Opinião: Ensino do Português no Estrangeiro – O que foi e o que vai ser

O ano letivo que agora terminou foi marcado, tal como sucedeu em todos os países dentro e fora da Europa, pela situação de pandemia que obrigou ao encerramento dos estabelecimentos escolares a partir de meados de março.

Dadas as caraterísticas do sistema do EPE, em que existem dois tipos de ensino, o denominado integrado, que funciona dentro do horário escolar normal, frequentado também por alunos estrangeiros e gratuito, embora o Português não seja disciplina curricular, e o ensino paralelo, funcionando extra-horário e frequentado por alunos de nacionalidade portuguesa, onde é obrigatório o pagamento de uma propina anual, as consequências para alunos e professores e o modo como as aulas se processaram revestiram-se de caráter diferente.

No caso do ensino integrado, que funciona principalmente em França e Espanha, houve pouca comunicação entre professores e alunos, dado os primeiros não disporem dos contactos destes últimos, tudo funcionando através das escolas.

No ensino paralelo, que predomina na Alemanha, Suíça e Luxemburgo, houve mais comunicação entre alunos e professores devido ao contacto ser direto.

Porém, e tal como sucedeu em Portugal, muitas vezes a dita comunicação falhou devido ao facto de grande parte dos alunos não disporem das ferramentas necessárias para ensino à distância, situação que se prolongou até ao final do ano letivo, visto que a entidade responsável, neste caso o Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, ter insistido em aulas utilizando plataformas digitais, com o resultado de que cerca de 50% dos alunos ficaram, efetivamente, privados de ensino, ou por falta das citadas ferramentas ou por serem demasiado jovens para as utilizar pois cerca de 80% da população escolar do EPE é constituída por alunos de 1° e 2° ciclo, o que originou uma redução de cerca de 800 inscrições no ensino paralelo.

Continua a não ser feito, pelo Instituto Camões, o levantamento do número de alunos que não dispõem das ferramentas necessárias para ter ensino à distância, assim como não foi efetuado o levantamento de eventuais casos de risco entre alunos e professores.

Apesar de todas essas falhas, se for dado crédito às comunicações que o Sr. Presidente do citado Instituto, Dr. Luís Faro Ramos, tem feito publicamente, no EPE tudo corre otimamente e vai correr ainda melhor, havendo imensas inscrições, que na Suíça ultrapassaram já os 100%.

Na verdade, o que foi ultrapassado foi a margem de erro, visto que, existindo inscrições repetidas três e quatro vezes, chegou-se ao número inconcebível de 300 e mais alunos por professor, em alguns casos.

Também na Alemanha, onde as poucas escolas que já informaram ir ceder salas para o Português só o farão a partir das 16h00 ou 17h00, o que significa que nem todos os alunos poderão assistir, devido ao horário tardio, o Sr. Presidente declarou que tudo corre às mil maravilhas e as entidades locais irão até ceder computadores aos alunos portugueses.

Juntando a estes prognósticos otimistas o facto de ir ter lugar a revisão do Regime Jurídico do EPE, em que parece não irem estar presentes os representantes sindicais, cuja participação é obrigatória por lei mas que o Sr. Presidente tem vindo a omitir em todas as comunicações, apesar de o processo ter sido oficialmente requerido pelas ditas organizações, é inegável que o EPE está muito bem entregue e só se pode esperar sucesso.

Quanto ao início do próximo ano letivo, afigura-se bastante problemático. Na maioria dos países em que os cursos do EPE funcionam é intenção das entidades escolares locais iniciar com aulas presenciais a 100%, observando o desdobramento de turmas, facto que certamente irá causar problemas à lecionação do Português, pois tendo estatuto de disciplina extracurricular é de esperar que as salas de aula não sejam em número suficiente.

Assim, caso a entidade portuguesa não consiga garantir ensino presencial, será de esperar grande número de desistências, visto não ser expectável que os pais dos alunos tenham a disponibilidade económica para aquisição das ferramentas necessárias.

Apesar disso, e apesar de ser facto largamente conhecido que os alunos que deveriam ter frequentado este ano o 1° ano de escolaridade ficaram praticamente analfabetos, pois nessa idade não é praticável o ensino à distância, o Instituto Camões encontra-se já a trabalhar numa Plataforma destinada a aulas digitais para as crianças do 1° ciclo.

Quem irá ganhar com isto tudo? Os alunos certamente que não. Mas pode já prever-se lucro para as editoras, com as várias Plataformas, muitas delas a pagamento, os cursos de formação para os professores aprenderem a dar aulas à distância, proporcionados por inúmeras entidades, esquecendo que, caso os alunos e os pais não disponham dos recursos necessários, e, confessemos, não somos todos ricos na emigração, tudo isso brilhará pela inutilidade.

Admirável e digital mundo novo…

 

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