Lusa | António Pedro Santos

Opinião: Dia Mundial da Língua portuguesa

Continuamos nesta semana a falar do que culturalmente devia acontecer e não acontece ou, finalmente, do que irá acontecer numa dimensão diferente da habitual. Falemos do Dia da Língua portuguesa, comemorado dia 5 de maio, um ano depois de ter sido considerado “Dia Mundial”. Ou seja, passando a ser comemorado, não apenas pelos falantes de português e suas instâncias representativas – e neste sentido era já mundial – mas oficialmente pelas organizações internacionais que achem adequado fazê-lo.

Evidentemente, para não se tornar numa data meramente formal, pressupõe que se multipliquem no mundo os lusófilos (amigos da lusofonia). E deverão ser, primeiro que tudo, os próprios nativos falantes de português ou os seus descendentes diretos a não esquecer a sua língua, a praticá-la e a transmiti-la percebendo-a como uma herança cujo capital facilmente se multiplica.

Infelizmente, nem sempre existe a consciência dessa riqueza, nem sempre existe contexto ou existem meios para tornar a língua portuguesa num orgulho que se ache necessário transmitir ao futuro. Mas sabemos que há um mundo de dificuldades a ultrapassar: preconceitos de ordem cultural, económica e social, dificuldades de oferta escolar e de acesso, fragilidades no apoio financeiro, humano e pedagógico por parte dos Estados, certos bloqueios políticos nos países de acolhimento e, lamentavelmente, alguma falta de esforço das próprias famílias – mas se tudo na vida material se consegue através de muito trabalho, relativamente à aquisição e transmissão da língua e da cultura também não podemos descansar ou esperar que tudo nos seja simplesmente oferecido.

É talvez o carácter aparentemente imaterial da língua (da cultura que ela liga) que conduz alguns a essa desatenção. Mas, na verdade, essa imaterialidade sustenta todo o mundo material nas suas diversidades, nas que existem em Portugal e nas que se multiplicam no Brasil e nos restantes países de língua oficial portuguesa, nas que se declinam ainda nos múltiplos crioulos, africanos e asiáticos. É a imaterialidade da língua que sustenta e liga, em rede e a uma base comum, coisas tão materiais como as infinitas variantes culinárias que se nos deparam pelo mundo – isto, só para ficar no exemplo do que parece ser, antropologicamente, a última das memórias que uma comunidade emigrada, dissolvida numa sociedade outra, guarda das suas origens ancestrais.

No dia a dia muitos lutam no mundo pela conquista de um estatuto privilegiado para a nossa língua: professores e alunos de todos os graus de ensino (do primário aos leitorados e cátedras universitárias), editores que escolhem autores lusófonos, seus tradutores e leitores, programadores que escolhem peças ou filmes lusófonos seus intérpretes e seus espectadores, cientistas e diplomatas que participam no esforço de fazer do português uma língua de trabalho internacional, meios de comunicação social que, como a Rádio Alfa ou o LusoJornal, garantem a continuidade da língua e da cultura dando, todos eles, no terreno, cobertura aos esforços de coordenação e apoio das Embaixadas, do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua e dos seus Centros culturais e Centros de Coordenação do Ensino.

Impedidas todas as comemorações materiais do dia 5 de maio previstas no mundo, resta-nos dar mais força à dimensão imaterial que elas adquiriram. A RTP criou um eficaz pequeno anúncio sobre o tema, a sede do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua criou e difundirá um vídeo com os contributos do seu Presidente, Luís Faro Ramos, e personalidade políticas e culturais do universo lusófono, a Coordenação do Ensino do Português no Estrangeiro, o Centro cultural português de Paris (CCP) e a ADEPBA, para além do site da própria Delegação portuguesa da UNESCO terão também menção à efeméride nas suas páginas. Finalmente, o Embaixador Torres Pereira colocará uma mensagem especial no site da Embaixada de Portugal em França e no do CCP.

As Delegações da CPLP em Paris, nomeadamente a Delegação portuguesa da UNESCO e o Embaixador António da Nóvoa, teriam (e têm) aliás um papel especialmente relevante nessas comemorações. Nesta cidade se situa a sede da UNESCO, organismo da ONU que ratificou a dimensão mundial da comemoração. Prevista, estava uma exposição sobre aspetos vários da língua nos países da CPLP e no mundo e uma exposição de pinturas, desenhos e gravuras de Cruzeiro Seixas, único surrealista sobrevivente dos anos fundadores do movimento.

A primeira, tinha justificação própria; a segunda significado simbólico (que esperamos possa ser recuperado em nova data). Por um lado, tratava-se de homenagear o decano da arte portuguesa nos 100 anos de vida que comemora este ano. Por outro, referir uma personagem que também foi do mundo da língua portuguesa tendo tido relevante papel cultural e artístico em Angola, onde viveu cerca de uma década. Finalmente, em Cruzeiro Seixas se casa a língua portuguesa com a língua universal das artes visuais pois, além de pintor é amante de literatura e é, ele mesmo, poeta.

Restará, materialmente, desta celebração, a edição de uma serigrafia onde Cruzeiro homenageia um poeta maior da língua portuguesa que, em Paris, em 1916, se suicidou, Mário de Sá-Carneiro. “Ruína das cidades futuras” é o título da serigrafia – que ele não seja premonitório de nenhum desastre nem especial motivo de reflexão pessimista sobre a finitude dos Impérios (também os Impérios da língua) mas que não deixe de servir de aviso à navegação e que nos possa levar a pensar na evolução permanente da língua, do seu uso e ensino, dos seus modos de perpétua fusão e difusão.

Faça boas escolhas culturais em português (porque língua só há uma, a língua-Mãe e mais nenhuma) e até para a semana!

 

Esta crónica é difundida todas as semanas, à segunda-feira, na rádio Alfa, com difusão antes das 7h00, 9h00, 11h00, 15h00, 17h00 e 19h00.

 

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