Opinião: “Père” François Yverneau e os Caboverdeanos em França: fazer o bem sem olhar a quem!

A morte de François Yverneau, “frère” da congregação jesuíta, deixou imensa tristeza em alguns círculos da Comunidade caboverdeana em França, católicos e não só. Eram conhecidos os laços que o uniam aos caboverdeanos de Saint Ouen l’Aumône onde largos anos oficiou servindo-os com zelo. Pessoalmente, perdi um amigo que muito me ajudou a penetrar nessa Comunidade.

Foram esses laços de proximidade social e amizade pessoal que me levaram a convidar François Yverneau à nossa festa nacional em 2002, quando o Serviço cultural da Embaixada decidiu render homenagem ao professor Roberto Duarte Silva, cientista emérito de origem caboverdeana, filho de Santo Antão, no Cemitério de Montparnasse onde repousa desde 1889 (Roberto Duarte Silva foi condecorado com a Legião de Honra em 1878).

Em nome da Comunidade, foi a missa de sufrágio celebrada por François Yverneau, e os Caboverdeanos acudiram em romaria ao jazigo que ostenta a efígie em baixo-relevo do célebre cientista de Santo Antão, com um coro de cânticos litúrgicos e serenata à moda da terra.

Vibrante homenagem, bonita de se ver!

François Yverneau fez-se clérigo nos anos de bons augúrios para a emigração, porém sabia que não era fácil a integração dos que desembarcavam na Europa. Como tantos outros, encarnou a solidariedade cristã em favor dos deserdados da sorte e da fortuna que chegavam à França. Leigos e presbíteros, católicos e protestantes, uns e outros eram movidos por um princípio fundador da cristandade: fazer o bem sem olhar a quem!

Os primeiros Caboverdeanos, com pouca ou nenhuma escola, não esquecem os que os socorreram quando, ainda “perdidos” com o francês, preencher um formulário administrativo ou redigir uma carta não era para qualquer recém-chegado! Os que os ajudaram nos documentos ou intercederam por eles nas Prefeituras para lhes evitar uma injuriosa recondução à fronteira.

Hoje bem integrados, tratam com carinho de Isabelle Estienne que tanto os ajudou em Amiens. Recordam com gratidão o falecido o padre Fazzi, e agora François Yverneau que acompanharam até à sua última morada em dezembro passado. Amor com amor se paga!

Os 72 Caboverdeanos “sans-papiers” que em 1992, na igreja de Sainte Hélène, em Nice, se declararam em greve de fome protestando contra uma ordem de expulsão, lembrar-se-ão para sempre do padre Fazzi (hoje falecido) falando por eles, ladeado por dois párocos! Os grevistas “regularizáveis”, a maior parte, saíram da igreja com a promessa de um título de residência que mais tarde obtiveram. Em 1999 foi o padre Fazzi condecorado com a Medalha do Vulcão pelo Presidente Mascarenhas Monteiro, e a proposta foi nossa!

Como o padre Fazzi, outros benfeitores, clérigos e leigos, merecem ser reconhecidos pelo apoio consequente que no passado deram aos nossos imigrantes. Até entendo que o Estado caboverdeano deveria ir mais longe e pensar num reconhecimento simbólico à Igreja francesa enquanto instituição, prestando-lhe homenagem na pessoa do seu patriarca.

Abstenho-me de comentar o alcance político-diplomático de um tal gesto, com dividendos seguros para a imagem e visibilidade da nossa discreta mas ativa Comunidade caboverdeana. Mormente se essa homenagem constituir “une première” em relação a outros países com emigrantes em França, que poderiam pensar nisso antes de nós e “roubar-nos” a primazia!