LusoJornal / Carlos Pereira

Maria Beatriz Rocha Trindade: A socióloga que mais tem estudado a emigração

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Se há uma mulher em Portugal que conhece os temas relacionados com a emigração é a socióloga Maria Beatriz Rocha Trindade, doutorada pela Universidade de Paris V (Sorbonne), agregada pela Universidade Nova de Lisboa e professora da Universidade Aberta.

É um encanto ouvi-la falar porque tem a preocupação da pedagogia. Quando intervém em público, não gosta de estar sentada. Levanta-se, circula e mostra imagens que ilustram o que quer dizer.

Tem livros publicados, trabalhou na Secretaria de Estado da Emigração (na altura chamava-se assim), integrou o grupo de pilotagem científica do Museu de Fafe, e ainda hoje continua a publicar artigos em revistas especializadas e a aconselhar o grupo que está a criar a rede de Museus da emigração. Desperdiçar os seus conhecimentos seria, no mínimo, estranho.

Tudo começou nos anos 60, quando acompanhou o marido, com os três filhos do casal, para uma missão em França. Fixou-se na zona de Orsay, nos arredores de Paris, onde foi contactando com a Comunidade portuguesa ali radicada. Eram quase todos da aldeia de Queiriga, no concelho de Vila Nova de Paiva, distrito de Viseu. A ela se deve a apelação “Queiriga… uma aldeia francesa!”. “A aldeia perdeu, na altura, mais de metade da sua população. Primeiro com a ida de homens, depois de mulheres e a seguir de crianças. Hoje está repartida entre um e outro lado, com uma ligação perfeita” diz Maria Beatriz Rocha Trindade ao LusoJornal, numa entrevista conduzida por Isabel Simões Marques.

Foi assim que nasceu o interesse de Maria Beatriz Rocha Trindade pelas migrações.

Em 1970 fez a sua tese de doutoramento, em Paris. “Nessa época, não havia nada escrito sobre os portugueses em França e isso para mim foi uma oportunidade, porque quando eu apresentei essa proposta, disseram-me ‘Madame, vous avez découvert une mine d’or!’”.

Mas Paris foi apenas ponto de passagem e cinco anos depois, regressou a Portugal. “Nessa altura, em Portugal, não se podia falar de migrações. A emigração era, por assim dizer, uma imagem do falhanço da governação portuguesa” diz ao LusoJornal. Curiosamente, a emigração era tratada nas disciplinas de demografia, geografia, história, mas não pela sociologia. “Aliás, antes da Revolução de Abril, as ciências sociais baniam, de certo modo, a sociologia e a antropologia” confessa Maria Beatriz Rocha Trindade.

Desde então, iniciou um combate para dar a conhecer as migrações. Primeiro no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina, de onde se demitiu, e num museu de etnologia. Depois do 25 de Abril, “com um grupo de muita gente vinda do estrangeiro”, foi desafiada para iniciar a Universidade Nova de Lisboa. Mas entretanto, o marido foi convidado para Diretor Geral do Ensino Superior e, “na altura, cheia de ilusões, achava que não devíamos estar os dois no mesmo Ministério”. Conseguiu então entrar na Secretaria de Estado da Emigração onde ficou nove anos.

Foi uma experiência muito diferente da universidade. Em primeiro lugar teve a consciência que “o discurso político e a realidade são muito diferentes”, por outro lado, o universo da sua intervenção alargou-se, teve a possibilidade de se deslocar muito e ter entrado em contacto com muitas Comunidades nos Estados Unidos, no Canadá, no Havai… “Em todos os sítios onde a universidade não teria capacidade económica para me enviar. Não era investigação – o que fazia um pouco paralelamente – mas foi uma grande aprendizagem”. Representou muitas vezes a Secretária de Estado Maria Manuela Aguiar.

Maria Beatriz Rocha Trindade é também sócia fundadora da associação “Mulher Migrante”, uma ideia de Manuela Aguiar, “pessoa super inteligente, muito criativa e grande pensadora, a quem a migração portuguesa deve muito” assume Maria Beatriz Rocha Trindade. A associação foi presidida por Rita Gomes.

Infelizmente, nesta época de pandemia e depois da morte de Rita Gomes, “que era uma grande executiva”, Maria Beatriz Rocha Trindade considera que “as coisas não têm avançado como deveriam avançar. Mas fica a esperança que as coisas irão para a frente e que tudo vai retomar o seu caminho”.

Até porque a socióloga considera que “o associativismo é a grande teia de ligação nesta plataforma que liga os países de destino e a origem em Portugal”.

Hoje, aposentada, Maria Beatriz Rocha Trindade continua a ser uma mulher de sonhos. “Somos nós, os entusiastas pelas migrações, que temos que ajudar os Governos. Sem a emigração, o país nunca poderia ser o que é hoje” diz.

Gostava de mapear em Portugal, tudo o que foi feito pelos emigrantes, a loja do emigrante, a rua do emigrante, a fábrica que foi fundada pelo emigrante, o hospital…

“Sabemos perfeitamente que esta emigração intra-europeia, nomeadamente para França e em menor número para a Alemanha, também ajudou muitíssimo Portugal. Mas se vamos para os Estados Unidos ou para o Canadá, desde as celebrações do Dia de Portugal ao Festival Cabrilho, em San Diego, é espantoso”. E considera que é, sobretudo, qualquer coisa que não está bem explorada em Portugal. “Quem sabe se a nossa Secretária de Estado nos dá a mão e vamos conseguir fazer este mapear das marcas, das dádivas e das presenças dos emigrantes portugueses no território das regiões autónomas e no nosso continente!”

Apesar de tudo, considera que “houve uma grande evolução” nos estudos das migrações em Portugal. “Estou satisfeitíssima”. E explica que “quando eu vim, as portas estavam fechadas. Entretanto, fundei o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), que na altura foi o primeiro. Hoje há Centros belíssimos das migrações, como o ISCTE, a Universidade do Porto, a Universidade do Minho… e há estudos sobre as migrações em todo o lado”.

“Depois de ter sido tão criticada, hoje esfrego as mãos de satisfação, não com o mal que está a acontecer na emigração, mas pelo interesse generalizado pelas migrações, pois praticamente quase todas as universidades portuguesas, e muitas em todo o mundo, se interessam por este fenómeno social, que é um fenómeno social dos mais importantes, e deixar de o estudar seria um buraco muito grande no nosso conhecimento”.

Maria Beatriz Rocha Trindade não gosta muito da palavra “emigração”. Prefere “mobilidade”, porque “define muito melhor esta deslocação física, porque a imigração tem um sentido jurídico, tem que preencher aquelas condições para ser um emigrante com uma estadia por um determinado tempo ou um contrato de trabalho para poder ser aceite essa deslocação. A mobilidade, dentro desta configuração geométrica do poliedro, vai integrar a deslocação por peregrinação, a deslocação por trabalho, a deslocação por estudo, por melhoria de colocação, por mais oportunidades de trabalho…”

 

Por Carlos Pereira,

com Isabel Simões Marques e Maria-José Henriques

 

Ver a entrevista AQUI.

 

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