleza que se afasta da razão e do real causando estranheza, um absurdo…

Esteve durante largo anos ao lado desta ‘velha senhora’, o que representa Notre Dame para si?

Pelo meu viver quotidiano neste bairro, a Notre Dame era para mim quase como a Igreja da Meda onde está a casa dos meus pais, agora vazia. As “cloches” da Notre Dame era como “Oh! sinos da minha aldeia” num poema de Fernando Pessoa. Era o meu refúgio nas tardes cálidas de verão dormindo nos bancos ao som do órgão. Era um lugar “universal” onde os homens e mulheres de todas as cores, de todos os credos, de todas as condições entravam em comunhão numa onda de espiritualidade.

O que espera agora da parte das autoridades?

Pelo que vejo, não faltara dinheiro. As maiores fortunas de França, as Grandes fundações já prometeram dinheiro. As placas de publicidade dessas fortunas e fundações serão colocadas nos andaimes dos trabalhos de recuperação. Quando o turbilhão passar, depositarei dois pobres “tostões” para a recuperação deste símbolo da nossa Cultura, da nossa História Ocidental. Gostaria que o Povo de Deus, os Cristãos de todo o mundo fossem os principais “pedreiros” desta reconstrução, fossem as pedras vivas da Notre Dame com as suas dádivas.

 

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