Brasil nunca teve uma posição diplomática tão irracional, inclusive com a França, segundo Celso Amorim

O ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim considerou, em entrevista à Lusa, que o país nunca teve uma posição diplomática tão irracional e desastrada como a adotada pelo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

“Hoje é possível descrever a diplomacia brasileira, mas não é possível entender. Há uma total ignorância [dentro do Governo] de como funcionam as relações internacionais. Fui diplomata, incluindo o período em que fui ministro, durante mais de 50 anos e neste tempo todo nunca vi coisa igual”, afirmou Amorim.

“Não há registo de uma ação diplomática tão desastrada, tão irracional, que só cria inimigos como a de agora (…) Nem no Regime Militar vi nada parecido, algo tão pouco racional como é a política externa do Governo Bolsonaro”, acrescentou.

Amorim ingressou no Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) na década de 1960 e trabalhou em diversas representações do Brasil no exterior. Foi ministro das Relações Exteriores nos Governos dos ex-Presidentes Itamar Franco e de Luiz Inácio Lula da Silva, e da Defesa na gestão da ex-Presidente Dilma Rousseff.

Analisando a política externa de Jair Bolsonaro, que completou 300 dias à frente do Governo brasileiro no início de novembro, o ex-ministro disse acreditar que a diplomacia do país tem sido prejudicada pelas posições ideológicas do chefe de Estado e do atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Amorim citou declarações sobre a Argentina e a França para defender o seu ponto de vista.

O ex-ministro das Relações Exteriores mencionou as desavenças ocorridas entre Bolsonaro e o Presidente de França, Emmanuel Macron, que, considerou, não só prejudicaram a imagem do país como revelaram incoerências na atual política externa.

“Não sou defensor do acordo do Mercosul com a União Europeia tal como foi feito, mas o Governo festejou quando foi assinado e pouco tempo depois tratou o Presidente da França e o ministro das Relações Exteriores da França da maneira que tratou”, disse, referindo-se às declarações de Bolsonaro sobre Macron após o líder francês colocar em causa o acordo entre os o Mercosul e a União Europeia (UE), concluído em 28 de junho depois de mais de 20 anos de negociações, por causa do aumento do número de incêndios na floresta amazónica.

“Pareceu que o Brasil não queria o acordo (…) Ecoando as palavras do secretário de Comércio norte-americano [Wilbur Ross], que esteve no Brasil em julho dias antes da visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da França [Jean-Yves Le Drian], Bolsonaro declarou que havia armadilhas no acordo do Mercosul com a UE. Isto mostra que não há o mínimo de coerência ou um elemento racional na política externa”, pontuou.

Em meio ao recrudescimento das relações diplomáticas do Brasil com a França, Bolsonaro recusou-se receber Jean-Yves Le Drian em Brasília, alegando falta de tempo, embora tenha feito uma transmissão ao vivo na rede social Facebook para falar com seus apoiantes enquanto cortava o cabelo na hora em que a reunião deveria ocorrer.

Para Amorim, estes episódios indicam que o Brasil parece tornar-se um aliado inconveniente até mesmo para os Estados Unidos.

“Por mais ideologicamente à direita que esteja o Governo Trump, ele não perdeu a noção do interesse americano, nós perdemos. Não há explicação para uma relação com a Argentina do tipo que está sendo feita e não há explicação para o Governo brasileiro festejar um acordo do Mercosul com a União Europeia e, ao mesmo tempo, tratar mal dirigentes europeus”, concluiu.

 

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