Passagem de fronteira: Encontro com a PIDE

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Saída de São Bento.

O comboio acaba por avançar lentamente, com precaução.

Tanto fora como no interior, tudo às escuras, como se estivéssemos numa zona de guerra!

Nem uma pequena luz se pode adivinhar como encravada na rocha deste túnel.

Sem uma, nem duas, o comboio acaba por parar e volta para trás.

Ouço minha mãe comentar:

Meus Deus, o comboio tem um problema qualquer para ter de regressar a São Bento.

Efetivamente deparamos com a Estação que nada tem a ver com a do nosso ponto de partida, visto estarmos na de Campanhã!

Tão pouco tempo de viagem e já chegamos a uma nova cidade que eu desconheço, sempre debaixo de terra!

Minha mãe sente-se perdida e eu perturbado, sem perceber o que se passa, em alerta como «um gato à espera do rato».

Enfim, vamos ver o que isto vai dar… uns dez minutos mais tarde, o comboio retoma a sua viagem.

Poucos minutos depois, novo susto!

Saímos da roca, surge uma ponte de ferro e da minha janela avisto o Rio Douro, lá em baixo, majestoso.

O «animal» reduz ainda mais a velocidade e a ponte Dona Maria Pia treme como uma criança cheia de medo! Estou pronto a cair no Rio Douro com o comboio, morrer afogado, mas talvez seja melhor saltar para a água como um sapo na sua poça refúgio.

Não sei quem treme mais!

O comboio?

A ponte com o comboio?

Todos os passageiros em conjunto com a ponte e o comboio?

Os meus dentes ainda de rapazinho?

Por fim alcançámos a margem sul do lado de Gaia.

Graças a Deus por nos proteger desta situação perturbadora, também graças aos cálculos realizados pelo Sr. Luís Eiffel, Arquiteto desta ponte! Engenheiro ilustre francês, desenhador da famosa Grande Dame em ferro e podendo ser avistada de qualquer ponto da cidade luz, Paris.

Quando chegámos à Estação de Cantanhede apercebo-me que a minha mãe já parou de chorar todas as lágrimas disponíveis.

O comboio para no seu percurso sem qualquer justificação e quanto a mim, apenas me apetece fugir para regressar a casa e me esconder numa mina de água para regadia, existente na quinta de meus avós.

Mil ideias passam por minha cabeça, com muita pouca coragem para as executar.

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Lá vamos nós novamente para o Sul, terras mais quentes, cheias de esperança para quem já fugiu das aldeias, sem ter de se aventurar para o norte com terras mais frias, como está a acontecer hoje, com a minha família, mais preocupada com esta viagem, ainda sem pensar no futuro e potenciais que um novo país nos reserva, para mim e para os meus irmãos.

O destino final deste «bichinho» tão imprevisto no seu percurso de ligação intercidades norte/centro, será Lisboa.

Como será que a gente vive em Lisboa?

Pensando nesta ideia, mais outra tristeza, para ainda imaginar tudo o que vou perder por ser ainda miúdo, sem nenhum poder de decisão, totalmente dependente da escolha de meus pais.

Os meus colegas fizeram-me um relato muito breve sobre a gente e os usos da Capital. As meninas têm uma pele muito branca, as mulheres nenhum pelo nas pernas, os homens vestem casaco chique sempre com gravata e chapéu no domingo.

Vou deixar esses diversos e inúteis pensamentos de lado, para me concentrar sobre a próxima obrigação em descer deste comboio na estação da Pampilhosa.

Assim indica o itinerário preparado em casa numa folha de itinerário para respeitar.

Teremos essa descida prevista do lado Nascente, com um patamar de separação entre a Linha Norte-Sul e a Linha da Beira Alta.

Atravessámos esse espaço e entrámos de imediato no Grande Expresso proveniente de Lisboa e já à nossa espera.

Cá para mim, imagino esse comboio com um enorme pára-quedas fixado lá na ponta do comboio, na última carruagem que não consigo ver, para o ajudar a reduzir a sua alta velocidade, facilmente imaginável com um nome tão prometedor de “Grande Expresso”.

A estação da Pampilhosa é conhecida como estratégica para ligar as duas grandes cidades portuguesas com toda a Europa.

Na verdade, o Grande Expresso chegou lentamente, como desconfiado desta gente do Norte.

É verdade que estamos muito longe da fineza dessa gente de Lisboa, já instalada depois da partida de Santa Apolónia.

Quanto a nós, temos mais aspeto de quem se preparou para ir à missa num dia de romaria, do que a malta da cidade.

Acabámos por colocar a nossa pouca riqueza no espaço apropriado para bagagens, sentámo-nos de olhos atentos para que ninguém nos fuja com o nosso merendeiro, único tesouro para quem não vai poder usar a carruagem restaurante.

O comboio “Grande Expresso” entra em partida e com a minha antecipação habitual, resolvo procurar a melhor maneira de me preparar para poder suportar a aceleração, pois penso eu que vai ser enorme.

Afinal tal não vai acontecer…

Lentamente, este “lagarto mecânico” retoma a sua viagem lenta, incerta, para enfim, entramos na zona montanhosa da Guarda, a mais alta de Portugal Continental.

Demoradamente, conseguimos chegar a Vilar Formoso, já perto das sete horas da tarde, recordo que saímos do Porto às dez horas da manhã…

Os dias já diminuíram, o sol ainda ilumina a Estação com uma cor linda e quente.

Mais quente, quase a arder, estou eu, só em pensar o que poderá acontecer com a passagem da fronteira, à saída de Portugal. O que mais me choca é ver poucos passageiros subir para este comboio agora parado. No entanto, noto homens não fardados a invadir o comboio como se algum ladrão aqui se tivesse escondido!

De repente esses homens de chapéu e gabardina infiltram-se na nossa viatura para nos exigir a documentação. Eu como miúdo ainda não tenho consciência da importância desta introdução que não compreendi.

Apenas me recordo, mais uma vez, das últimas recomendações de minha mãe antes de sairmos de casa.

– Cuidado meus meninos, quando as autoridades vos perguntarem por que razão vamos para França, a resposta será esta, sem mais nenhum outro comentário: Vamos ao encontro de nosso pai, porque este esqueceu-se de nós e queremos-lhe fazer uma linda surpresa.

Assim irá acontecer com o interrogatório ao qual minha mãe vai ter que responder à primeira.

– Minha senhora, há algo que não parece nada claro, para bater certo o seu passaporte.

– A senhora declara ir ao encontro de seu marido?

– Por que não tratou de obter um passaporte como emigrante?

Minha mãe acaba por responder, assustada como se tivéssemos já a caminho da prisão.

– Olhe, Senhor, a minha vida é um inferno.

– Tive informação de que meu marido arranjou uma amante em França e já não nos escreve há mais de meio ano!

– Eu arranjei este passaporte e vou-lhe aparecer com os filhos, para ver se o salvo da perdição.

– O objetivo será de regressar novamente, todos para a nossa linda terrinha da Lixa. Disseram-me que as francesas são “muito libres”, no entanto, respeitam a família com filhos como eu.

O Polícia acaba por deixar a minha mãe em paz, mas como duvidando, dirige-se a mim:

– Olha rapaz, diz-me uma coisa: O vosso pai é vosso amigo?

Eu, com a voz a tremer respondo:

– Sim, era muito nosso amigo, embora isso já passou. Agora não quer saber de nós.

O Polícia em civil completa:

– Olha outra coisa que quero saber: Podes-me indicar o que é que teu pai fazia antes de emigrar para França?

Para mim de responder:

– Meu pai era operário na construção civil, muito trabalhador.

Última pergunta do agente:

– Olha, o teu pai gosta de ler jornal e falar de política?

– Não, nem uma, nem a outra coisa. O meu pai não sabe ler e ainda menos escrever. Agora sim, gosta muito de nos levar todos os domingos à missa e nunca faltamos um terço durante o “Mês de Maria”.

O Agente levanta a mão para endireitar o chapéu e comenta o que tanto esperávamos.

– Tudo bem, sigam viagem e vão à vossa vida.

– Boa viagem minha senhora e boa sorte para resolver o seu problema com seu marido.

Chegamos a Fuentes de Onoro, a primeira Estação Espanhola.

Paragem bastante demorada e com novo controlo por parte de los Guardias Civiles Espanhóis.

Passaporte à vista e nada de especial para contar como marcante.

Penso que o maior perigo para nós, Portugueses, já está ultrapassado.

Vamos agora descobrir terras de Espanha.

Manuel Maia Teixeira

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