Opinião: La Lys, um gesto de reparação

Finalmente, as cerimónias evocativas do Centenário da Batalha de La Lys tiveram uma dimensão reparadora, com a presença dos Presidentes da República da França e de Portugal, Emmanuel Macron e Marcelo Rebelo de Sousa, do Primeiro Ministro António Costa, de Ministros, Deputados e autoridades militares dos dois países.

E, claro, com uma expressiva participação da Comunidade portuguesa em França, que sempre tem estado presente de forma ativa para que não se desvaneça a memória daquele dia dramático de 9 de abril de 1918 para o Corpo Expedicionário Português.

Como disse Emmanuel Macron, La Lys foi para Portugal, o que Verdun foi para a França, onde sofreram das maiores baixas durante a I Grande Guerra.

Fruto das vicissitudes das conjunturas políticas e dos contextos ideológicos, a Batalha de La Lys tem sido relegada para um canto quase esquecido da história, tanto em Portugal como em França, felizmente agora reavivada com a celebração do seu Centenário, em que, pela primeira vez, houve uma participação institucional ao mais alto nível, que dignifica e reconhece o esforço valeroso dos soldados portugueses na I Grande Guerra, em condições muito duras e difíceis.

Não estão em causa questões de insucesso ou de estratégia militar, nem tão pouco a dimensão do massacre, dado que num curto espaço de tempo cerca de 7 mil soldados perderam a vida, ficaram feridos ou foram feitos prisioneiros. Trata-se tão só da necessidade de todos aqueles que deram a vida por Portugal, pela França e pela Europa, em nome da paz e contra uma agressão externa, poderem ser reconhecidos publicamente e sem vergonha.

Um gesto importante para os seus familiares e descendentes, que desde sempre têm esperado por um reconhecimento institucional à altura do esforço e sacrifício que fizeram.

Os soldados portugueses e os seus descendentes merecem que a sua memória seja honrada e que haja um reconhecimento claro de ambos os Estados e de povos.

O facto de ter sido a maior tragédia militar portuguesa depois de Alcácer Quibir, como referiu Marcelo Rebelo de Sousa, não é motivo para esse momento ser atirado para o esquecimento, como se se pretendesse ocultar essa página negra da nossa história militar. Nem tão pouco a relatividade das perdas portuguesas, já que na Primeira Grande Guerra o número de mortos foi de 10 milhões e o de feridos 20 milhões, tendo a França perdido perto de um milhão e meio de soldados e mais de 4 milhões ficaram feridos.

Porque estamos a falar de pessoas que certamente não entendiam muito bem o sentido de irem combater para França, mas foram e estiveram na linha da frente, tendo ficado o dia 8 de abril como o mais trágico da participação portuguesa na Grande Guerra que, apesar das pesadas baixas num curto espaço de tempo, nem por isso o seu sacrifício e coragem deixaram de ser relevantes para contribuírem para atrasar a progressão das tropas invasoras.

Foi isso mesmo que o Presidente Macron reconheceu ao pôr em evidência a «amizade sólida e profunda» que liga a França e Portugal, que as instituições e ambos os povos têm a obrigação de reconhecer e tudo fazer para que se consolide ainda mais. «Uma amizade profunda e sólida, cimentada por milhares de Portugueses e Franceses de origem portuguesa cuja energia e trabalho fortificam a nossa nação diariamente, cimentada por este sangue vertido, por estes jovens que aqui vieram defender a nossa liberdade e a nossa Europa», disse Emmanuel Macron precisamente no Cemitério Militar Português de Richeburg, diante das campas dos soldados portugueses. E com efeito, que amizade mais forte pode haver do que aquela que se constrói por quem dá a vida por ela?

Ano após ano, muitos Portugueses e seus descendentes, familiares de combatentes, têm marcado presença nas cerimónias que se desenrolam em Richeburg e em La Lys. Fazem-no com o dever de memória estampado no rosto, com a determinação de quem está a cumprir uma obrigação, por mais que a presença dos poderes públicos seja relativamente pouco significativa para a dimensão histórica e o significado que tem a Batalha de La Lys.

Merecem, por isso, um elogio muito especial os membros da Comunidade portuguesa que nunca desistiram de rumar a Pas-de-Calais, a antiga Flandes francesa, para honrar os soldados portugueses, os seus familiares, os seus descendentes, há tanto tempo à espera de um gesto substantivo, que lhes conforte o orgulho e o amor próprio, que dignifique os seus antepassados e as suas pátrias.

É por todas estas pessoas que o reconhecimento reparador é muito importante. E é por todas estas pessoas que é necessário manter vivo o reconhecimento e o respeito de quem deu a vida numa guerra.

 

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