Opinião: Medicina popular e as representações do povo

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Dos congressos do “mago” padre Fontes ao imaginário coletivo.

De uma maneira geral, a Medicina Popular, consiste num certo número de representações práticas de proteção ou de prevenção, visando a cura dos males físicos e de fraqueza psicológica das pessoas.

Enraizada numa visão coerente do Homem no seu universo, este conceito mágico milenário desenvolveu-se, particularmente, na cultura popular na Idade Média e que chegou até nós quando as carências da pobreza, o analfabetismo, o isolamento e as políticas de abandono e de desertificação do Portugal profundo, nos obrigou sempre a ela recorrer por falta de médicos e agentes da Medicina Convencional dita científica.

 

Os Bruxos e Bruxas. Que poderes terão eles?

Nalgumas tribos africanas de outrora e mesmo nalgumas atuais (nos Bamileké dos Camarões por exemplo), nas tribos índias brasileiras cosmogónicas animistas acantonadas nas reservas do Xingu e nos Iguarapés do Amazonas – os Bororós, os Nanwikwara, os Caduevo e os Yanomamis entre outras, bem como nos índios americanos das ínfimas reservas que perduram, o Bruxo possui poderes shamânicos, poderes de médico, de padre e outros considerados divinos e que tem relações privilegiadas com o polo do bem e o polo do mal.

Nalgumas práticas do Vodu de Haiti (ritos Yoruba Nagô, Bantus e Gé Gé transplantados de África), tais personagens podem provocar a morte das pessoas com plantas ou venenos ligados ao polo do mal. Tais ritos demoníacos, provocam inúmeras interrogações nos antropólogos e etnólogos do Mundo dito civilizado.

No entanto, se viajarmos até à Baía no Brasil onde o Candomblé perdura, ou a Cuba onde o Changô se pratica ao esconde-esconde com a polícia del Fifo, as mesmas práticas tendem apenas à intronização dos anjos guardiões ditos Orixás que os Babalorixás anunciam para entrarem no corpo do iniciado, estão por norma ligados ao polo do bem, curam males e protegem dos maus espíritos através de uma alucinante entrada em transe a que eu já assisti ao som dos Atabaques (do Olodom do pelourinho em Salvador).

Aqui, na nossa cultura transmontana, o conceito de Bruxo ou Bruxa confunde-se num absoluto sincretismo com o de curandeiro, benzedeira, endireita, adivinho, predicador, vidente e até homeopata (ex: licor levanta-o-pau de Vilar de Perdizes) cujos poderes visam tranquilizar a alma, curar as feridas e enfeudar os “pacientes” com misteriosas práticas de rezas e de receitas, por vezes “diabólicas” com cruzes, dentes de alho e outras coisas que os possam levar à cura. Alguns desses atores são mesmo considerados médicos e tão respeitados e venerados quanto estes.

 

Recordo-me de, há uns anos atrás (perdoem a redundância), ter assistido em Vilar de Perdizes a coisas que só lembram ao diabo: atores perfeitos como o “Dr.” Zé Joaquim, Bruxo de Águas Santas, forçar uma “paciente” a purgar por anamnése (termo científico usado em etnopsiquiatria e na Psicanálise Freudiana e Lacaniana) o mal que lhe ia na alma fazendo aquelas simulações caricatas de sofrimento como se o mal da paciente lhe trespassasse o corpo. O sr. Barros de Mirandela, criador de lacraus, atuava largando os seus bicharocos no corpo dos doentes do cancro para serem picados e o próprio veneno, segundo ele, iria fazer efeito de cura absoluta se a dor da picada durasse 24 horas. Caso isso não acontecesse, seria porque o bicho era fraco e teria que repetir a investida com outro maior na carne da vítima… coisas do arco-da-velha.

(Nota: Sabemos hoje que, o escorpião de cauda fluorescente é utilizado na África do Sul para esse mesmo efeito em investigação na medicina convencional científica).

 

Perante tais práticas, que muitas vezes resultam em cura com um simples Placebo, os doentes mantêm uma inesquecível recordação dos atores que protagonizaram os seus restabelecimentos e divulgam os seus nomes por onde passam. Daí se compreenda as peregrinações incessantes a esses “santuários”.

No primeiro Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes, do qual fui cofundador, havia na altura a intenção de promover os saberes do povo numa perspetiva antropo-etnológica visando, simultaneamente, denunciar as carências das nossas terras em matéria hospitalar, médica e sanitária, capaz de revelar nas autoridades governamentais o interesse pelo desenvolvimento da Região.

Muitas vezes o Padre Fontes, mentor da obra que sempre acompanhei e a quem muito pouco se agradece, foi criticado, maltratado e até humilhado pelas instâncias eclesiásticas superiores por ousar ser Porta-voz de um povo abandonado pelos sucessivos Governos de Lisboa. (Foi mesmo, nessa época que criámos juntos a Telescola de Vilar de Perdizes para evitar propagar a Língua da TVE nas gentes Vilaperdicences, Soutelinhenses e Meixidenses na intenção de ser criado um ciclo direto até ao nono ano).

Volvidos quase 30 anos, parece-nos que vamos ter de reinventar novas práticas de Instrução e de Medicina Alternativa para despertar de novo, nas autoridades de hoje, o sentido de respeito pelo direito de cidadania das gentes simples do campo, antes que este seja totalmente profanado.

Que se forjem políticas de proximidade para prestar assistência às pessoas onde elas vivem em vez de andarem ambulâncias desenfreadas pelas estradas do País, a servirem de casas de parto ou de morgues sob o pretexto economicista de que é preciso poupar para obedecer às ordens de Bruxelas (no fim de contas, todos pagamos, para o erário público nacional, a igualdade de tratamento é que difere consoante os gestores desse mesmo erário).

Coisas que só lembraram ao Diabo.

 

Hélder Alvar

Prof Doutor em C.E

Ex-professor de português em França

 

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