Saúde: O que não resolver no passado, permanece vivo no presente


Atente-se nesta máxima: “O que acontece na infância, não fica na infância, persegue-nos a vida inteira”.

Na psicologia, tendemos a dizer que os sofrimentos sem sentido são uma porta aberta para a patologia. Ou seja, os primeiros episódios da nossa existência são cruciais para edificar uma personalidade estável e bem estruturada no futuro. Mas e aquelas pessoas que parecem carregar sempre uma nuvem cinzenta, atraindo para si relações tumultuadas? Será que têm algum défice, ou será que a vida lhes pregou alguma partida? Em algum momento de vida alguns de nós se questiona, que charada esta que parece persegui-nos, empatando sonhos e planos, até mesmo os mais singelos comportamentos humanos, como o de amar e ser amado? Agora sabemos de coração nas mãos e olhos arregalados, que essas feridas psicológicas, fruto de uma ligação parental um tanto ao quanto atribulada, funcionam como um íman, atraindo inconscientemente comportamentos e relações disfuncionais.

Enfrentar e desvendar estes traumas relacionados com a parentalidade não é coisa de somenos, requer uma abordagem abrangente e cheia de compaixão. E atenção, nem sempre são as infâncias marcadas por tempestades que deixam estas marcas; por vezes, são os momentos mais subtilizados, as dores abafadas e as mágoas silenciosas que deixam as feridas mais marcadas e profundas. Carregamo-las connosco, ano após ano, como uma mala invisível, pesada e incómoda. Tal como a psiquiatra Marian Rojas Estapé articula sabiamente no seu renomado livro “Encontre a Sua Pessoa Vitamina”, “são sempre as pessoas mais chegadas que provocam as feridas mais profundas”. Essa percepção ressoa profundamente no contexto dos nossos esforços para desvendar e curar as cicatrizes deixadas pelos traumas paternos e que, naturalmente, surgem quase sempre na infância.

É crucial reconhecer que muitos de nós, por vezes de forma inconsciente, anseiam pela aprovação parental nas relações que estabelecem na vida adulta. No fundo, são ecos de uma criança interior ferida, à procura de atenção e reconhecimento, e não a voz madura do adulto que somos agora.

Já alguma vez se deu conta de que está constantemente à procura da aprovação de figuras de autoridade, como se estivesse a tentar preencher um vazio deixado por alguém do passado? Esta pergunta ressoa na experiência de muitos de nós, sublinhando a relevância das nossas ligações precoces e o seu impacto duradouro. A teoria da Vinculação, desenvolvida por Ainsworth e Bowlby, oferece uma explicação perspicaz para este fenómeno, sugerindo que possuímos um sistema inato que nos orienta a buscar a proximidade de figuras significativas, estabelecendo um vínculo emocional forte e persistente. Quando essa necessidade fundamental não é satisfeita, as consequências podem ser cicatrizes emocionais profundas e persistentes.

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Estes são os traumas mais frequentemente associados a essas experiências da infancia:

1. Rejeição: A falta de afecto e atenção dos pais pode levar a criança a sentir-se desvalorizada. Consequentemente, adultos que viveram esta forma de trauma podem sentir-se invisíveis, acreditando que não são dignos de amor ou compreensão.

2. Abandono: A sensação de negligência, seja ela manifestada através da ausência física ou emocional dos pais – também existe abandono emocional -, pode resultar em adultos que procuram incessantemente por atenção, temem a solidão e frequentemente assumem o papel de vítimas.

3. Traição: A quebra de confiança na figura parental pode gerar adultos controladores, obcecados pela ideia de serem “os melhores”, vivendo com o medo constante de traições e relutantes em estabelecer ligações profundas.

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O que fazer para ser mais resiliente às feridas herdadas do passado?

A cura começa com a identificação e compreensão dessas feridas. Se aspiramos a relações autênticas e saudáveis, é fundamental dedicarmo-nos a sarar essas dores antigas. Este pensamento convida-nos a um processo de introspeção e cura, onde a consciência e a escolha pessoal desempenham papéis fulcrais.

Importa sublinhar que uma das abordagens mais eficazes para aflorar, compreender e resolver essas dinâmicas da infância enraizadas é através da hipnose clínica, em particular a terapia regressiva. Esta técnica permite-nos recuar no tempo, para momentos críticos da nossa formação emocional, e confrontar diretamente essas feridas antigas, proporcionando uma oportunidade única para cura e resolução. Ao fazer isso, abrimos o caminho para uma vida mais plena e autêntica, liberta das amarras do passado.

Contudo, o maior desafio é de ter coragem em reconhecer que nem sempre fomos devidamente amados e validados na infância. E a hipnose clínica pode ajudar a tomar consciência dessa narrativa castradora, assim como a libertar e valorizar a nossa “criança interior”. Dessa forma, podemos reescrever a nossa própria história, integramos não apenas conhecimento teórico, mas também uma profunda sensibilidade e empatia, fomentando relações mais saudáveis e gratificantes. As teorias de Ainsworth e Bowlby, bem como os insights da psicologia contemporânea, aliadas as poderosas técnicas de hipnose clínica regressiva oferecem-nos um suporte sólido para esta jornada de autoconhecimento e transformação. Ousemos fazê-la com sabedoria.

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Dr. Alberto Lopes

Neuropsicólogo/hipnoterapeuta

Clínicas Dr. Alberto Lopes