Filme restaurado “As ilhas encantadas” com Amália Rodrigues tem “nova” estreia amanhã em Lyon

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O filme “As ilhas encantadas” realizado em 1965 por Carlos Villardebó, um “filme luminoso e onírico” protagonizado por Amália Rodrigues, vai ser exibido este sábado, 14 de outubro, no Festival Lumière, em Lyon, numa proposta da Cinemateca Portuguesa.

Este festival, dedicado ao património cinematográfico, exibirá uma cópia restaurada e digitalizada de “As Ilhas Encantadas”, no âmbito do programa FILMar, com financiamento europeu pelo mecanismo EEAGrants.

Tiago Bartolomeu Costa, o Coordenador do projeto FILMar explicou ao LusoJornal que o filme será ainda objeto de destaque no Marché du Film Classique e a Cinemateca Portuguesa acompanhará a sessão com encontros com distribuidores e imprensa, bem como organizará uma receção para convidados e profissionais.

Esta nova cópia será apresentada, em Portugal, no início de 2024.

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Um filme adaptado de uma obra de Herman Melville

O filme estreou a 15 de março de 1965, no Teatro Tivoli, e em Paris, no Cinema V.O., a 17 de junho de 1966, e é a única longa-metragem de Carlos Villardebó, realizador luso-francês que em 1961 havia ganho a Palma de Ouro do Festival de Cannes com o filme “La Petite Cuillère”.

Produzido por António da Cunha Telles e rodado na Madeira, “As ilhas encantadas” adapta uma obra homónima de Herman Melville, editado em França em 1854, e em Portugal em 2000, em português, pela editora Relógio d’Água.

José Cardoso Pires, a realizadora Jeanne Villardebó e o ensaísta Raymond Bellourd colaboram na adaptação da história.

“As ilhas encantadas” é o relato, na terceira pessoa, de uma aventura marítima oitocentista, narrado pelo ator Pierre Vaneck que interpreta o papel de Manuel Abrantes, o imediato do navio explorador, o “Gazela”, nome dado ao navio Sagres, usado durante a rodagem.

A interpretação coube à fadista Amália Rodrigues e ao ator francês Pierre Clémenti, nos papéis de dois náufragos descobertos num arquipélago vulcânico onde abundam tartarugas gigantes e salvos pela tripulação de um navio explorador. Pierre Clémenti estava em início de percurso e mais tarde foi um símbolo da contracultura dos anos 60. Como curiosidade, num pequeno papel de um dos marinheiros, encontra-se Belarmino Fragoso, protagonista do filme homónimo de Fernando Lopes (1964).

Voltando aos dois náufragos descobertos num arquipélago vulcânico, “o seu salvamento significou, porém, a interrupção de uma história de amor improvável” entre a jovem Hunila (Amália Rodrigues) e um marinheiro francês (Pierre Clémenti), lê-se na sinopse.

A fotografia do filme foi assinada por Jean Rabier, acompanhado por Augusto Cabrita, na segunda equipa.

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Amália Rodrigues considerou-o o seu melhor filme

O filme acabou por não funcionar, nem em Portugal, nem em França, e a crítica foi, por vezes bastante severa.

Para Tiago Bartolomeu Costa, o público português não estava habituado a esta interpretação de Amália Rodrigues. Nesse mesmo ano, a fadista recebeu o prémio de melhor atriz, atribuído pelo Secretariado Nacional de Informação. “O público gostava de ver uma Amália Rodrigues a cantar e a encantar, e descobre um filme onde ela não canta, praticamente não fala, porque não consegue comunicar com o náufrago francês e ainda por cima estava mal vestida” disse ao LusoJornal.

A própria Amália Rodrigues considerou sempre ser esta a sua melhor interpretação no cinema. “Andava toda divertida, a pensar que ia sair dali uma grande fita. Estava cheia de fé no filme, e não me arrependo de o ter feito. Quanto a mim, é a minha melhor interpretação no cinema” disse a atriz. Mas reconheceu também que “em Portugal, o filme sofreu por minha causa. Por uma espécie de má vontade contra mim. Como era um filme artístico, criticaram logo”.

O próprio modernismo impresso por Carlos Villardebó não foi compreendido na altura. Luís de Pina, num texto da época, citado pela Cinemateca portuguesa, escreveria: “o filme aponta firmemente o caminho que todos sonhamos: o encontro da ficção portuguesa com a aventura portuguesa, cuja ausência nos revela, afinal, o insuportável convencionalismo da nossa maneira de ser, essa atitude do espírito que nos tem levado quase sempre a criar a convenção da realidade, em nome dos mais diversos princípios, antes de criar a convenção da arte”.

“Em França o filma foi dobrado para francês” explicou Tiago Bartolomeu Costa. Na altura da estreia em França, lia-se na revista Cahiers du Cinèma que o filme “revelava um cineasta onde o artesão rivalizava com o poeta”. O crítico Paul-Louis Martin sublinhava que “o sonho de Villardebó é triplo: é um sonho sobre Melville, depois sobre o mar, e por fim, sobre a ambiguidade da ilha. O seu filme fica resoluta e corajosamente de fora, surgindo de uma poesia diurna muito para lá daquele silêncio, um silêncio único que se constitui enquanto ponto de destaque na direção de um horizonte onde os diferentes elementos se fundem no cinzento absoluto da interrogação”.

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Um vasto programa de recuperação de filmes

Para a Cinemateca, a exibição deste filme em Lyon, a cidade “onde o cinema foi inventado” pelos irmãos Lumière, representa a “redescoberta das diferentes dimensões de atriz de Amália Rodrigues e do contributo de um realizador para o mistério à volta da sua personalidade cinematográfica”.

Em julho de 2023, o FILMar organizou uma exposição a partir das imagens de rodagem, assinadas por Augusto Cabrita, em coprodução com o festival Curtas de Vila do Conde. A exposição será apresentada em Lisboa, a partir de fevereiro de 2024.

Originalmente, do filme “As ilhas encantadas” foram produzidas uma versão portuguesa e uma versão francesa, com montagem e duração diferentes. Em 2007, o restauro fotoquímico do filme reconstituiu a versão portuguesa e foi feito a partir dos negativos de som e imagem originais, complementados com um material de imagem de segunda geração.

Agora, a Cinemateca Portuguesa apresenta uma nova cópia do filme, que resulta da digitalização 4K de um internegativo de imagem de 35mm e de um positivo de som, materiais produzidos aquando do restauro do filme feito pela Cinemateca em 2007.

O projeto FILMar é desenvolvido pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, com o apoio do programa Cultura, operacionalizado pela Direção Geral do Património Cultural, no âmbito do Mecanismo Financeiro Europeu EEAGrants 2020-2024. Dedicando-se a inventariar, preservar, digitalizar e promover o património fílmico relacionado com o mar, é desenvolvido em parceria com o Norsk Film Institutt, na Noruega, um dos três países doadores, juntamente com a Islândia e o Liechtenstein.

O projeto tem por objetivo digitalizar 10 mil minutos de filmes até abril de 2024. No âmbito do FILMar têm sido digitalizados títulos pouco conhecidos do cinema português, ou de autores cuja expressão não acompanha a sua importância na história da produção de cinema em Portugal. Mais recentemente, foram digitalizados filmes de António Campos, António de Macedo, Augusto Cabrita, Manuel Faria de Almeida e Raquel Soeiro de Brito, bem como de Maurice Mariaud e Solveig Nordlund.

O festival Lumière começa precisamente amanhã, dia 14 e termina a 22 de outubro em Lyon.

A Cinemateca Portuguesa já apresentou neste festival cópias restauradas dos filmes “O táxi Nº9297” (1927), de Reinaldo Ferreira, o filme coletivo “As armas e o povo” (1975), e “O movimento das coisas” (1985), de Manuela Serra.

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