Lusa | António Pedro Santos

Jovens: tão mais céticos e ao mesmo tempo tão igualmente carregados de utopia

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Para estarmos juntos com os amigos restam-nos os sábados e os domingos. Temos que combinar brunchs ou almoços para poderemos todos sair antes das 18 horas; é melhor perguntar se fizeram recentemente um teste, se já tiveram Covid e estão imunizados, se pudemos abrir a janela apesar do frio lá fora…

O melhor mesmo é separar os casais ou coabitantes por duas ou três mesas, aproveitar os tamboretes, pôr no chão os livros que se empilham na secretária, comer coisas leves em cima dos joelhos…

E é bom falar do que nos juntou no passado longínquo de 2019, das traiçoeiras tréguas do verão de 2020, recordar restaurantes e esplanadas, museus, teatros e cinemas… Dizer que, ainda assim, estamos menos mal e que o pior vai ser quando fecharem de novo as livrarias, as galerias de arte… Há quem confesse que se enche de livros para prevenir o próximo confinamento, como houve quem açambarcasse papel higiénico em março de 2020.

Queixamo-nos das “coisas” online, impossíveis de apreciar verdadeiramente fora da realidade dos espaços e longe das multidões de que nos queixávamos e que agora nos fazem falta; ou da comida trazida a casa e consumida sem alma. E admiramos e lamentamos a vida dos que mantêm vivo, através dessas plataformas intermédias, o testemunho desse passado que não sabemos como voltará, quando voltará.

Este sábado esses convidados foram muito jovens. Soube-nos bem trazê-los cá a casa sabendo como estão mais cercados do que nós, nos seus pequeníssimos apartamentos ou chambres de bonne, comendo mal, desleixando o quotidiano, assistindo pela internet a cinco ou mais horas de aulas por dia e estudando ainda depois outras tantas, sem acesso à realidade das bibliotecas, dos intervalos das aulas, do contacto físicos com os colegas, do intercâmbio direto com os professores, sem constituirem grupos ou agravando a tendência para usarem o virtual como a realidade principal da sua vida pessoal e amorosa, procurando empregos complementares que não há, desperdiçando mestrados, adiando doutoramentos. Mas mantendo, ainda, uma enorme energia construtiva, a esperança num futuro que querem transformar – “porque estes políticos não prestam”, “porque o futuro se faz reequilibrando as relações entre a natureza e a sociedade humana”, “porque…”

É bom ouvir os seus argumentos, tão diferentes dos nossos, dos do nosso tempo de jovens, tão mais céticos e ao mesmo tempo tão igualmente carregados de utopia como nós. Temos que os prevenir sobre as desilusões da vida que a nós já nos pesam, mas estimulando-os a manterem vivas as energias diversas que os movem e que os trouxeram do Bangla Desh, de Itália, de Portugal ou da Suíça até Paris. Uma coisa me reconforta: sentir que, com eles, esta cidade, agora quase fechada, todo o passado e presente que Paris transporta irá, no meio de todas as dificuldades que ainda nos esperam, prolongar no futuro o seu papel de lugar onde todos os possíveis podem ser pensados.

Boas escolhas culturais e até para a semana.

 

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