LusoJornal / Mário Cantarinha

Quatro Portugueses foram condecorados na Embaixada de Portugal

Naquele que foi o último ato público do Embaixador de Portugal José Filipe Moraes Cabral, os Portugueses Antónia Gonçalves, Carlos Gonçalves, Carlos Ferreira e Joaquim Pires, receberam ontem, sexta-feira, dia 17 de novembro, as insígnias da Ordem de Mérito atribuídas pelo Presidente da República.

«É efetivamente o meu último ato público em França e é para mim gratificante que este meu último ato envolva a Comunidade portuguesa» disse o Embaixador de Portugal ao LusoJornal. «E na minha intervenção lembrei o que foi a gesta destes Portugueses que vieram de Portugal a salto, por vezes a pé – temos aqui um exemplo de alguém que veio a pé – nas maiores dificuldades, para procurarem em França aquilo que lhes era recusado em Portugal e nós temos que assumir esta realidade».

Para o Embaixador Morais Cabral, que agora se aposenta, «estas pessoas vieram para cá à procura de condições mínimas de vida, de dignidade, da educação para os seus filhos, da sua sobrevivência pessoal, e afirmaram-se em França. Hoje temos uma realidade diferente, temos mais de um milhão – entre Portugueses e lusodescendentes – que são membros ativos da sociedade francesa e que contribuem para o desenvolvimento da França em todos os setores, na economia, mas também na medicina, na investigação científica, na política, os eleitos, tanto a nível local como para o Parlamento francês. É uma Comunidade com uma enorme vitalidade e que vale a pena lembrar o que foi toda esta aventura, porque acho que é um magnífico exemplo para as gerações vindouras. Um exemplo de tenacidade, de capacidade de trabalho, de abnegação, de esforço e assim conseguiram construir vidas dignas para eles próprios e para os seus filhos».

Na sala estavam muitos familiares e amigos dos condecorados, destacando-se o Deputado Paulo Pisco, o Cônsul Geral de Portugal em Paris António de Albuquerque Moniz, Rogério Bacalhau, o Presidente da Câmara Municipal de Faro, Durval Marques, um dos Fundadores da rede de Academias do Bacalhau, Carlos Vinhas Pereira, Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa (CCIFP), o Diretor Geral da sucursal de França da Caixa Geral de Depósitos, Rui Soares e o Presidente do Diretório do Banque BCP, Jean-Philippe Diehl, entre muitos outros.

«Estou convencido que o Presidente da República, ao agraciar estes quatro Portugueses que aqui vivem e trabalham em França, e que tiveram um percurso extraordinario, quis através do seu exemplo, condecorar e homenagear todos os Portugueses que tiveram percursos mais ou menos idênticos. Percursos de pessoas que chegaram aqui com dificuldades, superaram todas as barreiras, todas as dificuldades e todos os obstáculos e conseguiram conquistar um estatuto económico e social que os honra a eles em primeiro lugar, mas que honra o nosso país pela forma exemplar como eles conseguiram corajosamente vencer todos os obstáculos na vida e afirmar-se naquilo que eles hoje são, porque são uma referência para a nossa Comunidade» disse o Deputado Paulo Pisco ao LusoJornal.

Os quatro condecorados têm efetivamente percursos idênticos. Todos chegaram a França muito jovens, como por exemplo Joaquim Pires que chegou com 6 meses ou Carlos Gonçalves com 16 anos. Todos trabalharam dignamente e foram criando as suas empresas, mas também todos se dedicaram aos outros, implicando-se em obras sociais, na Academia do Bacalhau, como Carlos Ferreira, na Santa Casa da Misericórdia e na Academia do Bacalhau como Carlos e Antónia Gonçalves ou enquanto Cônsul Honorário de Portugal em Nice como é o caso de Joaquim Pires.

 

Joaquim Pires, o Cônsul honorário

Joaquim Pires chegou com 6 meses, mas quando tinha 7 anos o pai teve um grave acidente e foi enviado para Portugal, onde apenas permaneceu um ano antes de regressar a França. Sonhava ser arquiteto, mas aos 19 anos teve de começar a trabalhar para superar as despesas da família. Criou a sua primeira empresa para poder «ganhar mais» e hoje tem 52 empresas. «Ainda tenho a sorte de ter os meus pais vivos, e tento preservar os valores que eles me transmitiram» confessou ao LusoJornal.

A atividade principal de Joaquim Pires é na construção civil e mais propriamente na construção de casas de luxo da zona de Saint Tropez. Mas também constrói residências de turismo, tem um supermercado, um restaurante, uma carpintaria, um gabinete de arquitetos, uma empresa de jardinagem,…

No ano passado, Joaquim Pires foi nomeado pelo Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, Cônsul Honorário de Portugal em Nice. «O meu pai, quando veio para a França necessitava de ter documentos, por vezes era muito complicado, e agora saber que o filho pode fazer isso, é fantástico» disse ao LusoJornal.

Joaquim Pires garante que o Consulado Honorário de Portugal em Nice pratica cerca de 600 atos consulares por mês. No seu discurso, o Embaixador Moraes Cabral, agradeceu publicamente o facto de Joaquim Pires ter suportado as despesas de criação e as despesas correntes do Consulado Honorário.

Joaquim Pires criou também a Delegação do PACA da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa «porque aquela zona estava esquecida de Paris». Explicou ao LusoJornal que «o Carlos Vinhas Pereira pediu-me há 4 anos para estar à frente dessa delegação, mas agora o meu objetivo é passar a mão no próximo ano». E vai passar a mão ao Advogado Jorge Constante, também presente na sala.

Para já, Joaquim Pires quer realizar um Memorial em homenagem aos Soldados portugueses que participaram na I Guerra Mundial, em Beausoleil, uma cidade fronteira com o Mónaco, onde, dos cerca de 15.000 habitantes, uns 5.500 são Portugueses. O Memorial deve ser inaugurado em maio do próximo ano e Joaquim Pires espera contar com a presença do Presidente da República.

Na sua intervenção, Joaquim Pires evocou os pais, a mulher e os filhos, assim como o Cônsul Geral de Portugal em Marseille, «um grande diplomata» e pediu ao Embaixador para apoiar a sua transfência «para o posto que ele quiser, porque é um diplomata de grande valor».

 

Pastelaria Canelas, a referência

Carlos e Antónia Gonçalves formam um casal. São caso raro – senão único – em que o marido e a mulher foram agraciados ao mesmo tempo. São os proprietários da Pastelaria Canelas, o maior fabricante de pastelaria portuguesa em França, com sede em Pierrefitte.

Carlos Gonçalves chegou com apenas 15 anos de idade e viveu dois anos no Bidonville de Saint Denis. «Um dia, quando chegámos, as nossas barracas estavam a arder e digamos que foi isso que provocou tudo o resto. Fiquei sem nada, mas ganhei forças para lutar». Teve a oportunidade de fazer um CAP e trabalhou durante 20 anos em aquecimento central. Depois passou uns anos pela venda de apartamentos em Portugal até «pegar» na pastelaria com a mulher, há 20 anos.

Antónia Gonçalves nem acreditava no que estava acontecer. «Quando cheguei a França, a salto, cheguei ao quarto onde já vivia o meu pai, e ele tinha lá umas maçãs Golden. Lembro-me perfeitamente que a minha primeira preocupação foi dar um beijinho ao meu pai e depois foi comer uma maçã daquelas, porque a minha mãe não tinha meios para me comprar daquelas maçãs em Portugal» explicou ao LusoJornal. «Hoje, quando penso, pergunto-me a mim mesma, Antónia, o que fizeste para não teres fome, para dares de comer aos filhos,… Não sou rica, mas acho que para o quero, chega-me».

Antónia Gonçalves evocou a mãe que lhe fez a surpresa de vir de Portugal para assistir à condecoração da filha e lamentou a morte da sogra no mês passado.

«Não esperava tal surpresa da parte do Embaixador, fiquei espantosa» diz Antónia Canelas. «É um reconhecimento do nosso trabalho. Demos-nos a fundo. Pegámos numa empresa que estava na falência e fizemo-la crescer».

«Quando pegámos na empresa, havia 9 empregados, hoje somos 40, a marca é reconhecida, é uma referência e eu acredito nestes valores que temos levado até hoje» lembra por seu lado Carlos Gonçalves.

O casal tem-se implicado na ajuda de obras sociais e ao movimento associativo. Tem marcado presença constante tanto na Academia do Bacalhau de Paris como na Santa Casa da Misericórdia de Paris. Aliás, o Presidente da ABP, Fernando Lopes, estava presente, assim como o Provedor da Santa Casa, Joaquim Sousa.

«É sempre importante sermos agraciados, mas digamos que a gente não fez nada por isso. Fizemos sempre o mesmo dever de cidadão e trabalhamos sempre com a mesma humildade. Tentei ser sempre um cidadão normal» explica Carlos Gonçalves.

«O meu filho Gil deixou de ser osteopata para vir trabalhar connosco, a minha filha Sandra está a trabalhar connosco há 14 anos. E isto é o meu maior orgulho. O medo que eu tinha é que um dia, se nós desaparecessemos, alguém retomasse a nossa empresa» acrescenta Antónia Gonçalves. «Estou muito vaidosa, muito feliz, que a minha Sandra e o meu Gil, possam continuar com a empresa».

 

Carlos Ferreira descobriu a Academia do Bacalhau

Carlos Ferreira diz-se orgulhoso e confessa ao LusoJornal que «nem sabia que existia isto» referindo-se à Comenda da Ordem de Mérito que tinha acabado de receber das mãos do Embaixador e atribuída pelo Presidente da República. «Foi uma novidade e partilhei com a minha família».

Carlos Ferreira é proprietário da CFM,uma empresa de comércio de materiais de construção. Confessa ao LusoJornal que «foram anos de muito esforço e muito trabalho na minha vida profissional. Mas quando ela me permitiu ter mais tempo, dediquei-me à vida associativa». E resume que «de um homem de negócios, transformei-me num Homem».

Quando começou a participar nos jantares da Academia do Bacalhau, não sabia verdadeiramente o que era. «Fui para lá para partilhar uns bons momentos. Quando as necessidades fizeram com que assumise responsabilidades, não foi nada premeditado, tudo aconteceu naturalmente» conta aquele que foi Presidente da Academia do Bacalhau de Paris até deixar o lugar a Fernando Lopes, o Diretor da Rádio Alfa e atual Presidente da Academia. «Viemos a descobrir a importância do nosso movimento e eu não percebia porque era um movimento tão pequeno e tão fechado, aqui em Paris. Tínhamos de abrir e tínhamos de ter uma expressão mais solidária na nossa Comunidade».

A Academia do Bacalhau de Paris tem distribuído centenas de milhares de euros em obras de caridade, ajudando os mais necessitados, não apenas em Portugal, mas também em França, quando se justifica uma intervenção.

«Começámos a ir aos Congressos mundiais da Academia do Bacalhau de maneira mais significativa e agora somos o maior grupo que participa nos Congressos».

Receber esta condecoração tem, para Carlos Ferreira, um «sabor particular» vindo o reconhecimento de Marcelo Rebelo de Sousa. «Este Presidente, para mim e para os meus pais, é uma personalidade que nos dá orgulho de ser Portugueses, não só em Portugal, mas também no mundo».

Os quatro Comendadores passam agora a poder usar na lapela, as insígnias honoríficas.