Cônsul de Portugal em Bordeaux: «Estou cá para servir a Comunidade»

Marcelo Mathias assumiu funções há 5 meses

Mesmo se já chegou a Bordeaux há cinco meses, o novo Cônsul Geral de Portugal na capital da Aquitaine, Marcelo Mathias, está ainda em fase de adaptação.

Oriundo de uma família de ilustres diplomatas – o pai foi Embaixador de Portugal junto da Unesco e o tio foi Embaixador de Portugal em França – Marcelo Vaultier Mathias tem apenas 46 anos e entrou na carreira diplomática em setembro de 1999. Assumiu um primeiro posto no estrangeiro, em julho de 2004, em Atenas, e depois um outro em Rabat.

A mãe é belga e com família precisamente no sudeste francês. Estudou no Liceu francês de Lisboa, licenciou-se em direito na Universidade Lusíada e tirou um Master em Relações internacionais na Université de Paris I Panthéon Sorbonne. Ainda hesitou em ser jornalista – colaborou algum tempo com a já desaparecida Rádio Paris Lisboa, em Lisboa – mas acabou por optar mesmo pela diplomacia.

Foi Adjunto diplomático de Paulo Portas quando este foi Ministro dos negócios Estrangeiros e depois quando foi Vice-Primeiro Ministro. Antes de vir para Bordeaux era Diretor do Departamento Magrebe e Médio Oriente no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este é pois o primeiro posto em que assume as funções de Cônsul Geral.

Marcelo Mathias acedeu responder às perguntas do LusoJornal.

 

Foi fácil assumir funções em Bordeaux?

Foi bastante fácil porque fui imediatamente muito bem acolhido, tanto pela Comunidade, como pelos funcionários consulares. Vim encontrar aqui uma equipa muito competente, muito funcional e muito bem estruturada. Pessoas da Comunidade portuguesa vieram de imediato visitar-me. Eu informei as associações que tinha chegado, e duas ou três pessoas foram portas de entrada para a Comunidade portuguesa. Eu também me prontifiquei de imediato para visitar as associações e para estar presente nos eventos que elas organizem. Gosto de conhecer as pessoas das Comunidades e os dirigentes das associações. E assim comecei a conhecer os Portugueses e os lusodescendentes que residem na região de Bordeaux essencialmente. Temos aqui muita gente, muitas associações na periferia de Bordeaux, num raio de 30 km, nas cidades circundantes como Cenon, Villenave, Lormon, Bègles,… em todas estas cidades há sempre uma ou mais associações portuguesas. Eu fui participando em eventos que elas organizaram. O nosso Conselheiro para as Comunidades portuguesas, o Valdemar Félix, também foi-me dando sempre conta das atividades das associações e eu fui aparecendo aqui e ali para conhecer os dirigentes das associações, os membros e a pouco e pouco fui encontrando e conhecendo a Comunidade. Fora de Bordeaux, tenho também ido conhecer as associações. Já fui a Pau, a Oloron Sainte Marie, estive em Angoulême, irei em breve a Bayonne. Sempre que solicitam a minha presença, tento sempre disponibilizar-me para as ir visitar e conhecê-las melhor. É uma entrada fácil.

 

A estrutura associativa é sempre uma porta de entrada?

Sim. Absolutamente. E é uma boa estrutura. Há duas coisas a referir: por um lado, esta estrutura associativa está bem integrada, bem consolidada, é uma estrutura que já tem alguns anos e há outras mais novas, que têm o seu espaço próprio e que funcionam bem. Por outro lado, o Conselheiro das Comunidades portuguesas consegue organizar encontros com as associações, com os principais líderes associativos, para, duas vezes por ano, fazerem uma agenda das suas principais atividades.

 

Essencialmente em Bordeaux…

Sim, as de Bordeaux. O que permite que não haja atropelos entre as associações, como creio que em tempos terá havido, em que as associações organizavam na mesma tarde de domingo, um baile ou um festival folclórico e a Comunidade ficava dividida porque só podia ir a um destes eventos. Hoje em dia foi possível fazer uma agenda de eventos culturais e associativos nos 6 meses seguintes. Fazem isto duas vezes por ano. Isto ajuda a que haja uma organização entre elas e que haja, de facto, praticamente todos os fins de semana alguma atividade em alguma associação. Por exemplo, no próximo fim de semana vamos ter os 36 anos da associação Alegria Portuguesa da Gironde, que é uma associação muito forte, muito dinâmica.

 

O que lhe têm dito as autoridades francesas sobre os Portugueses?

Em todos os encontros que eu tive com as autoridades locais, quer na periferia de Bordeaux, quer fora de Bordeaux, referem-me sempre o quão bem integrada está a Comunidade portuguesa, o quão participativa é, e dizem-me sempre não existir problemas. Não é uma Comunidade que suscita problemas, não há questões de segurança de relevo, não há questões de apoios sociais dramáticos,… São Comunidades tranquilas, bem inseridas, bem integradas, participativas e bem apreciadas também pelas autoridades locais e pelas sociedades locais.

 

No entanto não é uma zona onde haja muitos lusoeleitos, mesmo se há alguns…

Talvez não haja tantos como em outras regiões, mas depois acontece… por exemplo, quando recentemente fui a Fumel, encontrei uma Portuguesa que é Maire de uma pequena localidade, e não aparece nas nossas listas porque ela tem o nome de casada e é casada com um senhor de origem polaca. Portanto, para todos os efeitos ela não constava da nossa lista de lusoeleitos. Há assim uns casos isolados de lusoeleitos que vamos descobrindo por acaso. Em Angoulême encontrei uma Vereadora, em Cenon temos a Fernanda Alves, em Bordeaux temos a Conselheira Municipal Ana Maria Torres… não há talvez tantos como na região de Paris, mas há estas pessoas que fazem muito por Portugal, pelas Comunidades portuguesas, são elementos importantes dentro das próprias Câmaras e são muito apreciadas pelas próprias autoridades locais e pelos dirigentes franceses. Lembro-me que, no meu encontro com o Maire Alain Juppé, a Conselheira Municipal Ana Maria Torres estava presente, assim como o Vereador pelas questões internacionais e o Alain Juppé disse logo “não se preocupe, porque com a Ana Maria Torres está em boas mãos, estamos todos em boas mãos”. Portanto, tudo é natural, esta inserção, esta integração, tudo se faz muito naturalmente.

 

Falou em Cenon. Como está o Protocolo tripartido assinado entre a Mairie de Cenon, o Consulado Geral de Portugal em Bordeaux e a Secretaria de Estado das Comunidades?

Está em fase precisamente de decisão. Estamos – nós Consulado e a Mairie de Cenon – a ver as melhores formas de traçarmos um programa executivo porque o Protocolo previa que fosse criado um programa executivo, à semelhança de outro que tinha sido assinado com Pontault-Combault. Estamos neste momento a analizar com a Fernanda Alves, a melhor forma que devemos dar a esse programa executivo.

 

Tem seis meses para criar um Conselho Consultivo da área consular. Já o criou?

Acabei de o criar. Não há muitas mudanças. Antes de criar o Conselho Consultivo, contactei todos os membros anteriores. Alguns conheci pessoalmente, quase todos, outros falei só pelo telefone. O Conselheiro das Comunidades Valdemar Félix, o professor da rede do EPE Ricardo Alves, a tradutora ajuramentada no Tribunal de Bordeaux… Elsa Godrin de Oloron Sainte Marie, Alexandre Fernandes de Pau,… houve uma pessoa que me pediu excusa, por sua iniciativa e por razões muito pessoais e que obviamente aceitei. Escolhi então um elemento que se vai estrear no Conselho e que é o atual Presidente da Associação Portuguesa de Angoulême, que é o Casimiro Garcia, com quem tive a oportunidade de estar em dezembro passado. Propuz-lhe se queria fazer parte e ele respondeu-me imediatamente que sim. Fiquei muito contente porque permite ter mais um elemento de fora da região de Bordeaux – tenho em Pau, em Oloron, na grande periferia de Bordeaux e agora também em Angoulême.

 

Nesta área consular há um caso particular: o Vice-Consulado de Portugal em Toulouse está sob a sua tutela. Já foi a Toulouse?

Estou para ir lá muito em breve. Tenho de combinar isso com o Vice-Cônsul e com o Conselheiro das Comunidades portuguesas. Quero visitá-los muito em breve porque há uma Comunidade relevante na região de Toulouse e eu conheci recentemente um dos seus elementos, que é um jovem empresário que criou recentemente um grupo de empresários, o Vitor Oliveira. Ele veio a Bordeaux pela Universidade Aberta, porque é o interlocutor da Universidade Aberta, já o voltei a encontrar aqui no quadro de um outro evento organizado por uma outra associação, o Clássico Arcos, em Bègles, e ficamos apalavrados para ir visitar Toulouse. Eu queria encontrar-me com ele e com vários outros empresários. Falei com o Vice-Cônsul por outros motivos, aliás bem menos felizes, porque como sabe, de vez em quando há acidentes que causam algumas más notícias para os lusodescendentes. Estou portanto a preparar uma viagem a Toulouse.

 

Vai haver mudanças na forma de exercer esta tutela? Vai ser mais intervencionista?

Não creio haver razões para fazer alterações ao relacionamento que existia e que eu creio que era bom e positivo entre o Consulado Geral de Portugal em Bordeaux e o Vice Consulado em Toulouse. O que conta aqui é haver uma boa articulação onde seja necessário haver uma boa articulação. Porque há uma série de matérias onde o Vice-Consulado funciona por si próprio. E quando é necessária articulação, essa articulação existe, como lhe referi para o exemplo de casos menos felizes. Não há razões para que se altere para já o ‘modus operandi’ entre Bordeaux e Toulouse. Eles sabem que podem contar comigo porque eu quando cheguei enviei uma carta ao Vice-Cônsul e ao Conselheiro das Comunidades para lhes dizer que tinha chegado e que me punha à disposição deles para o que fosse necessário, eles próprios responderam exatamente nos mesmos termos.

 

Esta região tem dois Cônsules Honorários: o de Dax e o de Pau. Os dois não praticam atos consulares. Está a prever uma qualquer alteração no estatutos destes Consulados Honorários para que passem a praticar atos consulares?

Eu tive a oportunidade de já conhecer os dois Cônsules honorários e fiquei com uma boa impressão, tanto de um como do outro. Como sabe, este ano temos uma ação relevante que é a iniciativa do Senhor Secretário das Comunidades Portuguesas, de organizar um Seminário única e exclusivamente dedicado à rede consular honorária no mundo. Porque verificou-se o óvio: a rede consular honorária tem prestado um serviço extraordinário de apoio à Comunidade portuguesa em momentos menos esperados, em lugares e em geografias menos esperadas e revelou ser um instrumento utilíssimo de aproximação e de apoio às Comunidades portuguesas. O programa vai ter lugar em abril e vai participar um dos nossos Cônsules honorários, o de Dax, o outro por razões profissionais não poderá deslocar-se.

 

O novo Embaixador de Portugal organizou recentemente um encontro com os Cônsules de Portugal em França. Há vários anos que este tipo de encontros não era organizado. Foi interessante?

Foi uma excelente iniciativa. O Senhor Embaixador teve a iniciativa de reunir em Paris todos os Cônsules Gerais, e em particular para mim e para o meu colega de Lyon, porque fomos os dois que chegámos há menos tempo. E é muito útil para nós que viemos há pouco tempo, podermos partilhar experiências com quem está cá há mais tempo. Foi uma excelente oportunidade de nos coordenarmos, sabermos o que cada um tenciona fazer, o próprio Embaixador dar a sua orientação. Eu acho que todos nós ficámos muito reconhecidos e muito agradecidos porque nos permite também falar com a restante equipa da Embaixada que é a Coordenadora do ensino de português, o Conselheiro cultural e o Diretor da AICEP. Estes serviços, que estão centralizados em Paris, cobrem todo o território. Pelo que todos nós temos necessidade de ter a um dado momento um encontro cara-a-cara, onde podemos esclarecer dúvidas ou ponderar eventuais iniciativas. Ainda recentemente, quando estive em Pau, os membros do Portugal Business Club de Pau disseram-me logo que já estavam em contacto com o Diretor da AICEP em Paris, que este iria fazer uma apresentação em Pau até ao final do ano. É bom que estejamos todos devidamente coordenados.

 

E quanto a Permanências consulares, como está este posto consular?

Vou dizer uma Lapalissade: a Permanência consular é uma ferramenta extremamente útil. Para além de nos aproximarmos às Comunidades, estamos a fazer um serviço que facilita a vida de toda a gente e eu tenho procurado acompanhar as Permanências consulares para poder encontrar as autoridades locais. Fiz isso em Fumel, em Pau e farei isso muito em breve em Bayonne. Temos Permanências nestas quatro cidades – Bayonne, Pau, Fumel, Angoulême – com uma regularidade mensal em Bayonne e Pau. Há muita gente a ir a estas Permanências consulares, de tal maneira que este ano já decidimos fazer mais duas Permanências consulares nestas cidades. Em dezembro, com o período de férias, nós não tínhamos Permanências, mas para não deixar um grande lapso de tempo entre a Permanência de novembro e a de janeiro, vamos organizar uma em dezembro. Até 15 de dezembro, este ano, ainda vamos ter mais uma Permanência em Pau e outra em Bayonne. E a verdade é que nestas Permanências, onde tenho ido, há sempre uma lista de 70, 80 pessoas que são atendidas para tratar de tudo o que é habitual tratar num posto consular: Cartão do Cidadão, Passaporte, Procurações, Inscrições consulares, Livret de Famille,…

 

E tem equipa que chegue no Consulado?

Esse é o reverso da medalha. As Permanências representam um esforço, mas é um esforço útil. Evidentemente que no dia em que fazemos uma Permanência, são dois funcionários que não estão no Consulado, para além do trabalho preparatório antes da Permanência e do trabalho pós-Permanência. Na sexta-feira em que temos menos duas pessoas no Consulado por estarem deslocadas, se for um dia complicado, vai notar-se a diferença, mas ao mesmo tempo estamos a atender outras 70 ou 80 pessoas, fora do Consulado, a prestar um serviço de apoio à Comunidade.

 

Qual a marca que gostaria de deixar nesta sua passagem por Bordeaux?

O meu objetivo é obviamente assegurar um bom serviço aos utentes do Consulado. Eu acho que este serviço tem sido prestado e é reconhecido. Há que manter e melhorar naquilo que tem que ser melhorado. Estamos a tentar uma outra forma de proximidade com as Comunidades através das redes sociais. A página do Consulado de Portugal em Bordeaux no Facebook foi reativada, desde setembro ou outubro, e temos procurado termos notícias com regularidade, quer sobre o funcionamento do Consulado, quer com notícias de Portugal que nós achamos que têm relevância para a nossa Comunidade. São notícias da esfera política, económica, cultural e social. E muito em breve vamos ter um novo site na internet, um site do Consulado Geral de Portugal em Bordeaux, um site institucional com todas as informações úteis, como por exemplo quais os documentos necessários para tratar de um determinado ato consular, quais os horários do Consulado, quais as fórmulas de tratar determinados assuntos, pode ser por correio ou presencial, vistos, e todas as notícias nesse ambito que forem aparecendo, por exemplo bolsas de estudos do Instituto Camões,… Por isso vamos ter estes dois suportes: o site para assuntos mais institucionais e a página facebook para questões relacionadas com a vida das Comunidades. O meu objetivo é tentar prestar o melhor trabalho possível para a Comunidade. Porque eu estou cá por causa da Comunidade, essa é a minha função. A Comunidade não está cá por causa de mim, é exatamente o contrário, eu estou cá porque a Comunidade existe. Se a Comunidade não existisse eu não estaria cá.