Opinião: O voto radical dos Emigrantes ou a lição à classe política portuguesa?


Com a eleição de dois dos quatro Deputados, o Chega ganhou as eleições nos círculos eleitorais da emigração. Durante os três dias de contagem dos votos, à medida que as tendências do resultado iam sendo conhecidas, as redes sociais encheram-se de comentários “depreciativos” contra os emigrantes.

Mas só quem não conhece o contexto da emigração é que ficou surpreendido.

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Nesta campanha eleitoral, a emigração passou despercebida. Falou-se muito de “novos” emigrantes, de “jovens licenciados que estão a deixar o país”, mas o “grosso” da emigração são os 4, 5 ou 6 milhões de Portugueses que moram no estrangeiro (é demasiado estranho que Portugal não saiba quantos emigrantes tem). Desses… ninguém falou. Nem políticos, nem jornalistas.

No círculo eleitoral da Europa, as eleições ganham-se (ou perdem-se) em França, onde está quase metade do eleitorado. Apenas dois Partidos apresentaram candidatos cabeça-de-lista de França, três ou quatro apresentaram candidatos de outros países da Europa e, na maior parte dos casos, os cabeça-de-lista são verdadeiros “paraquedistas” que nem se dignaram fazer campanha nas Comunidades.

Todos os líderes dos Partidos falam nos “nossos emigrantes” (os emigrantes detestam que se refiram a eles dizendo “nossos emigrantes”) mas depois consideram-nos demasiado “totós” para serem candidatos.

E, enquanto os líderes dos Partidos políticos estavam em campanha eleitoral pelos diferentes distritos do país, nenhum se dignou fazer campanha na emigração. Nenhum… exceto André Ventura!

Neste círculo eleitoral, o PS e o PSD, que têm partilhado os Deputados, apresentam os mesmos candidatos há cerca de… 20 anos!

As reivindicações dos emigrantes são conhecidas. Existem há muitos anos, só que ninguém tem pachorra para as resolver. Por exemplo, o facto de um terço dos votos dos emigrantes ser considerado nulo porque não tem uma cópia do Cartão do Cidadão.

Não é verdade que os Emigrantes “não leram bem as instruções”. Os Emigrantes queixam-se há muitos anos que não querem enviar a cópia do Cartão do Cidadão pelo correio. O Cartão do Cidadão é pessoal e intransmissível. Quem garante que a carta não é intercetada e não é dado uso indevido ao Cartão do Cidadão?

Há anos que é assim. Há anos que os Emigrantes dizem que não querem enviar a cópia do Cartão do Cidadão. Há anos que quem governa o país faz “orelhas moucas” e não resolve o problema.

Durante a campanha eleitoral anterior a esta, os dois candidatos do Partido Socialista pelo círculo da Europa prometeram levar o Voto Eletrónico para discussão no Parlamento. Depois de terem sido eleitos, foram os primeiros a vir dizer que afinal… não é seguro.

Os Franceses residentes no estrangeiro podem votar pela internet, mas para os Portugueses residentes no estrangeiro não estava garantida segurança? Até para um teste votaram contra…

Para estas eleições votou-se pelo correio. Daqui por uns meses, para as Europeias, o voto é presencial (tal como para as Presidenciais). O que justifica que para uma seja assim, e para outras ser assado? É como se tivéssemos apenas uma mesa de voto em Bragança para todo o país. Quem iria votar?

Por exemplo, um Português que resida na Guadeloupe, tem de apanhar um avião durante 9 horas, para ir votar… no Consulado de Paris. Ninguém acha isto estranho?

Em duas décadas, só em França foram encerrados 12 Consulados. Portugal deixou de ter uma rede com 17 Consulados para passar a ter apenas 5 Consulados em França.

Para tirar um simples Cartão do Cidadão, um Português que resida em Bayonne, tem de se deslocar a Bordeaux, que dista de 200 km. Alguém pode suportar uma coisa destas?

Ainda há pouco tempo, para ter uma marcação para renovar o Cartão do Cidadão era preciso esperar mais de meio ano no Consulado de Paris (o maior Consulado português no mundo). Meio ano!

Nos anos 90 havia cerca de 450 professores de Português a lecionar em França. Hoje há uma centena. O próprio Embaixador de Portugal em Paris disse recentemente que há mais alunos a aprenderem português no Senegal do que em França!

Aliás, de uma só vez, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas suprimiu 40 professores nas férias de Natal. Os alunos tiveram aulas de setembro a dezembro e quando regressaram à escola, em janeiro, disseram-lhes que já não tinham professores de português. Que agressividade para estes pais que insistem em ensinar português aos filhos!

Todos os anos, há milhares de pais que preenchem os formulários das escolas e escolhem o ensino da língua portuguesa. Nem resposta têm! Ignoram-nos.

O Conselho das Comunidades Portuguesas, órgão de consulta do Governo em matéria de Comunidades, eleito por sufrágio universal, deve ser eleito todos os 4 anos. No último mandato, os Conselheiros estiveram à espera… mais 4 anos até o Governo decidir enfim convocar eleições. Um mandato de 4 anos, transformou-se num mandato de 8 anos. Nenhum Deputado reagiu, infringindo assim as leis que eles próprios votaram.

Só em França há cerca de 8.000 autarcas com origem portuguesa. É uma rede enorme, mas há Portugueses eleitos também nos Conselhos Departamentais, nos Conselhos Regionais e na Assembleia Nacional há 4 Deputados com origem portuguesa. Quando são eleitos, nem uma carta de felicitações recebem. Não custa nada, dizer-lhes apenas que Portugal conta com eles…

Agora, o próximo Primeiro-Ministro vai ter de escolher um Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. António Costa escolheu José Luís Carneiro, depois Berta Nunes e depois Paulo Cafôfo! Nenhum deles estava preparado para assumir estas funções. O mandato acabou por sair bem a José Luís Carneiro, mas foi por acaso. Esperamos que desta vez, o Primeiro-Ministro escolha alguém que conheça as Comunidades e não alguém a quem seja necessário dar uma função governativa.

Há uma outra razão de protesto. Em qualquer distrito do país, o número de Deputados depende do número de eleitores, exceto na emigração. Quando tínhamos 300.000 eleitores tínhamos 4 Deputados, e agora, com 1,5 milhões de eleitores, continuamos a ter 4 Deputados.

Desengane-se quem pensava que a cidadania estava relacionada com a nacionalidade. Desengane-se quem pensava que todos os Portugueses têm o mesmo peso eleitoral. Desengane-se quem garante que não há Portugueses de primeira e Portugueses de segunda. O meu voto (eu voto em Paris) não tem o mesmo peso que o voto da minha família que mora em Portugal.

Nenhum partido quer ouvir falar de proporcionalidade nos círculos da emigração. Todos defendem, descaradamente, a discriminação.

Com tudo isto (e muitas coisas mais), quem dera que este voto de protesto dos Emigrantes venha fazer refletir os líderes partidários, os próximos governantes e os novos 230 Deputados.

Esperando que não continuem a assobiar e a olhar para o lado!
O Chega é a solução de todos estes problemas? Claro que não. Mas essa é outra história.

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Carlos Pereira
Diretor do LusoJornal
Antigo Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas
Presidente da SEDES Europa