Exposição sobre Trabalhadores forçados durante a II Guerra mundial no Consulado de Portugal em Paris

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Até fim de agosto, o Espaço Nuno Júdice da Chancelaria do Consulado Geral de Portugal em Paris, acolhe a exposição “Travailleurs Portugais et Espagnols dans le III Reich (1940-1945)”.

Durante a II Guerra mundial o regine nazi explora milhões de estrangeiros, prisioneiros de guerra, internados em campos de concentração, mas também trabalhadores civis requisitados para o trabalho forçado na Alemanha e nos territórios ocupados. Portugueses e Espanhóis integram este contingente de trabalhadores que partiram de França, apesar de Portugal ser um país oficialmente neutro.

Este trabalho de investigação começou com a equipa do professor Fernando Rosas, na Universidade Nova de Lisboa, na altura sobre os deportados e deu origem a uma primeira exposição no Centro Cultural de Belém em 2017. “Apenas em 2017 este tema chegou ao grande público. Até então estava limitado a meia dúzia de investigadores que tinham conhecimento que havia deportados, que havia Portugueses que tinham passado pelos Campos de concentração. A informação sobre os trabalhadores forçados é muito recente, decorre desse trabalho de investigação sobre os deportados, porque inicialmente não se tinha conhecimento que havia Portugueses que tinham sido forçados a trabalharem na Alemanha durante a II Guerra mundial” explica ao LusoJornal a historiadora Cristina Clímaco, da Universidade de Paris 8 Saint Denis.

A ideia desta exposição é mostrar os percursos de vida, mostrar que os Portugueses que se inserem nesta história da II Guerra mundial, são sobretudo emigrantes em França que foram trabalhar para a Alemanha. “Quisemos mostrar precisamente estes percursos, desde a emigração em França, à deslocação para a Alemanha, em várias circunstâncias, e depois o tempo de trabalho na Alemanha e as condições de trabalho que eram muito difíceis” diz a historiadora.

Depois da I Guerra mundial, desenvolveu-se uma grande Comunidade portuguesa em França, “com os soldados desmobilizados em França, ou em Portugal e que depois regressam, com os trabalhadores contratados no âmbito da convenção de mão de obra de 1916 e depois uma vaga muito grande de emigração que começa logo no início dos anos 20” diz Cristina Clímaco. Trata-se de uma emigração “estimulada pelas condições de trabalho em França, pelo facto de serem necessários trabalhadores para a reconstrução do país e para relançar a economia francesa”. Chegam através de redes informais e familiares.

Para os Espanhóis há dois tipos completamente distintos. Há a emigração de trabalho que começa também no final da I Guerra mundial, com um tratado que foi assinado em 1919 e, a partir de 1936 e sobretudo em 1939, há os Refugiados da Guerra de Espanha. “São dois grupos completamente distintos e eu diria com poucas relações entre si, até no tratamento que lhes é dado, tanto pelo Estado francês, como pelas autoridades espanholas posteriores a 1939”.

Trabalhadores voluntários

Alguns dos Portugueses alistaram-se voluntariamente para irem trabalhar na Alemanha. Na verdade, a taxa de desemprego em França era muito elevada, “e como se sabe, os primeiros a serem atingidos pelo desemprego são os estrangeiros, e nomeadamente os Portugueses” diz a historiadora. “Face ao dilema de, ou ir trabalhar para a Alemanha ou alimentar a família, a resolução é rápida”.

Por isso, a primeira preocupação não era política, nem ideológica, era para sustentar a família.

Foi certamente o que aconteceu com Júlia Vieira. Nasceu em Marco de Canaveses em 1916, mas chegou a França em criança. Foi condenada em 1936 por infanticídio e dissimulação de criança. Era empregada doméstica até assinar um contrato de trabalho para a Alemanha, certamente para poder alimentar a família.

Mas há uma outra razão importante: logo em 1939/40, os Portugueses não podiam enviar dinheiro para Portugal a partir de França, “a exportação de divisas foi proibida” resume a historiadora. Quem tinha a família em Portugal, não lhe podia enviar as remessas, “mas essa interdição não existia na Alemanha. A partir da Alemanha podiam enviar uma parte do salário para as famílias, o que também foi decisivo, porque a Comunidade portuguesa de França, em 1939, era composta por um número muito importante de homens casados e isolados, e as famílias tinham permanecido em Portugal”.

Requisitados à força

Mas também há muitos Portugueses que foram requisitados à força. A partir de setembro de 1942, os Portugueses começam a receber requisições para se apresentarem para o trabalho na Alemanha, estas requisições resultam de uma primeira tentativa do Estado francês de enviar trabalhadores para a Alemanha, no âmbito da ‘Relève’.

“A ‘Relève’ foi um sistema posto em prática pelo Governo de Vichy, que concebeu este sistema de enviar três trabalhadores, contra o regresso de um prisioneiro de guerra” diz a historiadora. “Esta estratégica escondia um pouco a colaboração de Vichy com o III Reich. O sistema baseava-se no voluntariado, mas teve muito pouca adesão, por isso, as autoridades alemãs vão pressionar Vichy para forçar os trabalhadores a irem para a Alemanha”. Foi então elaborada a Lei de 4 de setembro de 1942, em que “o Estado francês autoriza a requisição de trabalhadores entre os 18 e os 50 anos, no interesse supremo da nação. Nada indica que é para trabalhar na Alemanha, é para trabalhar onde forem necessários, no interesse do país. É neste âmbito que começam as requisições. Os Portugueses são requisitados como outros estrangeiros e franceses”.

Diamantino Cardoso foi um desses requisitados. Nasceu em Leça do Balio, em 1903. Era pintor de casas em Paris e morava na Cidade universitária, onde a mulher, Beatriz Torres, natural da Maia, era porteira na Casa de Espanha. O casal tinha dois filhos quando o pai foi requisitado.

E a neutralidade de Portugal?

O acordo previa a troca de um prisioneiro de guerra contra três trabalhadores estrangeiros. “Ora, os estrangeiros não eram essencialmente trabalhadores especializados e não eram contabilizados nesta troca. Há efetivamente um grande número de estrangeiros que foram enviados, mas que não foram contabilizados. Esta troca matemática não resultou tal como Vichy previa”.

A participação dos trabalhadores nos trabalhos forçados suscitava um problema por causa da neutralidade de Portugal. Preocupava menos o Ministério em Lisboa, mas é uma preocupação que vai levar a um conjunto de intervenções do Cônsul António Alves e da Representação de Portugal em Vichy.

Manuel Guerreiro, natural de Loulé, trabalhava em Châlons-sur-Marne quando foi requisitado em 1944. O Cônsul de Lyon faz-lhe um ‘certificado de não-requisição’. Mas a Gendarmerie prendeu-o na mesma e enviou-o para a Alemanha, para trabalhar numa fábrica. Graças à intervenção da Embaixada de Portugal em Vichy, as autoridades alemãs aceitam de o fazer regressar, mas nunca regressou! A Cruz Vermelha disse à família que morreu em dezembro de 1944, quando as tropas russas entraram em Viena.

“De um modo geral, na França ocupada pelos Alemães foi mais ou menos reconhecido o não envio dos Portugueses, mas na zona livre não, as autoridades de Vichy, sempre na ideia de proteger a população francesa, obrigam um certo número de Portugueses a irem trabalhar para a Alemanha. Há também, rusgas em vários estaleiros, há toda uma série de estratégias para obrigarem os trabalhadores a seguirem para a Alemanha” explica Cristina Clímaco.

Percursos muito variados

Quem visitar a exposição, depara-se com uma série de percursos, portugueses e espanhóis, muito diversificados.

Francisco Ferreira nasceu em Guimarães em 1916 e veio para França com a família. Foi mobilizado no início da Guerra e foi condecorado com a Cruz de Guerra, mas foi preso em junho de 1940 e levaram-no para a Alemanha onde foi trabalhar na indústria têxtil. Sempre manteve a condecoração ao peito, mas o Chefe considerou que era um emblema comunista e denunciou-o por atitude anti-alemã. Voltou a ser preso e voltou a ser trabalhador forçado numa outra fábrica.

José Miguel, de Pero Viseu, Fundão, também foi requisitado em 1943. Um ano depois de trabalhar numa fábrica alemã, foi queimado com ácido por um alemão que, depois, o denunciou por crime de automutilação. Fugiu e escondeu-se na cave de uma escola até ao fim da guerra, encoberto por uma rapariga austríaca com quem acabou por casar. Mas no fim da guerra teve muita dificuldade para fazer vir a esposa para França.

José Evangelista, nasceu em Loulé e veio com a família para França nos anos 20. Trabalhava numa papelaria de Saint Etienne-de-Rouvray quando foi requisitado. Foi acusado de sabotagem numa fábrica alemã por ter feito passar material aos franceses. Preso, já praticamente no fim da guerra, esteve num comboio de prisioneiros que circulou durante quatro semanas pela Républica Checa de onde acabou por fugir em maio de 1945 perto da fronteira polaca.

São estes percursos que Cristina Clímaco tem estudo e apresenta na exposição agora patente ao público no Consulado português.

Conta por exemplo o caso de Pedro Baptista da Rocha, nascido em Lisboa em 1912, empregado de escritório, militante comunista. Deixou Portugal clandestinamente em 1937 para combater nas tropas republicanas espanholas. Refugiou-se em França, no Campo de Argelès-sur-Mer, mas como não podia voltar a Portugal, alistou-se como voluntário e declarou-se apátrida. Na Alemanha foi jornalista no magazine de propaganda alemã em língua portuguesa “O Espelho de Berlim” e na secção portuguesa da rádio alemã. Mas quando foi de férias a Portugal, em 1942, acabou por ser preso pela Pide.

Não se conhecem ainda números concretos porque a investigação continua a decorrer. “Até ao momento, penso que o número será superior a 2.000 trabalhadores” afirma Cristina Clímaco. “O recenseamento de 1936 indicava uma população de 29.000 trabalhadores Portugueses em França, por isso, apesar de tudo, trata-se de uma percentagem significativa de trabalhadores forçados, mas poderá ir bem mais além do que estes 2.000 trabalhadores”.

Uma exposição pedagógica

Cristina Clímaco veio para Portugal nos anos 80. “Eu não tive vaga na universidade. A única solução foi de vir estudar para o estrangeiro. Foi aquela altura complicada dos anos 80. Não havia lugares nas universidades, as vagas eram reduzidas e eu comecei por querer fazer relações internacionais, em que o número de vagas era muito reduzido. Só depois pensei na história” explicou ao LusoJornal. “Vim para cá, depois voltei para Portugal nos anos 90 para fazer a investigação para a minha Tese e em princípio era para ficar, depois, a minha orientadora de tese disse-me que o meu francês estava muito mal, que já não sabia escrever francês e que o melhor era ficar até acabar a tese”. Só que as circunstâncias fizeram com que finalmente não regressasse a Portugal e terminou a Tese sobre os exilados políticos portugueses em França e em Espanha entre 1927 e 1940.

Agora, Cristina Clímaco é ‘maître de conférences’ na Universidade de Paris 8 Vincennes Saint-Denis. Doutorada em História das Sociedades Ocidentais pela Universidade de Paris 7 Denis Diderot, foi bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É investigadora integrada no Laboratório de Estudos Romanos (LER) da Universidade de Paris 8, e investigadora associada do Instituto de História Contemporânea (FCSH/NOVA) e do CEIS 20 da Universidade de Coimbra. Foi galardoada em 1999 com o Prémio da Fundação Mário Soares. É especialista das relações luso-francesas, com trabalho realizado nas áreas do exílio, emigração e oposição ao Estado Novo nos anos 30.

O objetivo é que esta exposição circule “por todos os espaços que se mostrem interessados”, mas é uma exposição que se dirige sobretudo aos jovens.

“Tem a pretensão de divulgar este tema de um modo simples, mas de chamar a atenção para uma presença que nem sempre é considerada relevante. Quando se fala dos Espanhóis, há um conhecimento muito mais importante do que no caso dos Portugueses. No caso dos Portugueses, quer o caso da emigração entre guerras, quer o caso da participação dos portugueses no trabalho forçado ou mesmo na Resistência, ignora-se ainda muito esta participação”.

“A ideia é realmente de chamar a atenção e de recuperar essa memória. Uma memória da emigração” conclui a historiadora.

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