Opinião: Olhó Tablet!

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Em outubro passado, o Ministério da Educação em Portugal distribuiu tablets aos alunos de todas as escolas de Ensino Básico e Secundário, no âmbito do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) que funciona com verbas cedidas pela Comunidade Europeia.

Não houve cerimónias de entrega dos ditos nem elogios e muito menos agradecimentos ao ME ou a alguns dos seus representantes, tendo surgido na imprensa nacional várias críticas relativamente à credibilidade pedagógica dos aparelhos e à sua utilidade, que continua a não estar comprovada, em parte devido à crise que a Educação em Portugal atravessa, com os professores firmes na luta pelos direitos que indubitavelmente lhes assistem e que o ME insiste em não reconhecer.

Porém no EPE [ndr: Ensino português no estrangeiro], onde luta de professores não houve, embora muito houvesse para reivindicar, e tendo o Conselho de Ministros, a 31 de dezembro de 2021, autorizado a cedência de 17.168.330 euros ao Instituto Camões, ostensivamente para aquisição de plataformas, manuais, certificação das aprendizagens, computadores para docentes e discentes do Ensino Português no Estrangeiro, dentro do plano de digitalização do EPE, verificaram-se duas estranhas circunstâncias.

A primeira é que a inconstitucional “Propina”, obrigatória apenas para os alunos portugueses e lusodescendentes, cuja exigência é sempre fundamenta pelo IC com a necessidade de adquirir manuais e de custear o processo de certificação, continuou a ser aplicada, embora parte da quantia acima indicada fosse destinada a despesas nesses dois sectores, sendo necessário lembrar que com a mesma, desde 2013, data em que foi implantada, o Instituto Camões terá obtido um verba de cerca de 18 milhões de euros, que gere livremente.

A segunda é que, embora segundo o CM os 17 milhões fossem destinados à digitalização do EPE, em março de 2022 os responsáveis do IC declararam que a verba seria aplicada apenas na digitalização do ensino paralelo, aquele em que a tal “propina” é obrigatória, facto que ninguém questionou.

E assim, quase um ano depois dessa afirmação, em maio de 2023, já perto do fim do ano letivo, foi instaurado a toda a pressa um processo de empréstimo de tablets unicamente aos alunos que frequentam os cursos de Português extra-horário escolar.

Os alunos que têm aulas dentro do horário escolar normal ficaram de fora e não irão receber seja o que for, facto estranho e que se afigura algo discriminatório, pois além de todos serem alunos lecionados por docentes remunerados pelo Estado Português, com programas e manuais idênticos àqueles utilizados no ensino extra-horário e o que é mais importante, organizados em turmas homogéneas, onde o uso dos tablets poderia ser vantajoso, ficaram, como já dito, excluídos.

Os “felizes contemplados” – aspas intencionais – foram os alunos do ensino fora horário, com turmas em que se acumulam alunos de 1° até 5° ano de escolaridade, lecionados conjuntamente e onde é lícito perguntar se, em grupos tão heterogéneos, onde nem todos os alunos terão tablet, porque nem todos os pais quiseram aceitar a responsabilidade de indemnização em caso de perca ou dano do dito, não irão os citados causar ainda mais confusão, com uns alunos com, outros sem, uns ainda em fase de alfabetização e outros já bem mais adiantados? Qual será, nas condições citadas, e que não se irão modificar, a utilidade de um aparelho que agora, só por si, já é apresentado quase como milagroso e com o poder de resolver o problema da heterogeneidade exagerada, concedendo imediata qualidade de ensino a um sistema de onde há muito a mesma desapareceu?

Por enquanto, uma incógnita. Mas o que já não deixa dúvidas é que a distribuição dos tablets está a significar, para os docentes do ensino paralelo, já ocupados com as usuais tarefas de fim de ano letivo, como testes, notas, provas, etc, uma tremenda carga extra de trabalho administrativo, com inquéritos e termos de responsabilidade para os pais, fichas de Excel intermináveis e inclusive a obrigação, não expressa oficialmente, de trabalhar aos fins de semana, fora de casa, nas mais ou menos cerimoniosas distribuições de tablets com participação de Embaixadores ou Cônsules, onde pais, alunos e até professores agradecem uma oferta que não o é e que nada têm de agradecer, pois se trata de um plano da Comissão Europeia com verbas provenientes da mesma.

Se os tais tablets na prática terão alguma utilidade só se virá a saber no próximo ano letivo, em que ao grupo dos alunos “sem” porque os pais não quiseram se irá juntar outro grupo “sem”, o dos novos alunos, porque só foram previstos aqueles que já se encontravam a frequentar os cursos e não os recém-inscritos.

Toda esta situação, algo caótica e com um estranho sabor a “última hora”, levanta algumas suspeitas sobre aquilo a que, na verdade, se destinam os tablets, que poderão estar agora em plano experimental para facilitar a passagem de atuais cursos presenciais para ensino a distância, como deixam entrever as palavras tanto da Assembleia, em março passado, com a menção de “cursos onde não seja possível colocar um professor” sem esclarecer os critérios para possibilidade ou impossibilidade, à qual se juntam afirmações de teor semelhante feitas pelo atual SECP Paulo Cafôfo, que inclusive já afirmou que “mesmo que os alunos não tenham aulas presenciais terão sempre um professor”, o que deixa antever o regresso a algo semelhante à antiga tele-escola.

Olhó tablet! E cuidado, que pode não ser tão bom como se pensa…

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