Saúde: A importância do amor próprio



O conceito de amor-próprio tem sido muito falado atualmente, mas na prática, poucas vezes é aplicado. O amor-próprio implica um estado de respeito e apreciação por si mesmo que é desenvolvido através de atitudes que sustentam o nosso crescimento físico e psicológico. Alguns autores apoiam que o amor-próprio tem como base alguns pilares, como a autoconsciência, que remete a dar atenção a si mesmo, percebendo as próprias emoções, sensações e pensamentos. A autoaceitação, que envolve aceitarmos que possuímos atributos positivos e não tão positivos, de modo a valorizarmos as nossas qualidades e trabalharmos os nossos pontos fracos. E o autocuidado, que está relacionado como a capacidade de protegermos e cuidarmos de nós mesmos.

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Egocentrismo

A sociedade está sim muito mais egocêntrica do que no passado e há razões específicas para isto. Estudos mostram que o crescimento global económico pode ter contribuído para esse egocentrismo. Alguns pesquisadores observaram que jovens adultos que viveram durante tempos difíceis são menos narcisistas do que aqueles que atingiram a maioridade durante os booms económicos. Acredito que esta associação ocorre em parte devido ao aumento da pressão para termos mais sucesso, o que gera uma sociedade mais competitiva (e também mais insegura). Penso que um dos principais facilitadores desta relação é a internet, mais especificamente as redes sociais. Acabamos por nos preocupar demasiado com o que os outros têm ou o que estão a fazer do que com as nossas próprias vidas e isto acaba por gerar comparações injustas e constantes que nos fazem sentir infelizes e insuficientes com aquilo que temos. Consequentemente, desenvolvemos comportamentos de hipercompensação, ou seja, tentamos reforçar a nossa autoestima através de diversos comportamentos, como estar a postar constantemente informações sobre as nossas vidas, nossas melhores fotos e vídeos.

Habitualmente, nas interações sociais, um individuo fala sobre si mesmo cerca de 30% do tempo. Nas redes sociais, as pessoas falam sobre si mesmas pelo menos 80% do tempo. Assim, quando recebem uma notificação de feedback positivo (ex., um like ou um comentário), sentem uma sensação satisfatória. Receber um feedback positivo estimula o cérebro a liberar dopamina (substância associada a recompensa e ao prazer), recompensando o comportamento ligado às plataformas sociais, perpetuando assim o hábito de utilizá-las. Desta forma, as pessoas acabam por ficarem escravas deste tipo de comportamento para se sentirem bem.

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Respeito

O amor-próprio e o respeito por nós mesmos andam hand-in-hand, ou seja, estão estritamente conectados. Nos respeitar e amar a nós próprios implica estar atento as nossas necessidades, significa estipular limites saudáveis e não sacrificar o nosso bem-estar para agradar aos outros. Lembrando sempre que não temos aquilo que merecemos, mas sim, aquilo que aceitamos.

A nossa autoestima não depende necessariamente das nossas características físicas ou conquistas, mas sim da nossa perceção sobre elas. O problema é que esta autoperceção é desenvolvida em parte a partir da apreciação dos outros por nós. Por isso penso que não é errado falar que uma boa parte das pessoas se sente insuficiente de alguma forma, seja na profissão, na realização pessoal, no papel de parceiro amoroso, amigo, mãe, pai ou filho. Durante a infância, temos necessidades básicas de atenção, afeto, reforço positivo, proteção e estabilidade. Contudo, cada um de nós tem um grau diferente dessas necessidades e por vezes nossos pais/cuidadores primários acabam por não atender a estas demandas. Ou porque não deram apoio o suficiente, não tiveram empatia, não estavam presentes, não reconheceram o nosso esforço o suficiente, ou porque de algum modo proporcionaram uma forma de amor condicional durante a infância. Assim, assumimos uma culpa inexistente e uma necessidade de nos fazermos merecedores de algo que nos faltou. Gerando na vida adulta grande sofrimento por tentar reparar o passado, buscando afirmações externas que reforcem o nosso valor.

Uma pessoa com amor-próprio é aquela que escuta o próprio corpo, que descansa quando está cansada, que busca alimentar o corpo físico com alimentos saudáveis, mas às vezes também permite se deliciar com as suas comidas favoritas. Uma pessoa com amor-próprio pede ajuda quando precisa, perdoa a si mesmo quando falha, reconhece quando não é gentil consigo mesma e procura dar a si uma pausa no autojulgamento – mesmo (ou principalmente) quando as coisas não correm da melhor forma.

Ao sermos compassivos com nós mesmos, tornamo-nos recetivos a aceitar e a amar outras pessoas. Se tivermos uma relação negativa com nós mesmos, o impacto emocional deste estado impedir-nos-á de conectarmos genuinamente com outras pessoas. É possível, por exemplo, que uma pessoa que não ama a si mesmo não acredita que o outro pode amá-la ou não se sente merecedora disto e, consequentemente, evita relacionamentos amorosos saudáveis. Ou pode, por sua vez, buscar ou gerar relacionamentos nocivos em parte como uma estratégia autodestrutiva ou autopunitiva. Logo, o amor ao próximo não pode existir sem o amor-próprio. Só podemos dar aquilo que temos.

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Dra. Laura Nedel

Neuropsicóloga e psicóloga clínica

Hospital Cruz Vermelha, Lisboa