LusoJornal / Carlos Pereira

Covid-19: Casa de Portugal em Paris sem casos e muita solidariedade

A Cidade Universitária Internacional de Paris registou cinco dezenas de casos de Covid-19 durante o confinamento, mas nenhum na Casa de Portugal, que tem tido apoio médico, financeiro, alimentar e psicológico aos estudantes que passaram 55 dias fechados no campus.

Dos cerca de 7.000 residentes deste espaço na capital francesa dedicado ao acolhimento de alunos internacionais ou de outras regiões de França que vêm para aqui fazer os seus estudos superiores, cerca de 4.500 passaram o período de confinamento nas 40 casas espalhadas pelo parque de 34 hectares.

“Tivemos durante o primeiro mês de confinamento 49 casos na Cidade Universitária Internacional de Paris que não foram confirmados. Só quatro foram confirmados porque há uma grande dificuldade de acesso a testes em França. Não tivemos nenhum foco de infeção e há cerca de mês e meio que não temos nenhum caso”, afirmou Ana Paixão (na foto), Diretora da Casa de Portugal na Cidade Universitária Internacional de Paris, em declarações à Lusa.

Nenhum dos casos levou a hospitalização e as pessoas estão agora recuperadas.

Na Casa de Portugal, nenhum caso foi registado. Esta contenção da pandemia num local onde a partilha é a palavra de ordem, ficou a dever-se à organização muito antes até dos anúncios oficiais das autoridades francesas, com a criação de um gabinete de gestão de crise para o campus logo em janeiro. “Temos muitos residentes chineses no campus, são a segunda nacionalidade, e desde dezembro que nos começámos a aperceber que a pandemia podia acontecer. Criámos um Gabinete de crise desde janeiro e encomendámos máscaras e todo o tipo de equipamento possível”, lembrou Ana Paixão, que também integra esta célula de emergência.

Assim, a 17 de março (data oficial do início do confinamento em França), a Cidade Universitária já era “um cofre forte”, com entradas e saídas controladas, organização interna nas casas para evitar aglomerações e parcerias com hospitais próximos para apoio aos residentes.

E também uma solidariedade sem precedentes. “Foi um grande movimento de solidariedade entre todos, de partilha e preocupação”, lembrou Ana Paixão, referindo que houve logo voluntários para ajudar no controlo das cozinhas partilhadas e no apoio aos colegas.

Quando a pandemia chegou, havia 136 residentes na Casa de Portugal e cerca de 50, maioritariamente portugueses, decidiram partir. A escolha ficou ao critério de cada estudante.

“Eu decidi ficar, porque aqui, como já estávamos todos em quarentena, pensei que fosse mais seguro ficar do que ir para casa e contaminar a minha família. Não havia maneira de saber se eu tinha o vírus”, contou Cristiana Gouveia, emigrante portuguesa na Córsega e estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas em Paris e que vive na Casa de Portugal.

O medo de contaminar as famílias acabou por travar alguns dos alunos portugueses na decisão de partir, embora a maioria tenha optado por voltar para Portugal logo em março. Outras nacionalidades que vivem nesta casa não tiveram a mesma possibilidade como italianos e espanhóis que, com as fronteiras fechadas, não puderam regressar.

A grande parte partiu com uma mochila ou a intenção de voltar dentro de semanas, deixando os quartos cheios dos seus pertences e esperança de voltar às aulas, algo que em França só deve acontecer para o ensino superior em setembro. Para quem não volta mais, os residentes estão a ajudar a embalar os quartos dos colegas de forma a estes não terem de pagar renda.

Voltar também não foi uma opção para Bruno Silva, estudante de Estudos Indianos e Sânscrito: “Eu fiquei pela incerteza e para me confinar de certa forma, para poder estudar e ter um ambiente reservado e pela segurança. Estar confinado dentro de um parque, dentro de uma zona muito bonita e com um apoio institucional muito forte”.

O apoio institucional começou por ser médico, com a disponibilização de consultas por videoconferência aos residentes com sintomas, mas rapidamente se tornou também numa necessidade um apoio financeiro.

Muitos estudantes que pagam os seus quartos (com preços que vão desde os 450 euros aos 600 euros mensais) neste campus fazem-no através de estágios ou trabalhos temporários que terminaram durante o período de confinamento, tendo assim sido decidida uma redução de 100 euros no preço dos quartos.

Com o avanço da crise sanitária, a Cidade Universitária criou mesmo um fundo solidário de 100 mil euros para ajudar os residentes em maiores dificuldades e, em parceria com a Mairie de Paris, permitiu aos estudantes recorrerem a um cabaz alimentar todas as semanas.

Mas, acima de tudo, houve ajuda psicológica. “Esse apoio alargou-se a várias línguas. Temos duas psicólogas de língua portuguesa a quem recorremos com muita frequência e havia apoio em quase todas as línguas, sempre em vídeo conferência, sem custos para os alunos”, indicou Ana Paixão.

Ao mesmo tempo, pequenas mudanças no dia a dia permitiram aliviar o confinamento que se fazia em quartos de 12m2. A Casa de Portugal passou a ter uma horta onde cada um podia plantar o que quisesse, aulas de meditação e ioga ao ar livre com distância de segurança, uma sala de eventos que foi reconvertida em sala de estudo para apenas 10 alunos de cada vez e concursos de gastronomia entre as diferentes casas.

Cada residente foi encontrando o seu escape. Rúben Cadete, aluno de quinto ano de Medicina a fazer um estágio no serviço de doenças infeciosas no hospital Necker, encontrou nos colegas de trabalho um grande apoio. “Ao início tinha de telefonar todos os dias à minha mãe, senão era impossível. Na casa, tentei isolar-me porque não queria pôr ninguém em risco, por isso o contacto era mais com os colegas no estágio, com os médicos, com os internos […] Acabámos por nos juntar porque estávamos todos no mesmo barco”, afirmou.

Para um jovem estudante de medicina, este foi um período “assustador” na linha da frente, mas que deixou lições. “Foi assustador ao início. Começou-se a falar ao início no nosso serviço como éramos muito especializados já em janeiro. Pensávamos que ia ser local e na altura não se sabia bem o impacto […] Quando os planos começaram a ser mais estáveis em França, aí estávamos muito mais calmos e conseguimos voltar quase à normalidade” revelou.

Ana Paixão viveu o confinamento junto dos alunos e desde o contacto com os Consulados, para permitir a quem quisesse de regressar, ao apoio emocional aos residentes, diz ter vivido uma “experiência muito intensa”.

“Foi uma experiência muito intensa e ainda não tenho um olhar distanciado sobre o que se passou. Esta pandemia trouxe ao de cima muitos dos aspetos positivos da Cidade Universitária”, confessou.

A Diretora da Casa de Portugal distribuiu o seu número por todos e sentiu os problemas de solidão de muitos alunos que longe da família e sem sistema de apoio em Paris só precisavam de uma palavra amiga. “Com alguns residentes trocámos mensagens sempre, pelo menos ao levantar e ao deitar, e continuamos. Ajudava a sentir que alguém se preocupava com eles”, referiu.

Sendo uma fundação que se autofinancia através dos quartos que arrenda e também com o apoio de mecenato e alguns países, a Cidade Universitária Internacional de Paris vai ter este ano um prejuízo de 4,5 milhões de euros. Muitos quartos ficaram vazios e os eventos durante o verão, que traziam novos residentes temporários ao campus, anulados.

Mas há motivo para esperança. “Só na Casa de Portugal temos 170 pedidos novos para setembro, para não falar dos residentes deste ano que se vão recandidatar para mais um ano”, concluiu Ana Paixão.

 

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