LusoJornal / Marco Martins

Pedro Mendes, primeiro português na formação de Alain Ducasse

O Chef francês Alain Ducasse tem uma escola que propõe todos os anos uma formação de uma semana aberta a todos, quer sejam franceses, quer sejam estrangeiros. Este ano a formação «Les Rencontres Etoilées» decorreu de 3 a 7 de dezembro e contou com um cozinheiro português, Pedro Mendes.

Foi a primeira vez que um cozinheiro português participou nessa formação. Pedro Mendes, de 44 anos, nascido em Lisboa, é o Chef do restaurante do Alentejo Marmòris Hotel & Spa, situado em Vila Viçosa.

O LusoJornal teve a oportunidade de encontrar Pedro Mendes, que conseguiu um outro feito na sua carreira, pôr os Portugueses a comerem bolota. Mas antes disso, falamos da formação em Paris, da sua carreira, e claro… da bolota.

 

Como surgiu essa oportunidade de fazer, em Paris, esta formação Alain Ducasse?

Na cozinha, e na maioria das profissões, se acharmos que já sabemos tudo, é o dia em que nós acabamos por morrer na praia. Eu andava à procura de mais uma formação para aprender mais coisas. A França fez um trabalho notável nas últimas décadas em termos de gastronomia e eu tenho uma grande admiração pelo trabalho aqui feito, e claro pelo Senhor Alain Ducasse. Algo curioso que aprendi é que dizemos sempre ‘Chef’ nas cozinhas, mas os verdadeiros Chefs são chamados ‘Senhor’, é um sinal de respeito. Eu tenho muito respeito pelo trabalho dele e pelo que tem feito pela gastronomia francesa, mas igualmente pela inspiração que ele tem sido para os vários Chefs no mundo inteiro, inclusive para mim. Andava então à procura de mais uma formação, e mandei um pouco ao acaso um mail para a formação «Les rencontres étoilées», onde se faz uma abordagem dos quatro restaurantes com três estrelas do Guia Michelin do Senhor Alain Ducasse, dois em Paris, um em Londres e um no Monaco. Enviei sem muitas esperanças, era o português do Alentejo, mas quando ia receber uma mensagem a dizer que era recusado, ia procurar outra formação. Mas não, foi com grande alegria que fui escolhido para entrar neste curso que tem um limite de vagas de 10 pessoas por ano. Foi uma boa surpresa e foi uma grande viagem.

 

Que reação teve quando soube que foi escolhido?

Parei o carro, gritei, parecia um miúdo no Natal quando recebe um brinquedo. Recebi a confirmação através de um telefonema. Tive uma senhora com quem falei 30 minutos ao telefone, e no fim ela disse que ainda tinham uma vaga e se estava interessado. Eu disse logo que sim. Mas também acho que ela testou-me durante meia hora, tudo em francês. «Je me débrouille» (risos).

 

É complicado fazer uma formação em Paris, neste caso em Argenteuil?

Não. Acho que o mundo está cada vez mais pequeno e tenho tido a sorte de ter sido sempre um aventureiro. Desde os 19 anos que viajo sozinho, e nunca me atrapalho. Agora o mundo também está cada vez mais pequeno, e antes, as viagens eram muito mais caras. Hoje em dia conseguimos voos algo bastante baratos. Eu não tenho problema em ir sozinho para sítios. Não tenho problema em ficar sozinho, num hotel perto de onde quero estar e barato. Um curso destes é um investimento.

 

Que sentido teve de fazer este curso limitado a 10 cozinheiros?

Havia quatro Franceses e seis estrangeiros. Eu sou o primeiro Português a participar nesta formação. É bom ser diferente, eu gosto de ser diferente naquilo que faço. Mas sobretudo eu sinto-me um privilegiado por ter tido esta oportunidade. Acho que temos sempre de agradecer aos nossos professores, aqueles que nos ensinam, aqueles que nos dão oportunidades. Tenho tido alguma sorte, mas essa sorte tem-me dado trabalho. Deu-me muito trabalho para chegar aqui e para mim de facto é mais uma formação, muito intensa, muito rica e vou andar por aqui uns meses a digerir isto. Aliás o resto da vida vou andar com esta formação na mente, e seguramente não será a última. Estou muito contente.

 

O que fizeram nessa formação?

Tem muito a ver com técnicas e também passa pela troca de experiências. Nós não fazemos apenas comida para comer, há também uma história, uma filosofia atrás disto. Eu costumo dizer que, se olhar para a minha carta, pode me perguntar a história de qualquer um dos pratos porque todos têm uma história e nenhum foi feito ao acaso. Depois cada Chef tem uma filosofia. Claro que todos podemos ficar influenciados. Trocamos experiências. Disse a um dos Chefs que pus a comer bolotas aos Portugueses, e ele quer mais informações. Acho que aprendemos sempre, e eu até digo que aprendo dos meus estagiários. É esse espírito que quero levar comigo.

 

Como teve essa ideia da bolota?

Eu digo muitas vezes que tropecei numa bolota, meti à boca e achei que era bom. Depois andei a fazer pesquisas sobre isso. Na internet não encontrei nada, e as pessoas até me chamaram ‘maluco’ a dizer que isso não se comia. Eu consegui arranjar uma saco de bolotas, perguntaram-me se tinha um porco, eu disse que não. Andei a fazer testes, saíram-me bem, achei que aquilo tinha potencial. Pesquisei nas bibliotecas e percebi que o povo lusitano comia bolotas, era normal. Depois dos descobrimentos vieram as batatas e os cereais. A bolota foi esquecida e deixada para alimentar os animais. Decidi fazer um livro sobre as bolotas. Durante dois anos fui o ‘maluquinho’ e finalmente o livro saiu e cinco anos volvidos, até já se fizeram conferências sobre a bolota na alimentação humana. Já há muita gente a trabalhar o produto. Há biscoitos, bolos, até pastéis de nata, e eu desenvolvi um gin de bolota. Fiquei muito contente com isso. Há outras coisas que uso como as algas. Não percebia porque não se utilizava visto que há tantas. Acho que a cozinha nasce da subsistência, da necessidade. No Alentejo, há produtos pobres e depois evoluem para algo rico, é uma cozinha de aproveitamento. Eu pego em alimentos e digo, se eu tivesse fome, comia. Então faço testes. Ando sempre a testar. As algas é um recurso com mais de 600 diferentes. Podemos apanhar na praia, lavar e comer sem nenhum problema. Ando a trabalhar isso há muitos anos. Eu gosto de inovar. Quero procurar coisas novas para surpreender, isto não para.

 

De onde vem a paixão pela cozinha?

Eu já cozinhava em casa. Tinha uma especialidade, o arroz maluco. Tinha talvez oito anos quando cozinhei pela primeira vez. Sempre gostei de cozinhar para a família, mas não me passava pela cabeça ser cozinheiro. Eu sou de uma família tradicional onde era importante ir para a faculdade. Aquilo estava definido e não se pensava em fazer outra coisa. Tinha de escolher um curso superior para ir para a faculdade. Nunca tinha encarado a cozinha como uma profissão. Aos meus 29 anos, num momento em que estava estudar direito, mudei de via.

 

Primeiro restaurante aos 29, e agora no restaurante de um hotel 5 estrelas?

Acho que houve sorte no meio, mas deu muito trabalho. Mas também dei muitas cabeçadas na parede. Não há evolução sem quedas. As pessoas não têm de ter medo de errar, têm de errar. Aprendemos com os erros e podem nos servir para o futuro. Eu dei alguns, estive bastante em baixo, mas isso fiz-me crescer, e hoje não me vejo no restaurante onde estava quando comecei isto tudo. Hoje agradeço que tudo tenha corrido assim mesmo se foi desagradável. Pensei que o mundo estava a cair à minha volta, mas afinal não foi o caso, bem pelo contrário. Agora estou no Alentejo Marmòris Hotel & Spa, há cinco anos. Um hotel de cinco estrelas em Vila Viçosa, a 180 quilómetros de Lisboa, é perto. Acho que tudo aconteceu por causa da bolota e aproximei-me do Alentejo. É um símbolo alentejano. Sinto-me como peixe dentro da água, e as criticas têm sido muito boas. Aliás estive em Paris para continuar a minha evolução.

 

Aprendeu tudo de A a Z como cozinheiro?

Tive de aprender tudo sozinho. Não tinha tempo para estudar. Faço formações quando posso, e li muitos livros. Não foi fácil porque também tive o meu filho nessa altura, mas com muito amor e muita paixão, consegui. O que distingue o bom profissional do médio, é o amor que temos para fazer o nosso trabalho. Eu adoro trabalhar carnes, sobretudo a carne de porco como estou no Alentejo, os peixes e os legumes.

 

O que representa Alain Ducasse?

Alain Ducasse é um grande professor para qualquer cozinheiro. Alain Ducasse tem um percurso de grande profissional, é uma inspiração. Para mim, esta formação não é para copiar as receitas do Alain Ducasse. Isso não tem interesse, o que eu quero é perceber a filosofia que está por detrás do trabalho deste homem. É perceber como ele chegou onde chegou. Eu não tenho a ambição de fazer igual, mas sim quero ter sucesso. Tenho muito respeito por ele. Quero aprender técnicas para depois utilizá-las. E gostaria que o Senhor Alain Ducasse viesse provar a minha cozinha.

 

O que podemos dizer entre a cozinha portuguesa e a cozinha francesa?

O mundo está muito globalizado. Encontrei aqui produtos de qualidade, como também temos em Portugal. Em Portugal temos peixe incrível, e acho que é melhor que aquele que se encontra por Paris. Há outras coisas em França que são melhores também. O que marca a diferença entre um país e outro, é que os Franceses souberam promover-se com a gastronomia, há décadas, e em Portugal só estamos a acordar agora. Os Franceses conseguiram vender ao mundo que têm a melhor cozinha do mundo, e de facto têm uma gastronomia excecional, mas não sei se será a melhor do mundo. Venderam-na como tal e tiveram razão. Acho aliás que não há que entrar no jogo de ‘qual é a melhor’. Há bons e maus em qualquer lado. Os Franceses têm uma reputação acima da nossa. O que espero da gastronomia portuguesa é que consiga chegar à mesma altura do que a francesa, não precisamos ser melhores (risos). Em Portugal estamos no bom caminho.

 

Como podemos ver então a gastronomia portuguesa?

Acho que a grande vantagem que temos, é que em qualquer segmento de restaurantes, desde o mais barato até aos mais caros, temos uma cozinha, em regra, muito honesta e muito bem feita. Temos produtos excelentes, temos cozinheiros fabulosos e tenho muitas receitas. Para um país pequeno, temos uma variedade de cozinhas incrível. Vale a pena experimentar, vale a pena passear por Portugal e encontrar novos sabores. Vale a pena viajar e não ficar apenas na nossa ‘terrinha’. O país é nosso.

 

Já faz parte do Guia Michelin a publicação francesa?

Estamos presentes no Guia Michelin com um prato e dois talheres. O que já é uma boa referência. Quer dizer que temos uma boa cozinha para o Guia. Vamos trabalhar e ver o que temos no próximo ano. No Guia Michelin há as estrelas, que vão até às três no máximo, e antes temos o prato. Temos um prato, já não é mal.

 

Ambição é ter uma estrela?

Claro que sim. Qualquer cozinheiro quer ter uma estrela. É um reconhecimento para um cozinheiro mas sobretudo para o restaurante. Queremos esse reconhecimento.

 

Guia Michelin Ibérico foi apresentado em Lisboa…

O Guia Michelin é francês, e gostaria que mais Franceses visitassem os nossos restaurantes. Queria mais inspetores franceses em Portugal. Foi organizado em Lisboa, mas foi uma atração porque Lisboa atrai. Lisboa mudou e muito. A capital é agora cosmopolita. Com os turistas, abriram mais restaurantes, e mais restaurante com ambições. Há bons restaurantes, mas eu, por ser cozinheiro, não quer dizer que não gosto de comer uma pizza ou um hambúrguer. Mas também gosto de ir a um restaurante gastronómico. Acho que estamos a evoluir em tudo.

 

Também dá aulas de formação em Portugal?

Eu dou formação numa escola de hotelaria em Portalegre. E criei um modelo diferente. Levo os alunos fazer uma visita no terreno, numa quinta ou em outros lugares, e na aula seguinte, desafio os alunos a criarem uma ementa inspirada na viagem, a visita que fizeram. Tudo está a correr bem, e aliás a escola está contente. A diretora da escola disse-me que sou o único formador em que os alunos não faltam às aulas. Quer dizer que vêm às aulas com gosto.

 

Trabalhar em Paris poderia ser uma hipótese?

Neste momento a minha vida está no Marmòris em Vila Viçosa. Mas claro que Paris é fabuloso, seria fabuloso trabalhar aqui, mas neste momento tenho um objetivo para o Marmòris e enquanto não chegar àquilo que eu quero, não vou descansar.

 

Pedro Mendes já regressou a Portugal. De notar que Pedro Mendes escreveu um livro «O Renascer da Bolota», e que tem um recorde mundial, visto que tem o seu nome no Guinness World Records, por ter confecionado a Maior Omeleta do Mundo, em Ferreira do Zêzere, no distrito de Santarém, na província do Ribatejo, região do Centro.

 

Alentejo Marmòris Hotel & Spa

Largo Gago Coutinho, nº11

7160-214 Vila Viçosa

 

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