Clermont-Ferrand sem mesa de voto para o Conselho das Comunidades cria situação de “revolta”


Pela primeira vez na história das eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), a cidade de Clermont-Ferrand não vai ter mesa de voto no próximo fim de semana, tendo os eleitores que quiserem exercer o seu direito de voto de se deslocar a Lyon.

A decisão está a causar revolta naquela que tem sido considerada como a cidade com maior concentração de Portugueses depois da região parisiense.

Céline Pires mora em Clermont-Ferrand e é candidata numa das duas listas que vão a votos no próximo domingo – a lista liderada pelo atual Conselheiro Manuel Cardia Lima. “Estou triste e revoltada” diz, depois de saber que não vai haver mesas de voto no Consulado Honorário de Portugal naquela cidade. “É um escândalo esta situação que põe a maior parte dos eleitores portugueses que residem em França na impossibilidade de votar para os seus representantes de proximidade”.

“A próxima etapa será a supressão do nosso Consulado Honorário de Clermont-Ferrand?” pergunta.

Também João Veloso, o atual Conselheiro das Comunidades, residente em Clermont-Ferrand – que não se recandidata – está “incrédulo” face à decisão de não haver mesas de voto naquela cidade como sempre tem acontecido em todas as eleições presenciais. “O Conselheiro João Veloso nem votou por ele próprio na última eleição” rejeitou o Cônsul-Geral de Portugal em Lyon, André Sobral Cordeiro. Efetivamente, no dia da última eleição, João Veloso estava de saída com o grupo folclórico Os Camponeses Minhotos, que integra como acordeonista e cuja associação preside.

Mas será este um argumento para suprimir a mesa de voto em Clermont-Ferrand?

Também Manuel Cardia Lima tem reagido a esta situação, interpelando primeiro o Cônsul-Geral de Portugal em Lyon, e depois a própria Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e a Comissão Nacional de Eleições.

Questionado pelo LusoJornal, o Cônsul-Geral de Portugal em Lyon começou por dizer que “não se justifica uma mesa de voto em Clermont-Ferrand porque na última eleição apenas votaram 0,5% dos eleitores”!

Mas depois disse que recebeu do Ministério dos Negócios Estrangeiros uma lista de locais de voto onde não constava Clermont-Ferrand. O LusoJornal tentou obter cópia de alguma diretiva “de Lisboa”, mas do Ministério dos Negócios Estrangeiros apenas se conhece a lista das mesas de voto aprovadas, onde, efetivamente, não consta Clermont-Ferrand.

O círculo eleitoral para as eleições do Conselho das Comunidades Portuguesas integra os Consulados Gerais de Portugal em Lyon e em Marseille. E contrariamente a Lyon, o Cônsul-Geral de Portugal em Marseille, Álvaro Esteves, vai abrir uma mesa de voto no Consulado Honorário de Portugal em Nice e outra no Consulado Honorário de Portugal em Ajaccio.

Até agora, apesar de ter tentado, o LusoJornal não conseguiu obter nenhuma confirmação de uma decisão superior sobre o encerramento da mesa de voto no Consulado Honorário de Portugal em Clermont-Ferrand.

A decisão de abrir mesas de voto descentralizadas é da responsabilidade da Comissão Eleitoral do círculo eleitoral. Ora, na área consular de Lyon, o Cônsul André Sobral Cordeiro disse ao LusoJornal que “a Comissão eleitoral sou eu”. Com efeito, depois da apresentação das listas de candidaturas, as duas listas em concorrência deviam ter indicado ao Cônsul-Geral quem seriam os seus representantes na Comissão Eleitoral já que esta é composta pelo Chefe de posto e por um representante de cada uma das listas. Não tendo obtido qualquer proposta, o Cônsul-Geral reuniu consigo próprio. “Em geral os Cônsules convocam os cabeças de lista e tentam sempre manter um diálogo com as listas” disse ao LusoJornal fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Neste caso, o Cônsul-Geral considera que “os Conselheiros têm de conhecer a lei e cumpri-la, não tenho de ser eu a contactá-los” disse ao LusoJornal.

André Sobral Cordeiro disse ainda que “Clermont-Ferrand é um mito” e desmente que haja tantos Portugueses naquela cidade. “Senão, não teria lá encerrado o Consulado, não acha?” argumenta.

Contactada pelo LusoJornal, a Maire-Adjointe da cidade de Clermont-Ferrand, Manuela Ferreira, confirmou que a população de origem portuguesa ascende a cerca de 10% da população da cidade, que ronda os 150.000 habitantes. Há cidades na região, cuja percentagem de Portugueses é ainda maior.

Jorge Campos, candidato cabeça de lista à eleição do CCP por este círculo eleitoral também acha que devia haver mesa de voto em Clermont-Ferrand. “Mas eu não sei de nada, não sei quem decidiu” disse ao LusoJornal. Por seu lado, o candidato Manuel Cardia Lima diz que “não há razão nenhuma para que não haja mesa de voto em Clermont-Ferrand” e argumenta que “quando se vai consultar o caderno eleitoral no site do Ministério da Administração Interna, aparece lá que o local de foto é o Consulado Honorário de Portugal em Clermont-Ferrand”.

Mas André Sobral Cordeiro deu ainda um outro argumento para que não haja mesa de voto em Clermont-Ferrand: diz que o Consulado Honorário “está nas instalações de uma empresa privada”.

Ora, na verdade, o Estado português tem em Clermont-Ferrand o rés-do-chão de um edifício onde estava instalado o Consulado de Portugal que foi encerrado naquela cidade no início dos anos 2000. Está encerrado, a degradar-se, e nunca vendeu aquelas instalações. Foi o Estado português – na altura o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas era José Cesário – que decidiu nomear um empresário Português naquela cidade, Isidoro Fartaria, e instalar o Consulado Honorário de Portugal naquela cidade. O Cônsul-Geral André Sobral Cordeiro parece não concordar com a decisão.

Mas também em Nice (na área consular de Marseille) o Consulado Geral está em instalações pertencentes ao empresário Joaquim Pires, que é o Cônsul Honorário de Portugal naquela cidade.

Mais do que pôr em causa a decisão do Cônsul-Geral de Portugal em Lyon, a conclusão mais evidente desta situação é a ausência de diretivas claras “de Lisboa” sobre as mesas de voto descentralizadas.

Aliás a Lei até prevê mesas de voto em locais associativos, mas na prática, sem cadernos eleitorais desmaterializados, esta descentralização praticamente não pode ser posta em prática. Sobretudo se não houver vontade dos Chefes de posto.

A eleição para o Conselho das Comunidades Portuguesas vai ter lugar no próximo domingo, dia 26 de novembro, e no círculo eleitoral de Lyon-Marseille, vão ser eleitos três Conselheiros. Há duas listas a concorrer a esta eleição, uma encabeçada por Jorge Campos e outra por Manuel Cardia Lima.