LusoJornal / Carlos Pereira

Vocalista dos UHF veio falar de «stalking» na Sorbonne Nouvelle

António Manuel Ribeiro, o vocalista dos UHF, que também é autor e compositor, esteve esta semana em Paris onde fez uma intervenção na Universidade Sorbonne Nouvelle, a convite de Isabel Oliveira, Diretora do Departamento LEA desta universidade, para falar de «stalking», no seguimento do livro que escreveu «És meu, disse ela», editado pela Guerra & Paz.

O evento teve lugar na Salle du Conseil da Maison de la Recherche, na rue des Irlandais e foi moderado pelo jornalista da RFI Vítor Matias, amigo de António Manuel Ribeiro. Participaram também vários especialistas franceses como Chantal Paoli-Texier, a Presidente da associação AJC, a psicóloga Audrey Mathieux, o Presidente do Sindicato dos detetives privados Jean- Emmanuel Derny e o advogado Michel de Soulages.

A história de António Manuel Ribeiro é impressionante! Durante cerca de 9 anos, foi seguido por uma mulher, que inicialmente dizia ser fã do artista, mas que pouco a pouco foi invadindo a sua privacidade, ameaçando-o e ameaçando a sua família. É esta a história que conta em «És meu, disse ela» editado em janeiro deste ano em Portugal.

Num francês perfeito, António Manuel Ribeiro começou por explicar que fundou os UHF há 40 anos, que o grupo já editou 25 discos e ele já publicou 6 livros. Explicou que chegou a estudar direito e literatura clássica e que atualmente é Embaixador dos Direitos de Autor. Para um público francês impunha-se esta explicação.

E foi então que começou por contar a história que poluiu a sua vida durante quase uma década. Tudo começou em 2003, quando uma mulher com 37 anos na altura, sem trabalho, residente em Oeiras, invadiu a vida do músico. «No início quando ía aos correios ela estava lá, quando ía ao banco, ela estava lá, quando ía a um café, a um concerto, em qualquer cidade do país ela estava lá» conta António Manuel Ribeiro. «Mandou-me mais de 2.000 sms, a partir de 9 números de telefone que ela utilizou». Mas também lhe enviou prendas para casa, pelo correio.

A psicóloga Audrey Mathieux explicou bem as três fases do «stalking»: numa primeira fase há a sedução, numa segunda fase há a destabilização e na terceira fase a destruição.

A mulher que entrou na vida de António Manuel Ribeiro – «sem nunca ter havido qualquer contacto físico, claro» precisou o músico – passou por todas estas fases até acabar com ameaças de morte, a mim e à minha família e até com ameaça de castração com ácido!

«Ela estacionava o carro à frente de minha casa e passava horas ali» conta o fundador dos UHF. «Sabia tudo sobre mim e sobre a minha família, ameaçou a minha mãe e a minha filha».

Só em 2007 apresentou queixa na polícia. «Antes não tinha testemunhas» explicou. E teve muitas dificuldades em ser percebido pela polícia. Para eles a senhora não passava de uma simples fã! Mas quando se recebe mais de 30 sms por hora a situação era demasiado sufocante. «Comecei a ter problemas de saúde, não dormia, as pessoas à minha volta tinham alguma dificuldade em perceber a dimensão do problema».

Mas o problema que António Manuel Ribeiro denuncia é a falta de legislação portuguesa sobre esta matéria. «Durante os 5 anos do processo, ela continuou a invadir a minha privacidade e nenhuma lei a fez parar» explicou. «Ela seguiu-me durante anos e anos, seguiu-me para vários pontos do país, vivia a 35 km de minha casa, mas disse que não tinha meios e pediu apoio jurídico. A Justiça portuguesa pagou-lhe um advogado para a defender e durante o tempo do processo não me protegeu a mim» afirmou, sentido.

«Em França, mesmo se não há uma lei específica contra o ‘stalking’, como há no Canadá e nos Estados Unidos, há a lei do ‘harcelement’ que protege a vítima» explicou Chantal Paoli-Texier, fundadora, em 1999, da associação AJC que defende as pessoas vítimas de ‘stalking’. Chantal Paoli-Texier é do Quebec, e é irmã de uma vítima que acabou por falecer. Foi eleita em 2011 «Mulher Formidável» pela revista Femme Actuelle.

Chantal Paoli-Texier contou o caso de uma jovem que foi vítima de um rapaz «que fez fixação sobre ela e mediante as provas que ela apresentou, ele foi logo detido e durante a investigação, nas buscas que fizeram em casa dele, encontraram muitas mais provas. Foi logo preso preventivamente». António Manuel Ribeiro ouviu e comentou: «se fosse assim em Portugal…»

A «stalker» de António Manuel Ribeiro foi condenada a 3 anos de pena suspensa e a pagar 25.000 euros – que evidentemente não pagou. «E como não há uma lei autónoma sobre este assunto, ela foi condenada apenas por violação de propriedade privada e crime de injúria, nada mais do que isso».

O vocalista dos UHF começou a escrever o livro ainda durante o período em que estava a ser vítima da mulher que se intrometeu na sua vida durante 9 anos. «Era uma forma de terapia. Eu não podia ser violento com ela, senão a justiça tinha todas as armas para se virar contra mim».

Visivelmente afetado pela situação, António Manuel Ribeiro diz estar numa fase de «reconstrução».

A psicóloga Audrey Mathieux explica que esta situação de «stalking» afeta a estima própria. «as vítimas passam por fases de culpabilidade, de vergonha, de perda de referenciais, passam por fases de isolamento e por um sentimento de impotência». E sugere sempre um acompanhamento terapêutico.