Bisneta de soldado português conta histórias de amor e de guerra aos turistas em França

Aurore Rouffelaers é bisneta de um soldado português que combateu na Primeira Guerra Mundial na Flandres, passando os dias a contar histórias de amor e de guerra aos turistas que visitam o norte de França.

A francesa cresceu a ouvir histórias sobre o bisavô e criou uma agência de turismo com visitas temáticas aos grandes campos de batalha da Flandres, nas quais também fala «da memória de Portugal».

«Falo das grandes fases da Batalha de La Lys, das razões pelas quais Portugal entrou em guerra no fim da guerra, da vida quotidiana dos soldados nas trincheiras e depois falo de histórias como a do meu bisavô e já cheguei a ir ao Cemitério Militar Português para mostrar a sua campa», explicou.

João Manuel da Costa Assunção, natural de Ponte da Barca, veio para França por causa da guerra mas foi por amor que ficou no país onde teve 15 filhos da mulher que conheceu durante o conflito. «As histórias dos soldados portugueses são bastante parecidas com a do meu bisavô. São histórias de amor. Uma das vezes em que ele estava em descanso numa granja da região, conheceu a jovem Mélanie e os dois apaixonaram-se, ainda que ele não falasse francês e ela não falasse português», contou.

Portugal entrou na Primeira Guerra Mundial em março de 1916 e sofreu uma das maiores derrotas militares de sempre na Batalha de La Lys, a 09 de abril de 1918, considerada como «a Alcácer Quibir do século XX» e na qual o Corpo Expedicionário Português perdeu cerca de dois mil homens. João Manuel da Costa Assunção sobreviveu à guerra e à famosa batalha.

«Os soldados portugueses viviam como ratos. As condições eram horrendas. Eles tinham sempre os pés na lama, o uniforme sempre molhado. A terra da Flandres é impermeável, de argila, e choveu uma quantidade terrível durante a guerra. Nas trincheiras havia lama, ratos, não havia água para todos nem sanitas, os corpos dos soldados mortos eram enterrados ao lado das trincheiras», descreveu a guia turística.

As visitas são feitas em francês e em inglês, mas Aurore começou a aprender português há quatro anos porque a língua do bisavô se perdeu na família há quase um século já que João Manuel da Costa Assunção falava em francês à esposa e aos filhos.

Aurore Rouffelaers explicou, também, que «a história do Corpo Expedicionário Português (CEP) é completamente desconhecida devido à sua pequena dimensão à escala global da guerra», notando que «os turistas canadianos e australianos gostam muito da história do CEP porque tem muitos pontos em comum com a deles já que os três países pagaram com o sangue da Grande Guerra a sua independência e sua credibilidade».

Um dia, Aurore espera vir a transportar o estandarte da Associação de Ex-Combatentes Portugueses – criada em 1924 e reconhecida em 1929 – à imagem do bisavô e da avó, Felícia Glória d’Assunção Pailleux, que o faz nas cerimónias evocativas da batalha de La Lys e no 11 de novembro, data do Armistício e da vitória dos Aliados contra a Alemanha. «Talvez a minha mãe ou a minha tia o façam antes de mim, mas uma coisa é certa: um dia eu também serei a porta-estandarte. Para mim é uma tradição familiar e é uma forma de transmitir a memória e dizer obrigada a todos estes soldados que serviram de carne para canhão num lugar frio e cheio de lama», concluiu a francesa.

 

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